O Globo
Um governo de esquerda tem que encarar uma
difícil agenda: reduzir os gastos tributários que beneficiam os de maior renda
e as empresas
O futuro ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, tem dito que é preciso colocar o pobre no orçamento, repetindo o
presidente Lula. Isso é, de fato, o que o país precisa. O grande desafio,
contudo, sempre será tirar o rico do orçamento. Para fazer um governo realmente
progressista é preciso encarar a agenda de redução dos subsídios, isenções,
deduções e privilégios que empresas, grupos de interesse, e os de maior renda
têm no país.
A desigualdade no Brasil é enorme porque há muitas formas de se eternizar o tratamento desigual na distribuição de recursos públicos. O presidente Lula criticou as deduções para saúde no Imposto de Renda. É um ponto. Como as deduções são ilimitadas, quanto mais for a renda, mais a pessoa poderá gastar em tratamentos caros e transferir esses custos para o governo. Porque é assim que funciona. O custo privado é repassado para o Estado. O gasto tributário com despesas médicas estimado para 2023, de acordo com a Ploa, é de R$ 24,5 bilhões.
Nesse orçamento feito pelo governo
Bolsonaro foi previsto um gasto de R$ 52 bilhões desonerando combustíveis
fósseis. É até ironia o fato de que esse mesmo valor, R$ 52 bilhões, seria o
suficiente para garantir os R$ 200 a mais para os beneficiários do Auxílio
Brasil. O governo Bolsonaro fez uma escolha para o primeiro ano de Lula. Em vez
de dar mais dinheiro ao pobre, preferiu não cobrar imposto dos donos de carros.
E mais. Impôs aos estados a redução do ICMS. Só com a gasolina os estados
deixarão de arrecadar R$ 42,4 bilhões, segundo o Comitê de Secretários de
Fazenda (Comsefaz). Se incluir o diesel, a conta vai para R$ 53,5 bilhões. Tudo
somado, o Estado brasileiro está gastando com o estímulo ao consumo de
combustíveis R$ 105 bilhões. O Tesouro também incentiva com quase R$ 1 bilhão o
uso do carvão, a fonte mais suja. Embarcações e aeronaves deixarão de pagar R$
5 bilhões em 2023.
O Rota 2030 é um programa de redução de
imposto para os carros. Com ele, o governo perderá R$ 4,5 bilhões. Outros
benefícios para a indústria automobilística custarão R$ 5,5 bi.
Se fosse feita uma conta de todo o dinheiro
que o BNDES transferiu para a elite empresarial seria possível ver o tamanho da
prioridade do rico no gasto público. O banco ajudou a família Batista do JBS a
comprar empresas fora do país. Assim eles ficaram ainda mais ricos. Desde 2009,
o Tesouro Nacional já gastou R$ 226 bilhões de subsídio implícito, emprestando
a juros mais baixos do que o Tesouro paga em sua dívida. O Programa de
Sustentação do Investimento (PSI), criado no governo do PT, deu mais vantagens
ao capital. Foram R$ 94 bilhões de gastos com o PSI nesse período. Ele foi extinto
em 2015, porém ainda há o resto de velhas operações. Este ano foram R$ 3,5
bilhões de subsídio financeiro sendo R$ 339 milhões com o falecido PSI. O
governo Temer reduziu esse custo quando criou a TLP, substituindo a TJLP, que
subsidiava fortemente. Se acabar com a TLP, o novo governo fará o oposto do que
promete. Vai enriquecer os ricos.
Quem passear pelo Leblon pode notar nos
caríssimos salões de beleza a plaquinha: “Este estabelecimento é optante do
Simples.” O Simples era para ser para pequenas empresas. Mas elevou-se tanto o
valor do faturamento para o enquadramento no regime tributário que permite
inúmeras distorções. O custo total do Simples é de R$ 75 bilhões.
A Zona Franca de Manaus deixa de pagar R$
54 bilhões e tem defensores extremados. Era para ser um benefício temporário,
eternizou-se. As entidades filantrópicas não pagam previdência, custo: R$ 13,4
bilhões. As igrejas não pagam impostos. Os clubes de futebol deixam de recolher
R$ 2 bilhões por um programa novo, criado no governo Bolsonaro.
Quem se debruçar sobre o documento
Demonstrativo de Gastos Tributários, da Receita Federal, vai encontrar o número
global. É espantoso. O gasto tributário com regimes especiais foi estimado em
R$ 456 bilhões, 4,29% do PIB e 21,7% das receitas administradas pela Receita
Federal. Isso pode mudar durante o governo Lula.
Alguns desses gastos podem ser justos e
trazer benefícios para o país, mas uma grande parte é a velha estratégia de
apropriação privada de recursos públicos. O famoso patrimonialismo. O ministro
Haddad descobrirá no seu cotidiano que uma das tarefas mais difíceis do Brasil
é tirar o rico do orçamento. Mas essa é a agenda de um governo de esquerda.
Estou pasma !
ResponderExcluirA colunista, como sempre, tem a competência de transmitir informações e números, para que pessoas comuns conheçam a realidade do país.
Muito bom o texto! Parabéns à colunista e ao blog que divulga o trabalho dela.
ResponderExcluirConcordo com o primeiro anônimo,Mírian Leitão deve ser a única que escreve sobre economia de maneira clara.
ResponderExcluirEste artigo de Miriam Leitão confirma o que eu sempre pensei. O PT governa para os ricos e dá as migalhas do banquete para os pobres.
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