No governo Médici - entre os militares o mais violento - a indignação com a repressão acomodou-se na alegria incontida da população com o título de campeão mundial de futebol na Copa do México. Lá mesmo houvera o fuzilamento - massacre da Plaza das Três Culturas (Tlatelolco) - de mais de 200 estudantes durante uma manifestação contra os exagerados gastos do Governo com as Olimpíadas e para abrigar a Copa.
Ora, trinta e sete ministérios "sem aumentar o quadro de servidores". Bate que eu gosto. Orçamento secreto - felizmente caiu no Supremo Tribunal Federal -, verba discricionária, emendas impositivas de parlamentares, recursos extraordinários, incentivos, isenções fiscais para empresários e até pedaladas. Não é pouco, e nem fácil identificar os meandros dos gastos do Governo. Desde Guido Mantega, no Ministério da Fazenda, com seu orçamento criativo, as finanças públicas desestabilizaram o orçamento e as relações entre Poderes se acirraram.
Vem aí o orçamento da transição. É para organizar ou desorganizar de vez as finanças do Estado? Promete-se mudar muita coisa, embora os personagens não sejam desconhecidos, nem as teses que advogam. Miriam Belchior, ex-ministra do Planejamento, Orçamento e Gestão e ex-presidente da Caixa Econômica Federal durante o governo Dilma Rousseff, integrante do grupo de transição de governo, lembra que o Partido dos Trabalhadores não é a favor do Estado mínimo. "Precisamos de uma máquina do tamanho do necessário para desenvolver as políticas públicas". Já são esperados, pelos detratores, muitos empregos no Estado e, entre ministérios, uma superposição de funções e responsabilidades.Não são poucos os riscos de agravar o endividamento e o descontrole das contas públicas. O vilão não é somente a tal PEC da gastança. Ela é só um viés. O ministro Paulo Guedes, inspirador dos créditos extraordinários e do orçamento secreto, com a conivência do Congresso, alerta sobre a divisão do bolo. Não tem dinheiro para todo mundo. E, ainda, periga faltar recursos para a Previdência Social (INSS), ou seja para pagar os salários de aposentados, pensionistas e até de professores. Ameaça maldita?! Alguns gestores do Tesouro e do Orçamento do Ministério da Economia já anteciparam a demissão
Volta o ministério do Planejamento. Que bom! Com que autonomia?! É preciso superar o espontaneismo fatalista das campanhas, impedir que oportunistas façam prevalecer propósitos mesquinhos, ordenar e concatenar as ações. Como um salvador da Pátria, Paulo Guedes não se constrangeu em incorporar tudo à sua frágil condição de superministro, inibindo as auditorias. que requerem maior seriedade do Tribunal de Contas da União. As comissões parlamentares de inquérito merecem pouco respeito. Por todo canto, vê-se um desfile de vaidades e a exposição de artifícios contábeis, desconhecidos dos órgãos superiores sérios e da própria população. Gasto público precisa ser monitorado.
Fernando Haddad, que vai para a Economia (Fazenda), tenta administrar os ânimos dos segmentos empresariais preocupados com estouros nas contas públicas e com um desande inflacionário, falando repetidamente em controle fiscal. Mas, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) que, no passado, era vinculado ao Miniplan, passou para a Economia, e lá distribuiu dinheiro para essa América Latina toda, parte a fundo perdido. Esse pessoal está vindo aí novamente.
O BNDES tinha como Presidente o discreto professor Luciano Coutinho. Agora tem um gerentão, o economista e político Aloísio Mercadante que, segundo se divulga, vai administrar a economia junto com Haddad. O novo ministro da Economia tem sido um perdedor que, ao contrário da liberdade de gastos nas mãos de Mercandante, contemporiza o que ele mesmo anuncia: "Não haverá controle de gastos com a pobreza". Há um jogo retórico e semântico flexível à espera de um ministério do Planejamento para dar coerência a uma Política de Estado e à gestão pública.
Desgastada nos embates públicos, ideológicos, partidários e nos bate bocas dispendiosos, a governabilidade acena para a necessidade de nortear ações de Governo, por meio das políticas públicas inequívocas, impedindo o tal espontaneismo fatalista. A gestão de Estado sobre as carências e angústias sociais está mesmo confusa ou abandonada. Alguns segmentos mostram que será difícil recompor iniciativas e avanços de políticas públicas, perdidos nos confrontos verborrágicos. Só na área habitacional haveria no País um déficit de 70 milhões de sem teto, entre os quais milhões condenados, por antecipação, a nunca conhecer uma habitação própria, como em Bangladesh.
A saúde coletiva é outras dessas carências. Perdeu-se a experiência dos médicos cubanos, aquela transferência de recursos. Não vale à pena repeti-la, senão reproduzi-la com profissionais brasileiros, desconcentrando a categoria, por meio de uma política séria para o setor. Mas, ninguém vai para o interior, sem condições logísticas, para assistir pacientes morrendo à sua frente por falta de medicamentos. A educação é também uma política pública perdida por aí. Cinco ministros num período de quatro anos, cada um com visões e interesses próprios. A educação à distância e digital foi a salvação. Ganhou espaço suficiente e alguma competência para ampliar o processo democrático e levar a educação a todos os cantões do País. Mas exige uma configuração pedagógica séria.
Perdeu-se ainda o elo da sustentabilidade que colocava o país num lugar privilegiado neste mundo. O segmento ambiental ficou sem norte, desconfigurado. Na Conferência COP 27, o Brasil (o presidente eleito) assumiu a responsabilidade de liderar a proteção da biodiversidade e uma política destinada a reduzir a emissão de gases tóxicos. Requer um acordo com os segmentos produtivos, sobretudo na área da agricultura, estimulando a produção de subsistência e, ao mesmo tempo, o desenvolvimento do agronegócio, de modo a criar condições de fixar as famílias no campo.
Cerca de 13,7 milhões de brasileiros vivem abaixo da linha da pobreza extrema; 14 milhões de trabalhadores estão desempregados; dez milhões são analfabetos. O saldo é de quase miséria e desigualdade, crescentes. Para a socióloga Renata Duarte, da UFPe, crianças nascidas em um contexto de pobreza têm maior probabilidade de se tornarem famílias pobres de amanhã. Todo cuidado é pouco. Não tiramos ainda a sorte grande. Recomenda-se calma. Nesse cenário ministerial confuso, não há e não haverá futebol nem Natal que salve o brasileiro. O Planejamento não resolve problemas, traça perfis. Sem bom senso, teremos de conviver ainda por muito tempo com um Brasil problemático. .
* Informo, com pesar, o falecimento, em São Paulo, do nosso editor do CHUMBO GORDO, Carlos Brickmann, meu chefe desde os tempos da Folha da Tarde. Um excelente jornalista, e grande pedagogo da profissão. Foi um dos fundadores do Jornal da Tarde e participante do grupos que criou a revista Realidade. Esses três órgãos de imprensa produziram uma revolução no jornalismo brasileiro. Lamento muito. Pêsames à família e aos amigos.
**Jornalista e professor
Realmente, uma triste
ResponderExcluirNotícia essa. Acompanhei o na Veja e o respeitava muito pelo seu talento e profissionalismo. Uma grande perda com certeza.
O nome do colunista...
ResponderExcluir