O Globo
Mensagem central do petista na campanha foi
voltar à idade de ouro
Restauração — o retorno à “idade de ouro”.
Na campanha eleitoral, foi essa a mensagem central de Lula.
O Brasil embarcaria numa máquina do tempo, voltando à era supostamente gloriosa
dos mandatos lulistas anteriores. A nomeação de Mauro Vieira para o Itamaraty
indica que o discurso era para valer.
O martelo, porém, só foi batido após uma disputa subterrânea no círculo mais próximo do presidente eleito. Vieira, último ministro de Relações Exteriores de Dilma Rousseff, pertence à facção liderada por Celso Amorim, o chanceler de Lula 1 e Lula 2. Amorim preferia voltar à cadeira que ocupou entre 2003 e 2010 ou, ao menos, entregá-la à embaixadora Maria Laura Rocha, sua subordinada direta entre 2008 e 2010. Mas a escolha de Lula, um insucesso tático, evitou-lhe uma derrota estratégica.
A verdadeira alternativa à facção de Amorim
era Jaques Wagner. O ex-governador da Bahia e ex-ministro da Casa Civil de
Rousseff representava uma contestação dos paradigmas ideológicos que, no
passado, orientaram a política externa lulista. No fim, apesar de tudo,
prevaleceu o impulso de restauração.
As linhas gerais da nova/velha política
externa de Lula 3 já estão escritas no muro. São quatro sinais, que formam um
desenho.
1. Sabotagem da candidatura de Ilan
Goldfajn ao BID
A operação fracassada foi conduzida
publicamente pelo ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, mas derivou de
articulação oculta de Amorim. Goldfajn, um economista que preza os fundamentos
e despreza a inflação, não fará do BID uma plataforma econômica para a ideia
terceiro-mundista da unidade latino-americana.
2. Adiamento da visita de Lula a Washington
Nesse caso, ao contrário da sabotagem a
Goldfajn, a facção de Amorim aparentemente prevaleceu. Jake Sullivan,
conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, veio ao Brasil com a
missão de promover um encontro entre Lula e Joe Biden ainda em dezembro, antes
da posse.
A meta era oferecer um inequívoco respaldo
americano ao desenlace eleitoral, ajudando a secar os delírios golpistas que
circulam num setor minoritário das Forças Armadas. Ao mesmo tempo, tratava-se
de reativar a cooperação EUA-Brasil, assentando-a na política climática. O
adiamento da visita presidencial veicula uma mensagem: o governo Lula não está
interessado numa parceria estratégica com os Estados Unidos. Prefere, no lugar
dela, o caminho que conduz ao “Sul Global” — na prática, o fórum do Brics, com
destaque para China e Rússia.
3.Reforma do Conselho de Segurança da ONU
O Conselho da ONU, com seus cinco
integrantes permanentes e direito a veto, nasceu da Segunda Guerra Mundial. A
ideia de reforma entrou na agenda internacional na década de 1990, mas nunca
decolou, devido à ausência de algum consenso mínimo: não se cede poder à toa.
Hoje, sob as nuvens de chumbo da rivalidade
EUA-China e da guerra na Ucrânia,
inexiste espaço para a retomada do debate. Mesmo assim, Amorim apressou-se em
recolocar o tema no centro da agenda da política externa brasileira. A
insistência obsessiva não se destina a descortinar novos horizontes, mas a
fabricar um discurso “anti-imperialista” de denúncia das potências (ocidentais)
e da ordem internacional.
4. Guerra e paz na Ucrânia
Na campanha, Lula colocou um sinal de
equivalência entre Putin e Zelensky —entre a potência agressora e a nação
agredida. Circula a ideia de que o novo presidente almeja desempenhar um papel
de protagonista numa iniciativa internacional para encerrar a guerra na
Ucrânia. Fala-se, no entorno lulista, em “negociações” e “paz”, mas nunca na
integridade territorial ucraniana.
Paz sem desocupação: a fórmula coincide,
exatamente, com os objetivos imediatos de Putin, que pretende congelar
temporariamente o conflito, interrompendo a contraofensiva da Ucrânia e
ganhando tempo para reorganizar as forças invasoras assediadas. Nesse ponto,
Lula segue os passos de Bolsonaro, adotando uma espécie de “neutralidade
pró-Rússia” que viola os princípios explícitos inscritos em nosso texto
constitucional.
Restauração: “O tempo passou na janela e só Carolina não viu”.
Demétrio Magnoli...
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