Onda de reajustes ao funcionalismo já marca novo governo
O Globo
Aumentos para parlamentares, governadores,
presidente e ministros do STF desencadeiam efeito cascata
Não bastasse o impacto fiscal resultante da
intenção de recuperar gastos sociais, o novo governo Luiz Inácio Lula da Silva
promete começar com a marca das gestões petistas no passado: aumentos
indiscriminados ao funcionalismo, sem preocupação com o efeito nas contas
públicas. Já está a todo vapor a gigantesca engrenagem de reajustes em cascata,
posta em marcha pelos aumentos de parlamentares, governadores e ministros do Supremo
Tribunal Federal (STF).
A aprovação, pela Assembleia Legislativa de
São Paulo (Alesp), do reajuste de 50% (para R$ 34.600) no salário de Tarcísio
de Freitas, governador eleito do estado, deflagrou uma onda de aumentos nos
Executivos estaduais. Ao mesmo tempo, o STF encaminhou ao Congresso proposta de
reajuste de 18% no salário dos ministros da Corte (para R$ 46.300, em quatro
parcelas até 2024). Na sessão de ontem, a Câmara aprovou aumentos para diversas
categorias, inclusive o presidente, ministros e os próprios parlamentares.
A partir do Palácio dos Bandeirantes encapelou-se a onda de reajustes nos estados. O aumento salarial de Tarcísio foi aplaudido por policiais, auditores fiscais, procuradores, professores universitários e outras carreiras no topo do funcionalismo estadual. Como o teto é o salário do governador, elevá-lo facilita a reivindicação dos servidores.
O aumento de Tarcísio puxou a fila de
reajustes na Bahia, no Rio de Janeiro, no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina
— e mais estados certamente entrarão na corrida por dar aumentos salariais ao
governador. A Assembleia Legislativa baiana praticamente repetiu o que foi
aprovado na Alesp: elevou em 49% o salário do futuro governador, Jerônimo
Rodrigues (PT), para R$ 35 mil. Pelo menos, até agora ninguém
imitou a Assembleia Legislativa de Santa Catarina, que se prepara para aumentar
em 125% o salário do futuro governador, Jorginho
Mello (PL) — para R$ 33.700. Tal reajuste abre espaço a
despesas que seriam explosivas aos cofres catarinenses.
Já houve nos estados uma onda de reajustes
neste ano, cujo impacto fiscal é estimado em R$ 30 bilhões. Não custa lembrar
que, apesar da melhora recente nos indicadores fiscais como resultado do
congelamento salarial durante a pandemia, pelo menos seis estados ainda
mantinham em 2021 gastos com pessoal acima dos limites recomendados pelo
Tesouro. Os reajustes em série decerto nada contribuem para melhorar a situação
em 2022.
Ainda mais preocupantes são as pressões do
Judiciário e do Ministério Público. Os proventos de ministros do STF, além de
serem o teto do funcionalismo federal, definem quanto ganha a elite do
funcionalismo, formada por procuradores e juízes sempre ciosos em garantir os
privilégios que os põem entre os 2% de maior renda no Brasil.
É verdade que os salários federais,
congelados desde a pandemia, estão defasados. Mas, enquanto o topo do
funcionalismo obtém reajustes em cascata, o Congresso se omite na aprovação da
reforma administrativa, que disciplinaria a gestão de pessoal, extinguindo privilégios
e abrindo recursos a um plano sensato de recomposição salarial para a base do
funcionalismo. Nem mesmo projetos óbvios, como a limitação dos supersalários
que extrapolam o teto constitucional, têm avançado, tamanha a força do lobby
das corporações do funcionalismo no Congresso. O contribuinte está ao léu, sem
ter a quem recorrer.
Inflação global em queda não aliviará
aperto monetário
O Globo
Bancos centrais reduzem ritmo de alta nos
juros, mas incertezas deverão manter política restritiva
A queda da inflação registrada em novembro
nos Estados
Unidos — de 9,1% para 7,7% em 12 meses — trouxe certo alívio a
um mercado global angustiado com o risco de recessão em 2023. Mas é
inverossímil que leve ao afrouxamento da política monetária restritiva que
tomou conta dos bancos centrais. O Federal Reserve (Fed) reduziu na
semana passada o ritmo de alta nos juros americanos — eles
subiram 0,5 ponto percentual, para até 4,5%, e não 0,75 como nos quatro
aumentos anteriores —, mas seu presidente, Jay Powell, continua alerta.
Powell afirmou esperar mais evidências de
que a espinha dorsal da inflação foi quebrada. E não quis se comprometer com um
pouso suave da economia americana. Na linguagem críptica dos banqueiros
centrais, disse que as expectativas sobre os preços estão “bem ancoradas”, mas
que isso não é motivo para complacência. Tradução: se necessário, os juros
voltarão a subir, até que a inflação volte à meta de 2%.
O recado que vem da Europa é parecido. O
Banco Central Europeu (BCE) elevou os juros 0,5 ponto percentual, para 2%, A
presidente do BCE, Christine Lagarde, anunciou a intenção de interromper os
programas de estímulo monetário pela compra de papéis e de reduzir o balanço
inflado do banco. Tradução: vem mais aperto monetário por aí. A inflação na
Zona do Euro caiu de 10,6% em outubro para 10% em novembro, ainda longe da meta
de 2%.
Mesmo adotando uma atitude mais
benevolente, o Banco da Inglaterra (BoE) seguiu o Fed: elevou os juros em 0,5
ponto percentual, para 3,5% (e não em 0,7 ponto percentual, como desejavam
alguns). A inflação no Reino Unido também caiu em novembro, para 10,7%, ante
11,1% em outubro. Cauteloso, o BoE afirmou que a pressão sobre salários e
preços ainda preocupa: “A maioria dos gargalos na cadeia de abastecimento melhorou,
mas as pressões inflacionárias globais permanecem altas”.
O choque inflacionário causado pela invasão
da Ucrânia pela Rússia ainda não está
debelado. Ao mesmo tempo, o desacoplamento das economias americana e chinesa
mal começou. Enquanto nada disso estiver resolvido, é esperado que os bancos
centrais insistam na alta nos juros.
No Brasil, o Conselho de Política Monetária (Copom) manteve por unanimidade os juros em 13,75%. Como previsível, há desaquecimento, ainda assim a inflação de 2022 ficará próxima dos 6%, distante da meta de 3,5%. A partir de janeiro inicia-se a experiência inédita da convivência de um governo à esquerda com o BC autônomo. O BC brasileiro tem a vantagem de ter reagido a tempo ao choque inflacionário externo. Aqui os maiores riscos têm outra natureza. A ata da última reunião do Copom é certeira ao apontar a incerteza sobre o arcabouço fiscal como maior ameaça inflacionária. O novo governo precisará agir rápido para resgatar a credibilidade nesse campo, pois o cenário externo não será favorável.
Cabral em casa
Folha de S. Paulo
Libertação do ex-governador ilustra abusos
da Lava Jato e problema da impunidade
A soltura do multicondenado Sérgio Cabral,
ex-governador do Rio de Janeiro, evoca inevitavelmente o ocaso da Operação Lava
Jato, da qual foi um dos alvos mais vistosos. Mas é ilustrativa também da
proverbial impunidade que o sistema de Justiça brasileiro ainda pode
proporcionar a poderosos.
Cabral chegou a ser alvo de 37 ações penais
e a receber 24 condenações, com penas que somaram mais de 400 anos de prisão,
por crimes como corrupção, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e chefia de
organização criminosa. Confessou ter pedido propinas e tentou acordo de delação
premiada.
Entretanto se mantinha encarcerado apenas
por uma ordem de prisão preventiva de novembro de 2016 —obviamente abusiva e
agora revogada. O
ex-governador fluminense ficará em prisão domiciliar em razão de outro dos
muitos processos do qual é alvo.
É certo que esse e mais abusos foram
tolerados ou minimizados em razão do enorme prestígio popular, político e
institucional amealhado pela Lava Jato, deflagrada em 2014, nos seus primeiros
anos.
Afinal, desvendava-se um descomunal esquema
de corrupção instalado na Petrobras, a maior estatal do país; grandes
empreiteiras e seus dirigentes confessavam superfaturamento e devolviam
dinheiro; políticos de todas as dimensões iam parar atrás das grades.
Com o tempo, o impacto das revelações
espantosas foi dando lugar a mais questionamentos aos métodos da operação —cuja
credibilidade sofreu abalo incontornável quando o então juiz Sergio Moro, agora
senador eleito pelo Paraná, decidiu em 2018 compor o governo de Jair Bolsonaro
(PL).
As maiores derrotas da Lava Jato ocorreram
no ano passado, quando o Supremo Tribunal Federal decidiu anular sentenças de
Moro, flagrado em conversas impróprias com procuradores, e reabilitou o hoje
presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Entre a ascensão e a queda da operação
anticorrupção, o mesmo STF avançou e retrocedeu em norma fundamental para
limitar a impunidade —a
possibilidade de execução de penas após a condenação pela segunda instância do
Judiciário, firmada em 2016, e abandonada apenas três anos depois.
Com a reviravolta, perdeu-se a oportunidade
de adotar no país práticas prevalentes na maioria das democracias
desenvolvidas. Mantiveram-se fartas possibilidades de recursos que prolongam
processos e favorecem sobretudo os réus que podem dispor de advogados caros e
influência. O que não deixa de ser o caso do próprio Cabral.
Acordo em Montreal
Folha de S. Paulo
Tratado da biodiversidade ganha metas
globais, mas carece de efeito vinculante
Após 30 anos da adoção da Convenção da ONU
sobre Biodiversidade, na Rio-92, metas específicas foram adotadas na 15ª
conferência dos países signatários em Montreal, concluída na segunda-feira
(19). Avanço comparável ao do Acordo de Paris (2015) para o clima.
Participaram da COP15, no Canadá, 188 das
196 nações integrantes do tratado. Houve objeções ao texto final pela República
Democrática do Congo, mas o presidente da COP, Huang Runqiu, bateu o martelo
mesmo assim.
Decidiu-se, de principal, que o planeta deverá assegurar até
2030 a proteção de no mínimo 30% das áreas terrestres, costeiras e marinhas;
hoje são cerca de 15% (o Brasil tem entre 25% e 29%, a depender do critério
adotado). Outros 30% de ecossistemas degradados deverão sofrer restauração.
O acordo prevê ainda que, até lá, deverá
cair a zero a perda de áreas de expressiva importância para a biodiversidade
—onde há grande quantidade de espécies animais ou vegetais e que prestem
relevantes serviços ecossistêmicos, como a regularização de recursos hídricos.
No Brasil, atenção
especial deve recair sobre a mata atlântica e o cerrado, até mais que a
Amazônia. Esses biomas figuram entre os mais devastados do
território e se mostram cruciais para a sustentação da maior parte da população
e do agronegócio nacionais.
Contudo as metas são globais, sem
detalhamento por país, o que enfraquece o tratado. Nenhum signatário, portanto,
é obrigado a preservar 30% de seus ambientes naturais. Assim, não será surpresa
se prosseguirem as acusações de leniência entre desenvolvidos e não
desenvolvidos nas próximas COPs.
Países menos ricos lograram inscrever no
acordo a criação, já em 2023, de um fundo de biodiversidade para financiar
projetos, no quadro do mecanismo Global Environment Facility. Estipulou-se
também que, até 2030,
serão reduzidos em US$ 500 bilhões os subsídios a atividades danosas que
induzam, por exemplo, perda de florestas ou recifes de corais.
Por fim, o acordo carece de força
vinculante para as partes, que não ficam obrigadas a adotá-lo como legislação
interna. Negociações internacionais procedem muitas vezes desse modo paulatino:
começam com declarações genéricas de boas intenções e, com o tempo, adotam-se
metas concretas a partir de medidas legais.
O problema no caso da biodiversidade é que a extinção de espécies segue em ritmo acelerado. Difícil saber se a morosidade diplomática dará conta de preservar a sustentabilidade da vida na Terra.
O Supremo cumpriu sua função
O Estado de S. Paulo.
Nas decisões sobre o orçamento secreto e o
Bolsa Família fora do teto de gastos, o STF foi criticado por ativismo
judicial. A rigor, o Supremo só protegeu, com base na lei, o Congresso
O líder do governo na Câmara, deputado
Ricardo Barros (PP-PR), acusou o Supremo Tribunal Federal (STF) de “usurpar”
prerrogativas do Congresso ao considerar inconstitucional o orçamento secreto.
Classificou o julgamento de “puro ativismo” por parte dos ministros do Supremo.
O deputado não está sozinho nesse tipo de crítica. Este jornal mesmo, em várias
ocasiões, já fez reparos a decisões do Supremo que invadiam competências de
outros Poderes. Mas, no caso do orçamento secreto, o Supremo
apenas cumpriu seu dever de verificar se a
prática de distribuição de recursos orçamentários sem transparência estava de
acordo com a Constituição – e, obviamente, não estava.
Não raro, críticas como a do sr. Barros não
levam em conta os fundamentos da decisão nem a competência do STF sobre a
matéria específica. A decisão da qual se discorda seria fruto, simplesmente, da
extrapolação das competências do Judiciário. Ou seja, em vez de ser uma crítica
consistente, falar de ativismo judicial é, muitas vezes, apenas um modo de
expressar contrariedade com a decisão, mas sem fundamentar essa contrariedade.
Tanto no julgamento sobre a
constitucionalidade do orçamento secreto como na decisão liminar do ministro
Gilmar Mendes que considerou que o Bolsa Família não está sujeito ao teto de
gastos, havia normas constitucionais envolvidas. E a interpretação dessas
normas era decisiva para a resolução das questões analisadas. O Supremo não
extrapolou, portanto, suas competências nos dois casos. Vale lembrar, que, ao
incluir na Constituição o teto de gastos, o próprio Congresso conferiu
competência à Corte constitucional sobre o assunto.
Em tese, mesmo dispondo de competência
sobre uma matéria, o STF pode incorrer em ativismo judicial se, na decisão, ele
estipula regras ou parâmetros que cabe ao Legislativo ou ao Executivo definir;
por exemplo, se a Corte definisse o valor a ser pago por um programa de
distribuição de renda. Em razão da separação dos Poderes, não cabe ao
Judiciário tomar decisões de natureza política. No entanto, por força desse
mesmo princípio, é absolutamente normal, num Estado Democrático de Direito, que
o Judiciário profira decisões jurídicas com grandes consequências políticas.
Nos dois casos, o STF não fez propriamente
escolhas políticas. No julgamento do orçamento secreto, os ministros do Supremo
simplesmente reconheceram que os princípios constitucionais da publicidade e da
impessoalidade dos atos do poder público devem ser respeitados por todos,
também pelo Congresso. O STF não inventou nenhuma norma. Apenas aplicou as
existentes.
Na liminar do ministro Gilmar Mendes
definindo que os recursos para programas sociais de renda básica, como o Bolsa
Família, não estão sujeitos ao teto de gastos, também não foi criada uma nova
regra. A decisão apenas entendeu que esses gastos já estão incluídos entre as
exceções do art. 107, §6.º, do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias, exceções essas que foram definidas pelo Congresso na Emenda
Constitucional (EC) 95/2016. O fato de o Legislativo estudar, neste momento,
possível alteração do texto constitucional para incluir exceção explícita sobre
o tema não modifica a competência do Supremo para interpretar e aplicar as
normas constitucionais vigentes.
A rigor, com as duas decisões, o STF
protegeu o Congresso. O Legislativo tem de funcionar como dispõe a
Constituição, de forma transparente. Essa é a sua melhor defesa. Na decisão
liminar de Gilmar Mendes, evitou-se que uma interpretação jurídica bastante
questionável – a de que o sustento das pessoas mais vulneráveis do País
dependeria da aprovação de uma Emenda Constitucional, enquanto muitos outros
gastos menos prioritários estão todos garantidos – levasse a uma pressão
indevida sobre o Congresso, forçando-o a alterar abruptamente a Constituição.
Decisões jurídicas geram consequências
sobre a realidade social, política e econômica do País. Isso não tem nenhuma
novidade. O problema, a merecer especial vigilância, é a falta de adequada
fundamentação na lei. Essa ausência é o que faz uma decisão judicial deixar de
ser jurídica para se tornar política.
A herança maldita do setor elétrico
O Estado de S. Paulo.
Sanar problemas da conta de luz requer
liderança do governo, comedimento do Congresso, sensatez das associações
setoriais e um pacto para cessar relação de abuso com o consumidor
O gabinete de transição do governo eleito
anunciou que o custo das medidas adotadas durante a gestão Jair Bolsonaro
relacionadas ao setor elétrico devem atingir R$ 500 bilhões, rombo que deverá
pressionar a conta de luz nos próximos anos. Parte desse ônus se deve ao plano
para evitar um racionamento de energia e a um leilão realizado no ano passado
para contratar usinas de forma emergencial a um preço elevado. Porém, a maior
parte do prejuízo se deve a razões bem menos republicanas. Mais de R$ 420
bilhões se devem a emendas inusitadas e que foram incluídas na medida
provisória que permitiu a privatização da Eletrobras, cuja aprovação pelo
Congresso passou por intensa negociação com o governo.
Entre essas propostas, conhecidas no
ambiente legislativo como jabutis, está a obrigação de contratação de
termoelétricas em locais onde não há nem reservas de gás nem gasodutos, quase
sempre no interior do País. Para viabilizá-las, seria necessário construir
gasodutos para levar o insumo aos locais das usinas e linhas de transmissão
para escoar a eletricidade de volta até os centros de consumo. Outra emenda
criou uma reserva de mercado para pequenas centrais hidrelétricas (PCHS),
garantindo a elas que sejam selecionadas em licitações mesmo que os preços da
energia sejam mais altos que os de fontes concorrentes.
Não é preciso ser um especialista no setor
elétrico para perceber a falta de racionalidade dessas escolhas. O que fez com
que elas fossem defendidas pelo Legislativo com tanto afinco, portanto, não foi
a busca do mérito, da eficiência ou do interesse público, mas a facilidade com
que o custo dessas medidas seria repassado ao consumidor. E essa dinâmica, é
preciso reconhecer, foi exacerbada pelo governo do presidente Jair Bolsonaro,
mas não foi criada por ele.
Suas raízes remontam a outra medida
provisória, que tinha como objetivo reduzir as tarifas e criar uma bandeira
eleitoral para a então presidente Dilma Rousseff, em 2012. A proposta não se
sustentou no médio prazo, exigindo aportes bilionários do Tesouro e um reajuste
de 50% em 2015, mas inaugurou uma lógica perversa que tem vigorado há anos: de
uma só vez, a União se livrou das despesas com políticas públicas que tinha de
arcar no Orçamento e repassou os custos dos subsídios que sustentavam o setor
elétrico para as contas de luz.
Sob Bolsonaro, o Ministério de Minas e
Energia cedeu seu espaço cativo como formulador de políticas públicas, e o
Legislativo ganhou cada vez mais protagonismo ante o Executivo. Em vez de
apresentar suas demandas ao governo, cada segmento passou a submetê-las
diretamente aos parlamentares, prática que se mostrou bastante eficiente para
assegurar a parte que lhe cabia no latifúndio dos subsídios. Para não melindrar
deputados e senadores, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), abdicou
de seu papel regulador e chegou a recusar-se a calcular o impacto de medidas
discutidas no Congresso. O resultado é que o consumidor paga uma fatura cada
vez mais cara sem nem saber o que e a quem, de fato, está financiando.
Para diminuir parcialmente esse potencial
rombo de alcance bilionário, a equipe de transição do governo eleito recomendou
a rescisão do contrato de algumas usinas e a reversão das leis que obrigam à
compra de energia mais cara. São medidas importantes, mas paliativas. O cerne
do problema da conta de luz é outro, e resolvê-lo requer liderança do
Executivo, comedimento do Legislativo, sensatez das quase 40 associações
setoriais e um pacto para encerrar uma longa relação de abuso com o consumidor.
Nada indica, no entanto, uma reversão dessa
dinâmica. A Câmara, por exemplo, acaba de aprovar a extensão do prazo para que
donos de painéis solares obtenham subsídios e deixem de pagar taxas para
conectar as estruturas à rede, sem qualquer resistência de parlamentares da
base do governo atual ou do governo eleito. Enquanto as equipes de Bolsonaro e
de Lula tentavam jogar o legado da herança maldita uma para a outra, o
consumidor, mais uma vez, foi deixado no escuro.
Lula esbarra na realidade
O Estado de S. Paulo.
Indicadores mostram aperto nos próximos
anos, complicando o crescimento prometido por Lula
Promover o crescimento econômico, uma das
principais bandeiras do candidato Luiz Inácio Lula da Silva, será uma promessa
irrealizável durante a maior parte de seu mandato presidencial se os fatos
confirmarem as atuais projeções do mercado e de setores da administração
federal. Essas projeções apontam expansão anual inferior a 2% nos próximos dois
anos. O ritmo de 2%, muito baixo para as necessidades do Brasil, só será
atingido em 2025. Nesse período, os juros básicos permanecerão muito altos.
Partindo de 13,75%, taxa atualmente em vigor, poderão baixar para 11,75% em
2023, 9% em 2024 e 8% em 2025, dificultando o crédito, o consumo e o
investimento produtivo durante três quartos do próximo governo.
Longe de ser gratuito ou de expressar má
vontade, esse pessimismo tem como base palavras do presidente eleito,
aparentemente propenso à gastança, à gestão irresponsável das finanças da União
e ao uso político das estatais. Ao contrastar a responsabilidade fiscal e as
políticas sociais, como se a atenção aos mais vulneráveis fosse incompatível
com a busca do equilíbrio financeiro, o futuro presidente fez soar no mercado
mais um sinal de alerta. Sinais de alarme têm soado com frequência – por
exemplo, quando se anuncia a criação injustificável de muitos ministérios ou a
recusa de qualquer nova privatização.
Gestão irresponsável das finanças oficiais
desemboca normalmente em pressões inflacionárias, maior endividamento público,
juros mais altos, mais custos para o Tesouro e menor expansão econômica. A
piora das expectativas fiscais, sombrias há vários meses, acaba afetando o
conjunto de previsões econômicas.
No setor público, o pessimismo é evidente
nos cenários do Banco Central. Em seu último relatório trimestral de inflação,
foi mantida a estimativa, já apresentada em setembro, de crescimento econômico
de 1% em 2023. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) baixou de 1,6%
para 1,4% a expansão do Produto Interno Bruto (PIB) projetada para o próximo
ano.
No mercado, a mediana das projeções até
subiu, mas de 0,75% para 0,79%, segundo o boletim Focus da última
segunda-feira. A revisão para mais foi insuficiente para levar a 1% o avanço
estimado para o primeiro ano do novo governo.
Há razões muito boas para se apostar em
baixo crescimento nos próximos anos. Juros altos, decorrentes da incerteza
fiscal e do risco inflacionário, talvez sejam a mais evidente. A piora
internacional tem peso inegável, mas o pessimismo em relação ao Brasil já
estava presente antes disso. A mais importante e mais desafiadora é estrutural.
O País tem baixo potencial produtivo. Pouco se investe em capital fixo
(máquinas, equipamentos, infraestrutura e outras obras). A formação de capital
humano é insuficiente e ainda foi prejudicada, nos últimos quatro anos, pela política
anti-educacional. A tributação é disfuncional, a economia é fechada e o
ambiente de negócios é ruim. Tudo isso formará uma pauta evidente para o novo
governo, se houver mais pragmatismo e menos ideologia petista.
Valor Econômico
A combinação de mensagens do futuro governo
acentuou as dúvidas em relação às políticas que serão adotadas
Não foi uma surpresa o resultado
decepcionante dos leilões de infraestrutura realizados na semana passada. O
apetite dos investidores foi certamente afetado pela transição de governo e
pelas sinalizações ainda incompletas dadas pelo futuro presidente Luiz Inácio
Lula da Silva e pelo cenário doméstico e internacional. O leilão de ontem da
Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan), que teve apenas um interessado e
saiu praticamente pelo preço mínimo, também foi influenciado, embora tivesse
suas próprias incertezas jurídicas.
O que mais deixou a desejar foi o primeiro
leilão de áreas de partilha no pré-sal no modelo permanente. Apesar de ter
incluído lotes apresentados anteriormente, que voltaram ao pregão por interesse
do mercado, nem todos foram arrematados. Foram oferecidos 11 blocos, mas apenas
quatro tiveram lance e a Petrobras estava
em três. Em um deles, a estatal estará sozinha, em outro terá parceria da Shell
e, no terceiro, da TotalEnergies, Petronas e QatarEnergy. A BP foi a única
petroleira privada a arrematar uma área como operadora. De nove empresas
habilitadas, três não participaram.
O bônus arrecadado somou R$ 916,252
milhões, volume aquém do projetado pela Agência Nacional do Petróleo (ANP), que
era de R$ 1,2 bilhão. Havia expectativa de que mais áreas recebessem proposta
uma vez que as empresas do setor estão capitalizadas. Com o resultado, são
esperados R$ 1,44 bilhão em investimentos pelas empresas vencedoras somente na
primeira fase dos contratos.
No caso do leilão de transmissão da Agência
Nacional de Energia Elétrica (Aneel) foram arrematados todos os seis lotes, que
abrangem quase 710 quilômetros em nove Estados. Mas o deságio médio foi de 38%,
e o máximo chegou a 50%. Foram vencedoras a Cemig (lote 1), EDP Brasil (Lote
2), Taesa (Lote 3), EDF (Lote 4), Taesa (Lote 5) e Consórcio Olympus XIV -
Alupar e Perfin (Lote 6).
Os leilões fecharam uma semana pródiga em
indicações do próximo governo desfavoráveis às desestatizações. Na terça-feira,
o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva disse: “Vão acabar as
privatizações nesse país. Já privatizaram quase tudo. Vai acabar, e nós vamos
mostrar que algumas empresas públicas vão poder mostrar a sua rentabilidade”.
Lula deu essas declarações na mesma
entrevista em que confirmou a escolha de Aloizio Mercadante para a presidência
do BNDES, argumentando que “precisamos de alguém que pense em reindustrializar
esse país, que pense em inovação tecnológica, de alguém que pense na geração de
financiamento ao pequeno, grande e médio empresário para que esse país volte a
gerar emprego”. A opção por Mercadante reacendeu os temores do mercado
financeiro a respeito da estratégia do BNDES no futuro governo, com possível
canalização de recursos para políticas que se mostraram erradas, como
empréstimos subsidiados a grandes empresas ou ao exterior.
Pior do que isso foi a manobra da Câmara dos
Deputados para alterar a Lei das Estatais em tempo recorde para contornar
provável impedimento à nomeação de Mercadante, mas também de olho em
facilidades para a entrada de políticos nas estatais. Bolsonaro fez uso
político em indicações para a Petrobras.
Mas agora a mudança de regra é mais ampla. De uma canetada, os deputados
cortaram de 36 meses para 30 dias a quarentena exigida de pessoas que tenham
ocupado cargos partidários ou participado de campanhas eleitorais para que
possam atuar como presidentes ou diretores de empresas estatais ou conselheiros
de agências reguladoras.
Outro sinal de alerta acendeu no mercado
quando vazou a sugestão do grupo de Cidades do governo de transição de rever o
Marco Legal do Saneamento Básico, bastante elogiado por ter enfrentado antigos
problemas como a ineficiência do setor público e o uso político de estatais,
que passam por cima dos terríveis índices de atraso na oferta de tratamento de
esgoto e de água, com repercussões negativas na saúde da população e no
ambiente. O grupo teria sugerido rever os estímulos à atuação do setor privado
na área e as exigências de que as estatais competissem, e ainda retirar o poder
da Agência Nacional de Águas e Saneamento (Ana) de editar regras para o setor.
Privatizar geralmente encontra obstáculos
em qualquer governo. Até mesmo o liberal Paulo Guedes conseguiu realizar menos
de um terço do R$ 1 trilhão da arrecadação com a privatização que prometia na
campanha. Mas a combinação de mensagens do futuro governo acentuou as dúvidas
em relação às políticas que serão adotadas. Em contraponto, as restrições
fiscais indicam a necessidade de apoio do setor privado para realizar as atividades
em que se sai melhor para que o governo possa se dedicar ao social.
Editoriais ruins demais. Não perderei tempo detalhando. Qd era o genocida, nada do q dizem agora importava - porra, o palerma furou o teto em 800bi!
ResponderExcluirRá, imprensa de m...
"É certo que esse e mais abusos foram tolerados ou minimizados em razão do enorme prestígio popular, político e institucional amealhado pela Lava Jato, deflagrada em 2014, nos seus primeiros anos." O abuso citado é a prisão preventiva de um cidadão (criminoso confesso) por vários anos! Faltou dizer que tal prestígio foi em grande parte atingido pelo apoio escancarado da MÍDIA, que incentivou ou tolerou todas as ações ilegais ou criminosas cometidas pelo ex-juiz Sergio Moro e pelos procuradores da Lava Jato, que atuavam em conluio desmascarado posteriormente e denunciado pela VAZA JATO, que levou à revogação das condenações de Lula decretadas pelo juiz corrupto. Um corrupto julgando outro corrupto... Pode isto, Arnaldo?
ResponderExcluirO pomba gira baixou aqui usando o cavalo do Bizo
ResponderExcluirBozo
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