domingo, 18 de dezembro de 2022

Míriam Leitão - O desafio é tirar o rico do orçamento

O Globo

Um governo de esquerda tem que encarar uma difícil agenda: reduzir os gastos tributários que beneficiam os de maior renda e as empresas

O futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem dito que é preciso colocar o pobre no orçamento, repetindo o presidente Lula. Isso é, de fato, o que o país precisa. O grande desafio, contudo, sempre será tirar o rico do orçamento. Para fazer um governo realmente progressista é preciso encarar a agenda de redução dos subsídios, isenções, deduções e privilégios que empresas, grupos de interesse, e os de maior renda têm no país.

A desigualdade no Brasil é enorme porque há muitas formas de se eternizar o tratamento desigual na distribuição de recursos públicos. O presidente Lula criticou as deduções para saúde no Imposto de Renda. É um ponto. Como as deduções são ilimitadas, quanto mais for a renda, mais a pessoa poderá gastar em tratamentos caros e transferir esses custos para o governo. Porque é assim que funciona. O custo privado é repassado para o Estado. O gasto tributário com despesas médicas estimado para 2023, de acordo com a Ploa, é de R$ 24,5 bilhões.

Nesse orçamento feito pelo governo Bolsonaro foi previsto um gasto de R$ 52 bilhões desonerando combustíveis fósseis. É até ironia o fato de que esse mesmo valor, R$ 52 bilhões, seria o suficiente para garantir os R$ 200 a mais para os beneficiários do Auxílio Brasil. O governo Bolsonaro fez uma escolha para o primeiro ano de Lula. Em vez de dar mais dinheiro ao pobre, preferiu não cobrar imposto dos donos de carros. E mais. Impôs aos estados a redução do ICMS. Só com a gasolina os estados deixarão de arrecadar R$ 42,4 bilhões, segundo o Comitê de Secretários de Fazenda (Comsefaz). Se incluir o diesel, a conta vai para R$ 53,5 bilhões. Tudo somado, o Estado brasileiro está gastando com o estímulo ao consumo de combustíveis R$ 105 bilhões. O Tesouro também incentiva com quase R$ 1 bilhão o uso do carvão, a fonte mais suja. Embarcações e aeronaves deixarão de pagar R$ 5 bilhões em 2023.

O Rota 2030 é um programa de redução de imposto para os carros. Com ele, o governo perderá R$ 4,5 bilhões. Outros benefícios para a indústria automobilística custarão R$ 5,5 bi.

Se fosse feita uma conta de todo o dinheiro que o BNDES transferiu para a elite empresarial seria possível ver o tamanho da prioridade do rico no gasto público. O banco ajudou a família Batista do JBS a comprar empresas fora do país. Assim eles ficaram ainda mais ricos. Desde 2009, o Tesouro Nacional já gastou R$ 226 bilhões de subsídio implícito, emprestando a juros mais baixos do que o Tesouro paga em sua dívida. O Programa de Sustentação do Investimento (PSI), criado no governo do PT, deu mais vantagens ao capital. Foram R$ 94 bilhões de gastos com o PSI nesse período. Ele foi extinto em 2015, porém ainda há o resto de velhas operações. Este ano foram R$ 3,5 bilhões de subsídio financeiro sendo R$ 339 milhões com o falecido PSI. O governo Temer reduziu esse custo quando criou a TLP, substituindo a TJLP, que subsidiava fortemente. Se acabar com a TLP, o novo governo fará o oposto do que promete. Vai enriquecer os ricos.

Quem passear pelo Leblon pode notar nos caríssimos salões de beleza a plaquinha: “Este estabelecimento é optante do Simples.” O Simples era para ser para pequenas empresas. Mas elevou-se tanto o valor do faturamento para o enquadramento no regime tributário que permite inúmeras distorções. O custo total do Simples é de R$ 75 bilhões.

A Zona Franca de Manaus deixa de pagar R$ 54 bilhões e tem defensores extremados. Era para ser um benefício temporário, eternizou-se. As entidades filantrópicas não pagam previdência, custo: R$ 13,4 bilhões. As igrejas não pagam impostos. Os clubes de futebol deixam de recolher R$ 2 bilhões por um programa novo, criado no governo Bolsonaro.

Quem se debruçar sobre o documento Demonstrativo de Gastos Tributários, da Receita Federal, vai encontrar o número global. É espantoso. O gasto tributário com regimes especiais foi estimado em R$ 456 bilhões, 4,29% do PIB e 21,7% das receitas administradas pela Receita Federal. Isso pode mudar durante o governo Lula.

Alguns desses gastos podem ser justos e trazer benefícios para o país, mas uma grande parte é a velha estratégia de apropriação privada de recursos públicos. O famoso patrimonialismo. O ministro Haddad descobrirá no seu cotidiano que uma das tarefas mais difíceis do Brasil é tirar o rico do orçamento. Mas essa é a agenda de um governo de esquerda.

 

4 comentários:

  1. Estou pasma !
    A colunista, como sempre, tem a competência de transmitir informações e números, para que pessoas comuns conheçam a realidade do país.

    ResponderExcluir
  2. Muito bom o texto! Parabéns à colunista e ao blog que divulga o trabalho dela.

    ResponderExcluir
  3. Concordo com o primeiro anônimo,Mírian Leitão deve ser a única que escreve sobre economia de maneira clara.

    ResponderExcluir
  4. Este artigo de Miriam Leitão confirma o que eu sempre pensei. O PT governa para os ricos e dá as migalhas do banquete para os pobres.

    ResponderExcluir