O Globo
Não há conciliação possível quando se
violenta o direito de ir e vir, impedindo que filhas visitem mães agonizantes,
que crianças operem um olho para não ficarem cegas
A temperatura política está muito alta.
Ainda há bloqueios de estrada, invasões de câmaras municipais, ofensas a Gil no
Catar, a Ciro em Miami e a Rodrigo Maia na Bahia. Houve quem se alegrasse com a
contusão de Neymar.
Adianto algumas ideias para baixar a bola.
Isso significa em futebol jogar com calma e jogar melhor. Quem quiser chamar de
conciliação que o faça, desde que entenda o termo não de uma forma ingênua,
como se as diferenças políticas fossem suprimidas por magia.
Em Minas se dizia: é preciso que as ideias
briguem, mas as pessoas não. Creio que a temperatura baixará se os setores mais
lúcidos da direita conseguirem explicar aos outros que a eleição acabou. Foi um
processo já proclamado pelo TSE, passou por auditorias, obteve aprovação dos
observadores internacionais.
Não há mais o que fazer. Quem reza diante
dos quartéis precisa compreender que os militares não são surdos. Se não
responderam às suas preces, é porque decidiram respeitar a escolha majoritária.
Da mesma forma, do exterior não virá ninguém, não existe nenhum tribunal cuidando das eleições brasileiras. O mais sensato é aceitar o resultado, preparar-se para fazer oposição e tentar de novo em 2026.
É preciso que a bola baixe também num campo essencial para a democracia: a liberdade de expressão. Sei que é difícil se mover na democracia com um tsunami de fake news. Mas é preciso correr os riscos. Aliás, o risco maior é entregar na mão de mentirosos a bandeira da liberdade de expressão.
O caminho alternativo para uma censura que
rebaixa a democracia é garantir a liberdade e, simultaneamente, preparar-se de
forma adequada para as consequências. Existe uma legislação para punir ofensas,
calúnias e difamação. A saída seria aplicar a lei em processos mais rápidos e
eficazes. Em vez de se preparar para a censura, a Justiça poderia se concentrar
nessa tarefa.
Outra trilha nesse caminho alternativo é a
educação. Nos Estados Unidos há cursos para que as pessoas se defendam de fake
news, interrogando a origem das notícias, perguntando a quem interessam. Na
Finlândia, essa trilha é mais ampla, na verdade uma estrada. O estudo das
mídias é introduzido nas escolas primárias. As crianças aprendem a ler as
notícias, estudam rudimentos de estatística para, num certo nível, não ser
manipuladas pelos números. As fake news vieram para ficar. Será preciso uma
reorganização social para enfrentá-las. A escolha da censura é apenas a mais
fácil.
Essas duas ideias, a legalidade do pleito e
a afirmação da liberdade de expressão, poderiam ser os primeiros movimentos no
sentido conciliatório, um estado de espírito que não significa a paz do
cemitério, mas apenas a base indispensável para o país crescer.
Existem outros aspectos de que os
vencedores podem lançar mão, mais do que os vencidos. O exercício da
generosidade, por exemplo. Não vale a pena polemizar quando os ânimos estão
exaltados. Muito menos zombar dos que perderam as eleições e seguem inconformados.
Existe uma linha divisória entre quem ainda
não aceitou o resultado e os que bloqueiam estradas e invadem prédios públicos.
Não há conciliação possível quando se violenta o direito de ir e vir, impedindo
que filhas visitem mães agonizantes, que crianças operem um olho para não ficar
cegas.
Os radicais precisam ser isolados. O
general Golbery do Couto e Silva em outros momentos históricos chegou a
formular o caminho: segurem seus radicais, que eu seguro os meus. Hoje essa
proposta tem muito sentido, sobretudo para os líderes da direita que, em vez de
apostar no caos, deveriam trabalhar para a aceitação das normas democráticas. É
a única possibilidade de sonharem de novo com o governo.
A violência, o quebra-quebra, o desprezo
pelas normas embriagam os manifestantes, mas os afastam decisivamente do
coração da maioria.
Com a bola no chão, poderíamos atacar
alguns problemas inadiáveis, o que no fundo pode ser bom para os dois times.
O sempre sensato Gabeira.
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