O Globo
A década de governos petistas produziu políticas públicas exemplares e desastres. Na educação, conseguiu as duas coisas. No primeiro mandato de Lula, o ministro Tarso Genro, com a colaboração de Fernando Haddad, fez o ProUni.
Parecia mágica. As faculdades privadas
recebiam isenções tributárias e argumentavam que ofereciam bolsas de estudo em
contrapartida. Era meia-verdade, pois essas bolsas (quando existiam) eram
distribuídas para amigos ou amigos dos amigos. O ProUni vinculou as bolsas à
renda familiar do estudante e ao seu desempenho no Enem. Sem qualquer despesa,
abriram-se as portas do ensino superior privado para jovens do andar de baixo.
Ia tudo bem, quando o ministro da Educação, Fernando Haddad (2005-2012), resolveu ressuscitar um programa de crédito público para estudantes de faculdades privadas, o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies).
Aos poucos as regras do crédito foram
mudadas. Não havia exigência de desempenho e afrouxaram-se as regras da fiança.
O resultado foi uma explosão de bolsistas do Fies. Em 2012, Haddad, futuro
ministro da Fazenda, foi substituído no MEC por Aloizio Mercadante, futuro presidente
do BNDES. Em dois anos, os bolsistas passaram de 224,8 mil para 1,14 milhão, em
2014, uma expansão de mais de 400%.
Conglomerados privados do setor educacional
prosperaram. A Kroton, com 130 unidades em 19 estados e mais de um milhão de
alunos, lucrou R$ 517 milhões em 2013, 155% a mais que no ano anterior. Seu
valor na Bolsa chegou a R$ 25 bilhões, tornando-a a maior do mundo no setor.
Em dezembro de 2014, Haddad, então na
prefeitura de São Paulo, dizia: “O Brasil é reconhecido por ter os maiores grupos
econômicos na educação e não adianta falar que é mérito do empresário, porque
sem o pano de fundo institucional não tem quem prospere. O maior grupo
econômico de educação do mundo é brasileiro.” Pudera. Naquele ano, o Fies
rendera-lhe R$ 2 bilhões, cifra inédita até para a empreiteira Odebrecht.
Três meses antes o banco Morgan Stanley
havia avisado que a inadimplência poderia levar a uma implosão do Fies.
Não deu outra. De um lado, o governo viu-se
obrigado a fechar a porta do cofre; de outro, as astúcias do sucesso foram
expostas. Em fevereiro de 2015, os repórteres José Roberto de Toledo, Paulo
Saldaña e Rodrigo Burgarelli mastigaram o Fies.
Entre 2010 e 2014, o custo do programa
passou de R$ 1,1 bilhão para R$ 13,4 bilhões em valores corrigidos. As faculdades
privadas estimulavam os alunos a solicitar o financiamento, transferindo para a
Viúva suas carteiras de inadimplência. Mais: se um estudante comprava a
matrícula no balcão, às vezes tinha desconto. Para o plantel da Viúva, tarifa
cheia. Pior: entre 2012 e 2013, a taxa de evasão das faculdades privadas era de
28%; entre os bolsistas chegava a 88%.
Em 2015, a presidente Dilma Rousseff
admitiu que o governo errou ao passar para as faculdades privadas o controle do
acesso ao Fies. O novo ministro da Educação, Cid Gomes, pôs alguma ordem na
maluquice e passou a exigir uma nota mínima de 450 pontos no Enem. Também não
podia receber financiamento quem tirasse zero na redação. O mundo veio abaixo.
Exigir desempenho seria “limpeza étnica” e outro magano da guilda das
faculdades prenunciou uma “catástrofe”, pois o ministro não era “do ramo” e
levara o governo a fazer “uma cagada”.
Antes dos anos de Haddad e Mercadante no
MEC, o financiamento público dos estudantes ia mal das pernas. Depois, ficou
sem elas. O mercado se acomodou, criando sistemas próprios, sempre com fiador.
O financiamento público tenta se reerguer.
Em janeiro passado, o governo de Bolsonaro, acompanhando uma promessa de Lula,
concedeu uma anistia de até 92% do valor devido por estudantes financiados até
o final de 2017. Cerca de um milhão de jovens tinham atrasos superiores a 90
dias no Fies. O espeto pode chegar a R$ 6,6 bilhões.
Um vexame na Fiesp
Houve uma época em que a Federação das
Indústrias de São Paulo era chamada de “a poderosa”. Esse tempo passou. A Fiesp
fez fama com um pato amarelo plantado diante de sua sede, enfeitando as
manifestações contra Dilma Rousseff. Confundiu-se por 17 anos com a figura de
seu ex-presidente, Paulo Skaf, candidato a tudo e eleito para nada. No ano
passado, a Fiesp elegeu para sua presidência o empresário Josué Gomes da Silva.
De uma hora para outra, surgiu uma rebelião
destinada a depô-lo. Ganha um fim de semana de visitas às empresas de Skaf quem
souber de um motivo razoável para o levante. Os grandes sindicatos estão fora
da manobra, articulada junto a pequenas guildas. Poderia ser o caso de um
levante de pequenos por grandes motivos. Não é.
O fim do mandarinato de Skaf pareceu um
sopro de renovação. O doutor foi conhecido pela sua desenvoltura ao circular
por gabinetes de Brasília, incapazes de produzir um prego. Josué Gomes dirige
uma rede de 22 indústrias têxteis, onde trabalham 15 mil pessoas. Herdou-a do
pai, o ex-vice-presidente José Alencar, que começou do nada.
Alencar passou pelo sucesso empresarial e
político sem um cisco de nódoa. O filho, seguindo-lhe o caminho, foi convidado
para o Ministério da Indústria de Lula. O convite deveu-se ao seu desempenho
como empresário, e não ao fato de ser presidente da outrora “poderosa Fiesp”.
Para a instituição do pato amarelo de 2016,
ver seu presidente convidado para o ministério poderia ser motivo de
satisfação. Depô-lo por motivos explicáveis poderia ser medida necessária.
Levante por motivos inexplicáveis deixa a impressão de que os motivos não
podiam ser explicados.
A “poderosa” já teve presidentes com
interesses municipais e já foi dirigida por campeões, mas nunca passou por
vexame deste tamanho.
Estilo do Itamaraty
Em 1964, quando o presidente João Goulart
foi deposto, seu chanceler, o embaixador João Augusto de Araújo Castro, foi
mandado para a embaixada em Atenas. Quatro anos depois, ele foi para a chefia
de delegação na ONU e mais tarde tornou-se embaixador em Washington, onde
morreu.
Era o espírito da Casa de Rio Branco,
mantido em 1964, quando o chanceler Vasco Leitão da Cunha fechou a porta da
Casa aos caçadores de bruxas.
“Doutor Vasco” foi um homem gentil e
elegante. Quem o via não acreditava que, em 1942, como chefe de gabinete do
ministro da Justiça, teve um bate-boca com o poderoso chefe de polícia, Filinto
Muller, e deu-lhe voz de prisão.
Estilo da China
Desde o início de 2020, os Bolsonaro
implicavam pessoalmente com o embaixador da China, Yang Wanming. Chegaram a
sugerir que ele fosse tirado do Brasil.
Yang é um diplomata rombudo, mas o governo chinês fez que não ouviu. Só agora trocou-o, a tempo de que seu substituto entregasse credenciais ao novo presidente.
Na leitura do terceiro artigo aqui divulgado, já perdi a esperança de um novo dislumbre para o infeliz cidadão deste país.
ResponderExcluirNão se desespere anônimo,rs.
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