sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

César Felício - Regulamentação do lobby chega no meio do caminho

Valor Econômico

Projeto, se aprovado no Senado, pode ser uma lei de transição

Processo que começou no Congresso há nada menos que 38 anos, a regulamentação do lobby no Brasil avançou na Câmara dos Deputados nesta semana com a aprovação do parecer do deputado Lafayette Andrada (Republicanos-MG), mas nada garante que o marco legal em relação a este tema esteja próximo.

O projeto aprovado pelos deputados, que funde uma proposta do deputado Carlos Zarattini (PT-SP) apresentada em 2007 com outra de autoria do governo federal, passou por votação simbólica, com a solitária oposição do Psol, mas não há acordo com o Senado para que a proposição seja votada sem modificações.

Mesmo defensores da matéria reconhecem que o texto em discussão tem limitações. Carolina Venuto, presidente da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig), ou seja, o lobby em relação ao lobby, concorda que estamos diante de uma “legislação de transição”. Muda-se agora para mudar de novo mais adiante.

O projeto é menos ambicioso do que as propostas iniciais em relação ao tema. A primeira delas, feita em 1984 pelo antigo vice-presidente e senador Marco Maciel (1940-2021) inspirava-se no modelo americano, que também pautou diversos outros projetos para regulamentar a atividade, inclusive o de Zarattini. A proposta do falecido vice-presidente formalmente ainda tramita. Está pronta para votação no plenário da Câmara desde 13 de março de 2003. Não fez parte dos projetos apensados por Lafayette.

Prevaleceu no parecer o modelo da legislação chilena, com regras que não deixam o lobby tão transparente como é nos Estados Unidos. “Em algum momento vamos chegar a este padrão. Hoje não temos nada. Esta será uma construção paulatina”, diz a dirigente.

A frase chave é essa: hoje não temos nada. Há um deserto legislativo sobre as atividades de grupos de pressão. Mistura-se no mesmo balaio do vácuo normativo o representante de uma ONG que percorre os corredores do Congresso, dos ministérios e do Supremo, e um traficante de influência. Mesmo críticos do projeto, como o procurador do Ministério Público de São Paulo Roberto Livianu, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac), admitem que há um avanço. “Vamos pelo menos ter um regramento”, disse.

O procurador aponta dois pontos particularmente problemáticos da proposta, que apareceram no parecer de Lafayette Andrada. Um é a falta de obrigatoriedade do registro de documentos trocados entre as partes nas tratativas institucionais. As agendas serão públicas, mas memorandos, dossiês, anteprojetos entregues poderão permanecer sob sigilo.

Livianu lembra também a permissão para que autoridades públicas possam aceitar convites para palestras e visitas a empresas no exterior, por exemplo. Para o procurador, abre-se uma brecha para que autoridades públicas recebam vantagens, ainda que de modo indireto.

Lafayette afirma que, em relação a este ponto, não quis inovar. Adaptou a regra que existe no Estatuto do Servidor “há mais de trinta anos”, tornando-a mais rigorosa. O Estatuto permite que o servidor possa pedir reembolso de despesas em viagens a convite, algo que não será mais permitido.

Novamente neste ponto imperou a filosofia do meio termo. O projeto permite a “hospitalidade legítima”, mas coloca algum limite no recebimento das regalias.

A lógica de se procurar um ponto médio também foi a que vigorou ao se legislar sobre as reuniões de grupos de pressão com autoridades. A agenda será pública, os documentos trocados não necessariamente. Segundo Lafayette aplica-se neste caso o mesmo princípio do sigilo de correspondência. Para o deputado, ninguém pode ser obrigado a divulgar temas de natureza particular que envolvam assuntos sensíveis ou estratégicos.

Muito aquém do padrão ouro de transparência e muito além do nada, é pouco provável que o projeto seja votado este ano. Em tempo: nos Estados Unidos a atividade de lobby é regulada desde 1946.

Problema não é Haddad

O verão do descontentamento começa a ser tecido no Brasil. A um mês da posse de Luiz Inácio Lula da Silva, já é possível delinear os contornos da multiplicidade de crises que no novo governo poderá enfrentar.

O mau humor do mercado financeiro não provém apenas da muito provável escolha de um ministro da Fazenda mais alinhado à esquerda, como é o caso do ex-prefeito paulistano Fernando Haddad. Não há objeção a ele em si.

Um alto executivo de uma grande instituição financeira afirma que a questão é estrutural: o futuro governo se propõe a tentar a aprovação de uma mudança na Constituição para poder gastar mais, sem que isto esteja acompanhado de nenhuma medida de ajuste fiscal futuro. A sinalização dada por Haddad até o momento é a de retomar a discussão da reforma tributária. O avanço neste tema sem dúvida seria bem recebido no mercado, mas prevalece o ceticismo.

Se a reforma tributária está empacada no Congresso desde o governo Fernando Henrique, por qual razão deveria se acreditar que um Lula minoritário no Legislativo conseguiria avançar? De acordo com este executivo, o clima seria outro com uma sinalização clara de abertura comercial e reforma administrativa, além da mudança tributária. Não são essas as mensagens que estão chegando do futuro governo.

Acredita-se também no mercado que Lula e sua equipe partem de premissas erradas. Pensa-se que o futuro governo tem o entendimento de que o país está devastado economicamente e necessita de uma reconstrução, com papel protagonista do Estado.

O mercado de trabalho contudo demonstra alguma vitalidade, a inflação está em queda e o nível de reservas de moeda está alto. O Banco Central é independente e marcos regulatórios dão segurança a investimentos privados. O início do ano não vai ser bom, mas exatamente por estes motivos o estresse de uma nova administração que precisa gastar mais para construir sua governabilidade pode ser absorvido no curto prazo.

 

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