sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

César Felício - O 2022 de Lula e Bolsonaro

Valor Econômico

Ano para os polarizadores não seguiu o calendário

O ano de 2022, em termos políticos, começou ainda em 2021 e talvez não termine tão cedo. Foi um ano naturalmente dominado pela sucessão presidencial, e a de Bolsonaro foi mais longa que o normal.

Do lado de Lula, é possível situar o marco zero em dezembro do ano passado, no restaurante Figueira, em São Paulo, quando Lula e Alckmin debutaram como parceiros perante a classe política. Foi o primeiro movimento importante de Lula desde que recuperou seus direitos políticos, em março de 2021.

Lula sinalizou com uma aliança partidária ampla, podendo alcançar siglas do centrão, que lá estavam representadas no jantar do Figueira, mas com poucas concessões no campo econômico. Ele reafirmou bandeiras tradicionais da esquerda, como o freio ás privatizações, por exemplo, e não julgou necessário, ou quem sabe não achou útil, divulgar uma “carta ao povo brasileiro”, como fez em 2022.

Esse padrão de fazer concessões ao centro sem que se flanqueie a ele acesso ao núcleo decisório foi seguido na montagem do ministério. Simone Tebet no Planejamento e Geraldo Alckmin no Desenvolvimento terão seu raio de ação condicionado ao espaço que Fernando Haddad na Economia e Rui Costa na Casa Civil lhes proporcionarem.

As pastas reservadas ao PSD, MDB e União Brasil são acima de tudo pagadoras de emendas parlamentares. É um desenho de quem se sabe fraco no Congresso e sem condições de repetir esquemas ilícitos de cooptação parlamentar, como foram o mensalão e o petrolão. Esquemas ilícitos poderão haver, mas dificilmente os mesmos.

Lula nunca deixou de estar na liderança da corrida eleitoral, oscilando entre 40% e 50% nas pesquisas de intenção de voto. Quem cresceu ao longo do ano foi o presidente Jair Bolsonaro. Do ponto de vista estritamente utilitário, pensando no cálculo eleitoral e descartando considerações de ordem moral ou de responsabilidade fiscal, ele errou pouco. Concentrou seus erros, que atingiram o patamar do grotesco, no período pós-eleitoral.

O ano de Bolsonaro também começou em 2021, mas em novembro, com a aprovação do calote nos precatórios para bancar programas sociais. Meses depois, em junho, o Congresso permitiu a ampliação desses programas em pleno período eleitoral, quebrando por completo a paridade de armas. Foram duas demonstrações extraordinárias de força no Legislativo, certamente ajudadas pelo fato do presidente alinhar-se oficialmente ao Centrão, ao se filiar ao PL, também em novembro de 2021.

Bolsonaro contou ainda com o Legislativo para sangrar os cofres estaduais e baixar os preços dos combustíveis na marra, reduzindo a carga tributária. Os preços de derivados de petróleo de fato caíram ao longo do ano e esta queda foi associada a sua atuação.

O presidente foi ajudado ainda pela inconstância de Sergio Moro, que abandonou o Podemos e a disputa presidencial em março, quando disputava o terceiro lugar nas pesquisas com Ciro Gomes. A integralidade da parcela do eleitorado que optava por Moro migrou para Bolsonaro.

O presidente rapidamente recuperou boa parte da popularidade perdida na pandemia. Se em 2018 teve 46% dos votos no primeiro turno, agora foram 43%. Uniu a direita sem nuances em torno de si.

Os demônios que ele despertou contudo, ameaçam o seu destino político.

Bolsonaro desde os anos 80 já demonstrou ter uma lógica terrorista. Teve que enfrentar um processo, por ter, em uma conversa com jornalista, mencionado um plano para explodir banheiros na Aman e na Vila Militar, para protestar contra baixos salários.

Nos últimos anos fez verdadeiras odes ao armamento da militância. “A arma de fogo, mais do que garantir a vida de uma pessoa, garante a liberdade de um povo”, disse no dia em que ganhou as eleições.

Esse ano, houve uma sequência de seis episódios de violência política praticada ou tentada. Bolsonaro tentou se desvincular dos primeiros e não se pronunciou sobre os últimos.

Em julho, um petista foi assassinado em seu aniversário por um bolsonarista, em Foz do Iguaçu. Em 24 de outubro, Roberto Jefferson atirou granadas em policiais que foram cumprir um mandado em sua casa. cinco dias depois a deputada Carla Zambelli, arma em punho, correu atrás de um cidadão nos Jardins.

O pior veio com a derrota eleitoral. Bolsonaristas bloquearam rodovias em todo país, para tentar forçar um colapso econômico e provocar a intervenção militar. Em um vídeo de dois minutos, Bolsonaro pediu para pararem com isso, mas exortou seus apoiadores a continuarem nas portas dos quartéis.

No dia 9 de dezembro, a uma plateia de bolsonaristas na frente do Palácio da Alvorada, Bolsonaro falou por 16 minutos e incentivou a ação direta. “Quem decide o meu futuro, para onde eu vou, são vocês. Quem decide para onde vão as Forças Armadas, são vocês. Quem decide para onde a Câmara e o Senado vão são vocês. Não é ‘eu autorizo não’, é o que eu posso fazer pela minha pátria”.

Em outras palavras, mexam-se. Eles se mexeram. No dia 12, o da diplomação de Lula, Brasília testemunhou carros e ônibus incendiados e uma tentativa de invasão do prédio da Polícia Federal. No fim de semana do Natal veio à tona um complô para explodir bombas no aeroporto e provocar o estado de sítio. O presidente sobre nada se pronunciou.

É possível que os adeptos de Bolsonaro sejam removidos à força das portas dos quartéis em algum momento. Talvez até distúrbios sejam registrados no momento da posse, mas ele poderá estar na Flórida, sem ter esperado “a decisão do povo”, como prometeu.

Uma característica do presidente é a de fazer política sozinho, mas agora até jogar para a arquibancada tornou-se difícil.

A quatro dias do fim de sua gestão, Bolsonaro inovou ao vetar um dispositivo aprovado pelo Congresso pela manhã e recuar do veto no começo da noite, pressionado pela base, enquanto Lula conseguiu aprovar licença para gastar acima do teto em troca de lastro para a reeleição de Arthur Lira na Câmara e espaço para o Centrão no governo. Dono de corações e mentes de milhões de brasileiros e de uma grande bancada no Congresso, Bolsonaro parece não saber o que fazer.

 

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