Folha de S. Paulo
No adequado palco do TSE, ameaças de
Bolsonaro à democracia são rejeitadas pelo establishment
Se o 10 de novembro entrou para a crônica
da transição do governo abandonado por Jair
Bolsonaro (PL) como
o "Lula day" na economia, o presidente eleito do Brasil fez
questão de pontuar a versão política de sua carta de apresentação ao
establishment com um pacote misto.
Diplomado
pela terceira vez presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) insistiu na
importância da manutenção da democracia no Brasil, que viu ameaçada nos
turbulentos anos do atual mandatário. Fez disso o ponto central de seu
discurso.
Ao mesmo tempo, contudo, Lula puxou um
rosário de messianismos que não teriam ficado deslocados caso a pessoa no
púlpito fosse Bolsonaro. Começou
com um "Deus existe" e pulou diretamente para qualificar a
disputa de outubro como um embate entre um "governo de destruição
nacional" e outro na via inversa.
Logo falou "o quanto custou a espera" para voltar ao poder, não só para si, mas para os brasileiros que "reconquistaram a democracia". Tudo muito bonito para os 50,9% dos eleitores que digitaram 13 em 30 de outubro, mas o problema começa com os 49,1% que preferiram o 22 de Bolsonaro.
Ao alienar a metade do Brasil que não o
escolheu, algo acerca de que foi discretamente admoestado no discurso posterior
do ministro Alexandre
de Moraes, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral visto como
inimigo número 1 do bolsonarismo, Lula retoma um tema caro de sua trajetória
política.
É o velho "nós contra eles", e o
petista até citou integrantes do proverbial outro lado: detentores do poder
econômico. Faltou falar nas "elites", aspas obrigatórias, para
voltarmos a 2006. Em um momento no qual seus assessores espalham a preocupação com
permanência dos protestos golpistas nas portas de quartéis, não custava
insistir que a democracia é para todos, inclusive aqueles que resistem a ela.
O déjà vu não parou por aí. Lula
ressuscitou também a herança maldita, termo
cunhado em 2003 para definir o que seriam problemas deixados para trás
pelos anos Fernando Henrique Cardoso (PSDB, 1995-2002).
Que óbices existiam, é evidente, mas hoje é
um consenso mesmo no PT que a tábua de salvação de Lula naquele início de
mandato foi justamente
manter e a acelerar a política econômica tão espezinhada do tucanato.
Mas política é política, e Lula a faz alternando sangue nos olhos com mirada
compassiva.
Nesta tarde de segunda (12), escolheu falar
em "legado perverso" já escrutinado por sua equipe de transição. Zero
dúvidas acerca disso, vide a
perigosa gambiarra fiscal na forma da PEC da Transição, mas a questão é que
o termo servirá para justificar quaisquer falhas de largada do novo governo.
Elas por ora estão se formando de forma
algo óbvia, mas é impossível saber hoje o que acontecerá. O fato é que há itens
positivos no cenário econômico, como a composição de preços de energia, que
estão sendo deixados de lado em nome da ideia de que tudo em que a equipe de
Bolsonaro tocou é tóxico.
Tanto melhor para Lula se tudo der certo,
claro. O cenário externo é de extrema inconstância, com temor de recessão
acompanhando lado
a lado o cavalo de pau na política de Covid zero chinesa, que poderá
abrir uma avenida para as commodities brasileiras.
Mas o que importa é o discurso, e segundo
ele apenas petistas e seus aliados detêm o monopólio das virtudes democráticas
—é forçoso reconhecer que com um Bolsonaro como adversário, a ideia é
facilmente palatável.
Como comunicar isso sem ofender a metade
cindida do país, contudo, é outra história. Em seu favor,
não há um mercado para reagir a isso como no "Lula day" da
Faria Lima ou com as incertezas
da equipe econômica, e o humor político ainda lhe é amplamente favorável.
O petista até falou de frente ampla, mas o
tom geral, reforçado
na fala de Moraes, foi o de um basta ao bolsonarismo e sua energia
antidemocrática, alimentada por fake news que de resto não são exclusividade de
ninguém.
Ao fim, o presidente eleito usou até um
"nunca mais", de nobre história na memória do Holocausto, para
sacramentar a ideia. O problema real é combinar com o eleitorado de 2024 em
frente.
Até ia indo, mas aí pintou pintando um "formando de forma" que incomodou incomodando.
ResponderExcluirAté referência ao holocausto (houve)?
Vá te catar junto aos teus, Igor!