Valor Econômico
STF pode antecipar o presente de Natal da
classe política
A inapropriada visita do ministro Ricardo
Lewandowski ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, no mesmo dia em que o
Congresso aprovou resolução tentando dar ares de constitucionalidade às emendas
do relator, sinaliza que praticamente ninguém no meio político tem interesse em
colocar areia na graxa que hoje azeita as relações entre Executivo e
Legislativo.
O Supremo Tribunal Federal (STF) dedica as últimas sessões do ano para julgar quatro ações movidas por partidos políticos questionando a constitucionalidade do chamado orçamento secreto. Cidadania, PSB, Psol e PV, de modo independente e cada qual explorando argumentos próprios, pediram que o STF declare que o regime das emendas do relator descumpre preceitos fundamentais insculpidos na Constituição.
Durante as primeiras décadas da Nova
República, a palavra final na aplicação de recursos públicos cabia única e
exclusivamente ao Presidente da República e a seus ministros. No desenho
previsto originalmente na Constituição de 1988, o Executivo elaborava a
proposta orçamentária, com a estimativa de receita e a previsão de gastos em
cada uma das áreas. Essa proposta era analisada no Congresso, onde deputados e
senadores tinham o poder de alterar o que julgavam pertinente. A decisão final
de destinação do dinheiro, contudo, cabia ao Executivo, que autorizava o
empenho e a execução financeira da despesa.
Nos últimos anos, porém, o Congresso
resolveu declarar a sua independência e tornar ele próprio cotitular da conta
corrente que administra os recursos públicos. Por meio das Emendas Constitucionais
86/2015 e 100/2019, instituiu-se a execução obrigatória de emendas individuais
e de bancadas estaduais. De acordo com essas regras, o Executivo é obrigado a
gastar parte dos recursos conforme determinado pelos parlamentares, sem
contingenciamentos ou alegações de frustrações de arrecadação.
Como as emendas individuais e de bancadas
são divididas de modo igualitário e impessoal, independentemente do seu
proponente, essas novas regras também reduziam a margem de manobra do
Presidente de privilegiar a sua base. Sem uma importante moeda de troca, ficou
mais difícil governar desde então.
Mais eis que o governo Bolsonaro resolveu
abusar da criatividade e desvirtuar uma tecnicalidade, transformando-a numa
arma de grande potencial político. As chamadas emendas de relator não estão
previstas na Constituição. Foram instituídas por uma Resolução do Congresso
para corrigir erros e omissões ou recompor dotações canceladas.
A partir de um entendimento cristalizado
nas Leis de Diretrizes Orçamentárias desde 2020, passou-se a rotular dezenas
bilhões de reais como emendas de relator. Assim, as lideranças políticas que
controlavam a Comissão Mista de Orçamento, em conluio com a Presidência da
República, passaram a ter o poder de decidir a aplicação de um volume imenso de
recursos públicos de modo discricionário, a partir de indicações de
parlamentares aliados. Como essas indicações eram de difícil identificação, o
procedimento ganhou o apelido de orçamento secreto.
O novo instituto mostrou-se muito
conveniente para Bolsonaro e o Centrão, que passou a controlar o Congresso com
a ascensão de Arthur Lira (PP-AL) à presidência da Câmara. A distribuição de
bilhões por indicação de deputados e senadores da base levantou inúmeras
suspeitas de desvios, blindou Bolsonaro de pedidos de impeachment e
desequilibrou a disputa eleitoral deste ano.
Em memorial entregue ao STF, as associações
Contas Abertas, Transparência Brasil e Transparência Internacional mostraram
que, entre os 50 parlamentares que mais foram agraciados com as emendas de
relator, a taxa de reeleição foi superior a 90%. Sem surpresa, a maioria
pertencia ao Centrão.
Diante da perspectiva de uma derrota no
STF, deputados e senadores se mobilizaram para aprovar um projeto de resolução
que estabeleça novas regras para as emendas de relator. O PRN 03/2022
estabelece que a metade dos recursos seja alocada em ações de saúde e
assistência social, bem como reparte o controle sobre a destinação do dinheiro
a diversas instâncias decisórias da Câmara e do Senado.
Para ficar claro que não interessa a quase
ninguém acabar com o orçamento secreto, a proposta foi aprovada com apoio
maciço do PT de Lula e do PL de Bolsonaro - sem falar, claro, no PP de Lira e
no PSD de Rodrigo Pacheco, que contam com o instrumento para continuarem à
frente da Câmara e do Senado.
A se pautar pelos votos dos ministros do
STF, a discussão sobre as emendas do relator está centrada nas relações entre
Executivo e Legislativo e na falta de transparência. Mas o buraco é mais
embaixo.
Auditoria da Controladoria Geral da União
constatou que o volume de execução de emendas individuais entre 2014 e 2018 -
antes, portanto, da instituição das emendas de relator - têm uma correlação
muito baixa com indicadores socioeconômicos, indicando que a destinação de
recursos públicos pelos parlamentares tem baixa efetividade em sanar os imensos
problemas sociais.
A execução do orçamento público brasileiro
se dá sem qualquer técnica, como procedimentos de identificação do problema a
ser atacado, priorização das necessidades, critérios de elegibilidade, desenho
adequado de intervenções e avaliação de impactos. Com o orçamento secreto,
esses problemas foram potencializados, pelo volume e a falta de transparência.
Até a quinta-feira passada, a votação
estava em 5 a 4 no STF. Rosa Weber, Edson Fachin, Roberto Barroso, Luiz Fux e
Cármen Lúcia posicionaram-se contra as emendas de relator. Em sua defesa
manifestaram-se André Mendonça, Kássio Marques, Alexandre de Moraes e Dias
Toffoli. Faltam votar Gilmar Mendes e justamente Ricardo Lewandowski.
A se pautar pela visita de Lewandowski a
Pacheco, a classe política brasileira já comemora a virada a favor do orçamento
secreto.
*Bruno Carazza é mestre em
economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as
engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.
Bruno Carazza é mestre em economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”, mas é um 'bosta-rala', como se diz na minha terra.
ResponderExcluirErrou feio.
Bruno escreve bem e analisou tudo corretamente até tentar ADIVINHAR os votos que faltavam! Este artigo mostra que ele NÃO é adivinho, e talvez não entenda os meandros do STF!
ResponderExcluirTomara que o colunista esteja errado.
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