O Globo
Embora o velho PT continue a gritar no
governo de transição, Lula sabe que ganhou a eleição pelo antibolsonarismo — e
não com o petismo
Dois fatos canhestros sintetizam o Brasil
atormentado no mimimi do pós-Bolsonaro:
1) A magistrada que não reconhece Chico
Buarque como autor de sua belíssima “Roda viva”. (Acredito não ser uma postura
ideológica, o que seria algo altamente sofisticado: parece ignorância burra e
simples; o tal axioma -5% + 4% igual a 9% faz escola.)
2) O filho Zero Três, depois de fritar hambúrguer nos Estados Unidos, agora no Catar, com pen drives na mão, no papel de camelô da Saara. No tempo da cirurgia à distância, diz usar pen drive! (Depois de perderem a eleição, surge aí uma nova oportunidade de negócio. Não deve dar lucro como lojinha de chocolate, mas já é uma diversificação de portfólio. Alternativa na área gastronômica talvez seja a venda de sopão na porta de quartel.)
No mundo real, onde celular de mané não
pede socorro a extraterrestre, a política surgida com a vitória de Lula desenha
a possibilidade do nascimento de uma nova esquerda e de uma nova direita. Na
esquerda, um pós-Lula com o Lula-Alckmin da atual frente ampla; na direita,
algo civilizado, empático e técnico com Tarcísio de Freitas. Na centro-direita,
Eduardo Leite.
E Bolsonaro? — perguntarão as viúvas
Zambelli e Damares, além de Valdemar Costa Neto, o celebrizado “boy” de Mogi.
Antes uma erisipela, hoje apenas um miasma desconcertante, após a derrota e a
cada revelação trazida pelo governo de transição, do desmonte da máquina
pública, o futuro ex-presidente deve passar bom tempo no modo “Veja bem…”.
Aos poucos os fatos demonstram os truques e
desmandos da maléfica figura. Ainda não totalmente delineado, o quadro da saúde
e da educação revela não apenas incompetência, mas deixa em aberto a notória
suspeita de uma ação deliberada de extermínio. Espécie de vingança contra a
vida e o futuro dos brasileiros.
A equação é emblemática: tirou remédio,
escola e deu armas. Com os pastores da rachadinha. Basta enumerar os nomes dos
ministros para consumar provável boletim de ocorrência: Pazuello, Queiroga,
Milton Ribeiro… Ninguém escalaria um time com tamanha falta de crédito se não
desejasse desde antes estar com o jogo vendido.
Não, sem a máquina pública e diante da
abertura da caixa-preta do bolsonarismo, o miasma hoje escondido no Alvorada,
assustando cortinas e portas do palácio, dependerá das rezas de Malafaia.
Em seu mutismo acovardado, Bolsonaro deu
munição (aqui vício de linguagem) formal a quem desejasse pular de sua canoa. A
contestação do PL às urnas do segundo turno o fez perder apoio de dois partidos
aliados, e o veto à liberação de verbas para o pagamento do orçamento secreto
por certo conduzirá Arthur Lira à esquerda de Gleisi.
“Os militares apoiam um golpe de Bolsonaro?”,
deixou de ser a pergunta mais importante chorada pelos manés de portas de
quartéis, para ser “Em quantos meses Valdemar Costa Neto abandonará
Bolsonaro?”. Como um radical da adesão, seu estilo de política precisa de
cargos para a manutenção de poder, e palavras de ordem jamais deram cartas a
quem aprecia Las Vegas.
Embora ainda exista a turma que deseja
botar abaixo, tijolo por tijolo, a Escola de Frankfurt, sobre os escombros, e
na expectativa das prisões dos malfeitores, se vislumbra um rearranjo capaz de
forçar a renovação da esquerda e da direita no Brasil.
Embora o velho PT continue a gritar no
governo de transição, Lula sabe que ganhou a eleição pelo antibolsonarismo — e
não com o petismo. A aproximação de nomes como Arminio Fraga ou Edmar Bacha,
entre outros, esboça a possibilidade de trazer a esquerda petista a uma
contemporaneidade já vivida pela esquerda europeia, em especial a alemã. Muitas
das ideias e análises petistas em torno do modelo de desenvolvimento fazem eco
ao tempo das diligências, das fábricas de chicote, numa renitente ojeriza à
chegada do motor a vapor.
O novo governo, caso se deixe contaminar
pelas ideias de Fraga e Bacha, poderia levar o Brasil da condição de exportador
de commodities para a de ator nos novos estágios de produção — tendo a
revolução digital e as oportunidades da transição climática como ferramentas.
Não se pode achar que modernidade é criar uma multinacional do bife, como
ocorreu nos governos Lula anteriores, ou crer que o agronegócio que não paga
imposto de exportação da soja seja a salvação da lavoura.
Na outra mão, a expectativa da direita se
volta a Tarcísio de Freitas, caso se contamine pela civilidade de Gilberto
Kassab. Embora São Paulo já tenha elegido sanguinários como Erasmo Dias, o
medievalismo das ideias bolsonaristas só encontra eco no minguado sopão dos
manés. Se optar por escutar a pistoleira da Alameda Lorena e o camelô do Catar,
Tarcísio será passado.
E Eduardo Leite? Na centro-direita já sai com vários ombros à frente de Tarcísio. Porque chega sem o peso de defender um padrinho derrotado e enrolado com a Justiça.
"Acredito não ser uma postura ideológica,"
ResponderExcluirAutor inoceeeeeente! Fatos notórios dispensam prova.
"Muitas das ideias e análises petistas em torno do modelo de desenvolvimento fazem eco ao tempo das diligências, das fábricas de chicote, numa renitente ojeriza à chegada do motor a vapor."
ResponderExcluirCite uma. Só uminha.
"na direita, algo civilizado, empático e técnico com Tarcísio de Freitas"
ResponderExcluirTécnico onde? Diga um só ponto técnico.
"O novo governo, caso se deixe contaminar pelas ideias de Fraga e Bacha, poderia levar o Brasil da condição de exportador de commodities para a de ator nos novos estágios de produção"
ResponderExcluirBobagem. Ambos os dois já mandaram neste país e isso não aconteceu. Friso q o próprio autor diz q "a contaminação PODERIA". Na linguagem bozoloide, isso significa também q "não poderia". Artigo do tipo "poderia" e fácil de escrever.
"se vislumbra um rearranjo capaz de forçar a renovação da esquerda e da direita no Brasil."
ResponderExcluirRá, vc vislumbra. Na verdade, isso é desejo, nem vislumbre é.