Folha de S. Paulo
Programas de transferência de renda aliviam
temporariamente a pobreza
"Bolsa esmola" –era assim que, 20
anos atrás, Lula qualificava o programa Bolsa Escola de FHC. Depois, no poder,
o tal "bolsa esmola" tornou-se o Bolsa Família, até Bolsonaro
transformá-lo no Auxílio Brasil, que agora recupera o rótulo de identificação
lulista. Sugiro, no lugar disso, um rebranding definitivo: Cheque do Presidente.
A operação publicitária justifica-se duplamente: no campo do marketing,
estabiliza a imagem de marca; no das políticas públicas, garante transparência
de objetivos.
O Lula oposicionista de 2002 não criticava os valores do Bolsa Escola mas o conceito de transferência direta de renda, inspirado nas propostas de combate à pobreza do Banco Mundial. A conversão ideológica do Lula presidente assinalou, ao lado do abandono das ambições petistas de reforma econômica estrutural, a descoberta de uma mina de ouro eleitoral. De larva a borboleta: assinando o cheque, o líder dos trabalhadores metamorfoseava-se em pai dos pobres.
A pobreza extrema declinou sem parar entre
2003 (12,6%, segundo o Banco Mundial) e 2014 (3,3%). No percurso, o Bolsa
Família desempenhou papel significativo, mas não determinante. O fenômeno da
redução da pobreza verificou-se nos mais diversos países em desenvolvimento, da
China à Turquia e do México ao Peru, sem vultosos programas de transferência de
renda. O longo ciclo internacional marcado por fluxos abundantes de
investimentos e valorização das commodities fazia o serviço.
Mas um cheque é um cheque. Lula nunca
incrustou o programa de transferência de renda no rochedo da Constituição,
evitando conferir-lhe o estatuto de política de Estado. O cheque do presidente
deveria ser uma benesse de governo. "Meu adversário, que odeia os pobres,
terminará o Bolsa Família" –a ameaça assombrou as disputas eleitorais de
2006, 2010 e 2014. No ano mais difícil, quando Dilma Rousseff disputava a
reeleição, o valor real do cheque atingiu o ápice: R$ 245,10. Sob o lulismo, o
Bolsa Família tornou-se sinônimo de política social.
Bolsonaro aprendeu a executar a mágica, mas
de modo desajeitado. Na pandemia, criou o auxílio emergencial; no ano
eleitoral, o Auxílio Brasil de R$ 600. A ação tardia, interrompida em 2021,
obteve efeitos eleitorais limitados. Serviu, porém, para expor as entranhas
perversas do mecanismo fabricado pelo lulismo: cada novo governo precisa elevar
o valor do cheque que chega a mais de 21 milhões de famílias. Lula escolheu R$
600 para empatar com Bolsonaro –e o suplemento de R$ 150 por filho pequeno para
derrotá-lo. O número escrito no cheque deriva de imperativos de concorrência
política, não de um cálculo de eficiência na alocação de recursos públicos.
Programas de transferência de renda aliviam
temporariamente a pobreza –e ocultam suas raízes profundas. A depressão
econômica gerada pela folia dilmista levou a pobreza extrema a 5,3% em 2018,
mas o auxílio emergencial a comprimiu à menor taxa histórica, em 2020, no auge
da pandemia (1,9%). Em 2021, sem o auxílio, a taxa saltou a 8,4% –e certamente
experimentará forte redução em 2022, assegurada pelos R$ 600. O cheque faz
milagres efêmeros.
As raízes da miséria só podem ser
erradicadas por políticas econômicas responsáveis e políticas sociais
universalistas. As primeiras dinamizam o mercado de trabalho, elevando os
salários. As segundas ampliam a oferta de bens públicos de qualidade (educação,
saúde, saneamento, transportes) e impulsionam a reforma urbana (moradia em
áreas centrais). Nada disso, contudo, tem o poder sedutor de um cheque assinado
pelo presidente –ainda mais quando ele contém a senha do cofre do crédito
consignado.
A PEC da Transição é o passaporte para Lula
alcançar e ultrapassar Bolsonaro. Seu custo é o congelamento da pobreza
estrutural, sempre disfarçada pelo Cheque do Presidente. "Uma mão lava a
outra".
Perfeito !
ResponderExcluirMentiu pouco, e disfarçou bem suas motivações ideológicas e seus profundos preconceitos.
ResponderExcluir"A PEC da Transição é o passaporte para Lula alcançar e ultrapassar Bolsonaro. Seu custo é o congelamento da pobreza estrutural, sempre disfarçada pelo Cheque do Presidente."
ResponderExcluirBobagem. Ninguém tirou tanta gente da pobreza quanto LULA. Poucos puseram tanta gente na pobreza quanto o genocida.
Congelamento da pobreza é desejo seu, Magnoli, não é análise. Sua ideologia não lhe permite ser equilíbrio.
Perfeito, difícil alguém não entender o que o Magnoli "desenhou".
ResponderExcluirComo dizia o grande filósofo nordestino Luiz Gonzaga, "a esmola vicia o cidadão". Não basta dar o peixe, companheiros. É preciso um tanto mais do que isso!
ResponderExcluirLaurindo Junqueira...
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