segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

Antonio Cláudio Mariz de Oliveira* - Jovens querem deixar o País

O Estado de S. Paulo

É interessante que muitos que desejam ir embora do Brasil aqui deveriam ficar, acima de tudo, porque a ele muito devem

Recentemente eu li que um significativo número de jovens quer deixar o País (76% dos pesquisados). Uma notícia alarmante. Duas razões para o alarme. Em primeiro lugar, com o êxodo da juventude haverá carência em todos os campos das atividades. Não teremos novos quadros para impulsionar os setores produtivos, culturais, científicos e no setor público inexistirão novas lideranças políticas e administrativas para ocupar os cargos de administração da Nação. As carências já existentes de homens aptos para gerir a política e a coisa pública será agravada pela debandada.

Entendo que sair do País, especialmente no caso daqueles que têm condições de contribuir para o seu aprimoramento, representa uma incompreensível falta de estima pelo Brasil e por seu povo.

Sabe-se ter havido na História inúmeros exemplos de imigrações que atingiram inúmeros países. O Brasil mesmo, desde o século 19, acolheu imigrantes de inúmeras nações. Os estrangeiros que para cá vieram e seus descendentes se integram em nossa vida social e cultural, assim como nos legaram positivas influências de suas origens.

Todos os surtos imigratórios tiveram causas bem detectáveis a justificá-los. Eles foram marcados por insuperáveis carências em seus países. Fatores diversos, especialmente guerras e revoluções, reduziram as oportunidades de trabalho e suprimiram condições mínimas para a permanência de grande parcela das populações em seus Estados de origem. A imigração passou a ser uma solução de sobrevivência.

Será que estamos atravessando no Brasil de hoje um período de catástrofe social, uma revolução interna, uma ameaça de guerra externa ou de invasão de nações estrangeiras, um caos na economia, uma avalanche destrutiva de fenômenos naturais? Não. É verdade que não estamos vivendo num país onde reinem a segurança, a igualdade social, uma economia sólida e produtiva, uma assistência integral e abrangente nas áreas de saúde, educação, habitação e saneamento. Estamos, sim, passando por não pequenas dificuldades.

Mas os nossos problemas não justificam a saída coletiva de brasileiros do País. Impõem, sim, a união, a crença e o amor à Pátria. Tal como nos unimos em defesa da democracia e das instituições – salvo alguns adeptos do totalitarismo –, é essencial que os nossos esforços sejam empregados na supressão ou na diminuição de nossas conhecidas mazelas.

Sair do País, não. Devem permanecer para construir.

É interessante que muitos que desejam ir embora do Brasil aqui deveriam ficar, acima de tudo, porque a ele muito devem. Refiro-me àqueles a quem foram proporcionadas situações favoráveis para progredir cultural e materialmente, a ponto de poderem sair e se manterem fora. Lembre-se: tais condições essas pessoas encontraram no país que agora querem deixar.

Parece ter chegado a hora de a parcela privilegiada da sociedade mergulhar dentro de si e rever posicionamentos herdados do Brasil imperial, patrimonialista, escravocrata. Desprezo, arrogância, autossuficiência, individualismo, preconceito e discriminação marcam parte dos integrantes desta autoconsiderada “casta”. É a elite envergonhada de aqui ter nascido. O seu sonho é ter tido origem em outras plagas. Retirou do País tudo aquilo que ele lhe pôde proporcionar e, agora, quer ir embora ou mandar os seus filhos para fora. Fiquem e os deixem no País, para retribuírem o que o Brasil lhes proporcionou.

Dirão que não têm oportunidades. Vamos criá-las. Só os da elite podem fazê-lo. Os menos favorecidos – aliás, a enorme massa – querem sobreviver. Eles, sim, não têm condições para sair do País. Os favorecidos, ao contrário, podem tudo, até abandonar o nosso barco.

O trabalho é árduo e as mudanças, necessárias. Interesses coletivos, no lugar dos particulares. A solidariedade, ao invés do egoísmo. O bem público separado do interesse privado. A compreensão afastando a intolerância. O desprendimento, em vez da ambição desmedida e da ganância; o amor em substituição ao ódio. São fórmulas piegas, poderão dizer. Não importa. Surtirão efeitos e nos vão melhorar.

Talvez a nossa esperteza excessiva; o apego ao consumo e ao acúmulo de bens materiais; a prevalência do ter sobre o ser; e a ânsia pelo protagonismo, pelas posições sociais de destaque tenham escondido ou feito desaparecer o nosso lado infantil, ingênuo, puro mesmo, mas pleno de entusiasmo, encantamento pelas coisas simples, alegria.

O homem e a mulher brasileiros abandonaram algumas de suas marcas distintivas. Criatividade, agilidade mental, improvisação, adaptação a situações adversas, facilidade de relacionamento (o conhecido de agora é o amigo de sempre) e tantas outras características deveriam ser reconhecidas, acolhidas, e não rejeitadas. Ser quem e como somos, e não como imaginamos ser: europeus ou americanos.

Está na hora de sabermos quem somos e que nação queremos construir. Manter o status quo, a favor de uma minoria, ou construir um país para todos? Não somos melhores ou piores do que outras gentes, somos diferentes. Tais diferenças devem ser enaltecidas, pois constituem as nossas marcas. Ficar no País é dever, trabalhar por ele é missão de todos.

*Advogado

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