sábado, 17 de dezembro de 2022

Carlos Alberto Sardenberg - O marketing da riqueza na Copa

O Globo

A monarquia absolutista do Catar quis se apresentar ao mundo. Do modo como vimos: ostentação

Camarotes e acomodações especiais para os VIPs não são novidade nos eventos da Fifa ou em qualquer outro grande jogo de futebol. Pessoas importantes — chefes de Estado, governantes, artistas, ex-jogadores, membros da família real do Catar ou simplesmente caras muito ricos — esperavam essas, digamos, facilidades na Copa. Tiveram muito mais. Instalações espetaculares, com um detalhe especial: essas pessoas especiais receberam autorização para não respeitar uma das regras sagradas do islã, o veto às bebidas alcoólicas.

Por dinheiro.

Quem chegava de carro ao estádio Al Bayt topava com um placa indicando os caminhos: “spectators”, ou seja, os comuns, deveriam dirigir-se à direita para os bolsões mais distantes. Pessoas com ingressos ou credenciais das categorias hospitality, VIP e VVIP (sim, very, very important people) seguiam em frente.

Para os “spectators” (ingressos “baratinhos”, tipo US$ 300 ), a oferta no estádio era de sanduíches, água e refrigerantes. Tudo pago, claro. E tinha filas. Do setor hospitality para cima, a coisa vai melhorando. Ingressos na faixa de US$ 1 mil davam ao espectador um cardápio simples — sanduíches, por exemplo, mas já podiam tomar cerveja e vinho. Subindo na escala de preços, o serviço vai melhorando. De US$ 3 mil a US$ 5 mil para cima (por pessoa, por jogo), o espectador especial tem direito a frequentar restaurantes de classe.

No ponto máximo, o VVIP tem direito a uma espécie de lounge, servido por garçons e chefes exclusivos, comida internacional. E o álcool sobe às alturas: champanhe francês, uísque escocês, vinhos franceses, conhaque e tequila, da boa. Cerveja, também, para quem tem gosto mais simples. Ou precisa prestigiar o patrocinador. Os espectadores comuns podem ver as instalações dos restaurantes e lounges. Não ficam escondidos.

Isso á cara do Catar e dos Emirados Árabes em volta. A riqueza é ostensiva. No monumental Dubai Mall, estão todas as marcas de luxo do mundo. E tem demanda. Filas na porta da Chanel. Em Abu Dhabi, um dos emirados mais ricos, há uma espécie de franquia do Museu Louvre de Paris. É pequeno ainda — obras imensas ao lado —, mas com boa e variada coleção. Exibe um Rodin. Como em todo museu, tem cafeteria para os visitantes. Água e refrigerante. Mas quem pode pagar mais vai a um restaurante francês, classudo, deck sobre águas. Ali se serve vinho francês. Sem qualquer restrição a alimentos.

No Catar, a família real chegava de helicóptero a um ponto reservado, pegava Mercedes e ia direto para a área VVIP.

Isso e mais os oito estádios quase suntuosos, localizados num raio curto, sustentam a visão fake que a região oferece. Considerando a população do Catar — cerca de 3 milhões, apenas 12% locais —, não há o que fazer com aqueles estádios depois da Copa. Um deles, o 974, levantado com contêineres, será desmontado e doado para algum país africano. Os outros, dizem que terão usos esportivos e sociais, não especificados.

Elefantes brancos, caros.

O mesmo vale para as instalações do metrô. Só servem para multidões se movimentando no mesmo horário — e funcionaram muito bem. Mas grande parte das estações simplesmente ficará vazia. A elite local vai preferencialmente de carro, em estradas de cinco pistas, também exageradas para um pós-Copa. Claramente, a monarquia absolutista do Catar quis se apresentar para o mundo. E do modo como vimos: ostentação.

Os trabalhadores em obras e serviços são todos estrangeiros. Chegaram de Nepal, Filipinas, Vietnã, Índia, Bangladesh, Paquistão. São contratados por empresas de serviços, que os alocam pelos diversos locais de trabalho. Tanto no Catar quanto nos Emirados, há uma elite local, outra de estrangeiros, ocidentais, basicamente — executivos e funcionários de empresas multinacionais. Frequentam escolas internacionais, estão ali de passagem. E depois os trabalhadores, estrangeiros que fogem de condições piores em seus países.

Catar é petróleo e gás. Em Dubai, acabou o petróleo, o emirado tenta se transformar num hub de negócios. Estão conseguindo. Desse jeito.

 

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