O Estado de S. Paulo
O desinteresse pelo conhecimento político é
um inimigo sempre à espreita e empenhado em solapar nossas tentativas de
estabelecer um convívio civilizado
“Sentir” que um candidato é melhor que
outro ou que “parece” mais inclinado a governar segundo nossos desejos é um dom
que todos possuímos.
Mas daí a compreender a política a ponto de
poder influenciá-la, somar forças com a sociedade a fim de balizá-la da melhor
maneira possível, vai uma grande distância. Essa capacidade de contribuir de
forma positiva (ou negativa, no caso dos irrecuperavelmente perversos) é o que
apropriadamente podemos designar como conhecimento político. Ou, dito de outro
modo, como compreensão das engrenagens ou fundamentos sobre os quais se assenta
a vida pública de um país.
Entendamo-nos, primeiro, sobre um equívoco
corriqueiro. Não estou sugerindo que só exista uma política “correta”, uma
única doutrina que possa alicerçar um consenso numa coletividade nacional. Isso
nunca existiu e jamais existirá. Divergências e antagonismos sempre existirão,
sobre as mais variadas questões, materiais ou ideais. E essa é a razão que nos
obriga a compreender a política como a contínua busca de um convívio aceitável
com o mínimo possível de violência.
Já toquei nesse assunto neste espaço algumas vezes, e peço desculpas ao leitor se o aborreço voltando uma vez mais a ele. Dentro de poucos dias, empossaremos um novo governo. Não um “novo governo” qualquer, mas um que terá como primeira incumbência desarmar os espíritos, diluir o mau humor que se formou nos últimos anos e criar um ambiente no qual possamos retomar o crescimento econômico, a criação de empregos e a busca do bem-estar para a maioria.
Voltemos, então, aos fundamentos do
conhecimento político.
Quem teve o privilégio de ler Alexis de
Tocqueville, autor de A Democracia na América, obra de 1835, por certo se
lembra da importância que ele atribuía à “arte da associação”. Essa seria, para
ele, o alfa e o ômega daquele nascente bom convívio que desde então denominamos
democracia. Mas o que, exatamente, quis ele dizer quando falou em “arte da
associação”? Associação de quem com quem, com que finalidade? Um grupo de
amigos que nas noites de domingo se reúne num bar para tomar um chope e
comentar a rodada futebolística estará se entretendo de uma forma saudável e
prazerosa, mas o que tem tal entretenimento que ver com um “bom convívio” para
a sociedade como um todo? Pouco, ou quase nada, é a resposta óbvia. A
“associação” é importante se tiver como objetivo – ou ao menos como potencial
ou subproduto – reforçar nossa capacidade de apreender e contextualizar a
vida pública. Compreendê-la em sua complexidade, a partir das necessidades,
noções e aspirações por meio das quais os seus protagonistas orientam seu
comportamento.
Voltemos à definição de conhecimento
político como apreensão e “processamento” das questões que compõem a agenda
pública em dado momento. Tomemos como referência para nossa discussão um
conceito simples como a contraposição entre esquerda x direita. Podemos afirmar
com tranquilidade que não chega a 30% (nem a 20% na maioria dos países) a
parcela dos cidadãos que consegue dizer algo com começo e fim a respeito dessa
clássica dicotomia. Um cidadão incapaz de oferecer uma explicação mesmo singela
a respeito de esquerda x direita entende do que se trata quando alguém fala em
“trânsito em julgado”? Em “crime de responsabilidade”? Em “impeachment”?
Entende que talvez esteja sendo roubado quando ouve dizer que a proposta
orçamentária “furou o teto”, ou que tantos ou quantos bilhões foram
distribuídos aos seus representantes por meio do “orçamento secreto”?
É escusado frisar que essa questão é de
suma importância no Brasil. É importante não só porque somos um país
continental e porque o conjunto constituído pelos 10% mais pobres é centenas ou
milhares de vezes maior que o formado pelos 10% mais ricos. Não só por isso. É
também importante porque um país despolitizado confunde a aspereza normal do
debate público com o xingatório e a virulência que podem vir à tona a qualquer
momento, por motivos fúteis ou sem motivo algum. É importante porque um país
assim, mesmo tendo percorrido metade do caminho na construção de uma democracia
aceitável, é vulnerável a retrocessos e rupturas semelhantes às que a História
registra neste nosso amargo hemisfério.
A ignorância leva à indiferença, que realimenta a ignorância, e ambas contribuem para a dilapidação dos recursos públicos, para gastos mal concebidos e, no limite, para a fermentação de animosidades estúpidas. Por aí já se vê que o desinteresse pelo conhecimento político é um inimigo sempre à espreita, sempre empenhado em solapar nossas tentativas de estabelecer um convívio civilizado. Ignorantes e indiferentes mal conseguem compreender e defender seus próprios interesses de curto prazo, que dirá os de longo prazo, aqueles que determinarão nosso destino coletivo e, por conseguinte, a sorte de nossos filhos e netos. Um país assim pode e deve ser visto como despolitizado e como candidato a violências e retrocessos dantescos, dos quais este nosso triste hemisfério tem exemplos em abundância.
*Cientista político, sócio-diretor da Augurium Consultoria e membro das Academias Paulista de Letras e Brasileira de Ciências
Infelizmente o brasileiro não lê, uma obrigação, por assim dizer. Com raríssimas exceções os presidentes que tivemos orgulham-se em dizer que nunca leram um livro.
ResponderExcluirJunta-se a esses o fato de não saber votar e acreditar em mitos > está criado o tragicômico, Maduro, Cristina, Castro & cias Latinas
ResponderExcluirBrasileiro gosta de diplomas,não de livros.
ResponderExcluir