quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

Lu Aiko Otta - A trincheira liberal-democrata

Valor Econômico

Reforma tributária deverá ser ponto de embate

Eleito com 13,5 milhões de votos para comandar a maior economia do país, Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos) quer estabelecer em São Paulo uma trincheira do pensamento liberal-democrata. Com friso na palavra “democrata”.

Seu plano é projetar o Estado como um ator de peso no debate nacional, informou a esta coluna o coordenador da transição paulista, Guilherme Afif Domingos. Não será uma oposição pura e simples. Poderá haver convergência com o governo federal em alguns temas, como a atração de investimentos. Em outros, São Paulo deverá atuar como contraponto.

Não por acaso, é lá que estará o ministro da Economia, Paulo Guedes, a partir do dia 1º de janeiro. Atuará como conselheiro numa equipe formada por outros ex-integrantes de seu time no Ministério da Economia, como o próprio Afif e o futuro secretário de Fazenda, Samuel Kinoshita.

Um exemplo: os “paulistas” defenderão a tese que a reforma tributária deveria ser precedida da administrativa. Uma vez definido o tamanho do Estado, aí sim seria a hora de falar em cobrar impostos. Do contrário, disse Afif, a tendência é que haja aumento de carga tributária.

Ao mesmo tempo em que planeja usar o peso de São Paulo nos debates internos das grandes reformas, o governador eleito quer turbinar a projeção internacional do Estado.

“Se São Paulo fosse um país e houvesse um G-21, estaria nele”, comentou Afif. A economia de São Paulo é maior do que a sul-africana. Maior do que a soma de Argentina, Paraguai e Uruguai, comparou. É essa a dimensão que será utilizada para atrair investimentos estrangeiros para concessões e Parcerias Público-Privadas (PPPs), independentemente do que ocorra no campo federal.

O carro-chefe será a área de infraestrutura, habitat natural de Tarcísio. Engenheiro, ex-diretor-geral do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e integrante do primeiro time do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), é profundo conhecedor do programa de concessões à iniciativa privada.

Tarcísio articula um nome de projeção global para buscar parceiros externos. Atuará junto com Lucas Ferraz, secretário de Comércio Exterior na equipe de Guedes, já escalado.

Paralelamente à atração de investimentos, Tarcísio quer melhorar o ambiente de negócios no Estado. Convidou Caio Mario Paes de Andrade, que foi secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital da equipe de Guedes no Ministério da Economia antes de ocupar a presidência da Petrobras. Em sua gestão, foi criado o aplicativo gov.br.

São Paulo está atrasado na digitalização de serviços, avaliou Afif. No campo tributário, por exemplo, a ideia é facilitar a devolução de créditos do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) vinculados a investimentos, com uso de sistemas mais modernos. O Poupatempo deverá migrar para o celular.

Nessa frente de investimentos, as agendas estadual e federal coincidem em muita coisa.

No entanto, a trincheira paulista pode ser um complicador a mais para a já difícil reforma tributária.

As duas propostas que estão no Congresso Nacional, as Propostas de Emenda à Constituição (PECs) 45 e 110, já contam com a oposição das empresas do setor de serviços, que veem aumento de sua carga tributária. Também há resistência de prefeituras de grandes cidades, que relutam em abrir mão do Imposto sobre Serviços (ISS), a ser fundido a outros tributos sobre consumo para formar o Imposto sobre Valor Agregado (IVA).

Por mais que o debate tenha amadurecido nos últimos anos, ainda é grande o abacaxi a ser descascado.

O futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem dado prioridade ao tema. Colocou em sua equipe Bernard Appy, formulador do modelo que está na PEC 45, em análise na Câmara dos Deputados.

Além disso, disse que pretende começar as negociações a partir das propostas que estão no Congresso Nacional, o que significa que ganhará tempo. Deve buscar um roteiro parecido com o da reforma da Previdência, amadurecida no governo de Michel Temer e aprovada no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro.

Na criação do IVA, especificamente, São Paulo não deverá reeditar sua queixa histórica sobre perda de arrecadação por causa do local de cobrança. Será no Estado onde o bem é consumido, e não onde é produzido, como é hoje o ICMS, num desenho que beneficia Estados industriais.

No entanto, há outros pontos em que pode haver atrito. Por exemplo: Afif vê risco para o Simples. O sinal de alerta acendeu quando o regime das micro e pequenas empresas voltou, depois de dois anos, a ser classificado como um “gasto tributário”, ou seja, uma desoneração destinada a estimular o setor.

É voz corrente entre especialistas que esses “gastos”, de R$ 456 bilhões no ano que vem, precisam de um pente-fino. É possível que isso ocorra, pois o próprio Haddad comentou que a ex-presidente Dilma Rousseff exagerou nas desonerações.

Embora haja controvérsia se é ou não um gasto tributário, o Simples aparece como o maior item da lista, nas planilhas da Receita Federal: R$ 75,5 bilhões no ano que vem.

“É um alerta a todos os que defendem as micro e pequenas empresas: cuidado com o Simples”, afirmou Afif com sua voz profunda, já arregimentando forças.

Outro tema em que pode haver embate é a criação de uma nova fonte de financiamento para a Previdência. A ideia circula nas profundezas da transição. A dúvida é se o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) proporia criar esse tributo e, em caso positivo, se seria uma troca, como defendeu Guedes nos últimos anos, ou uma adição.

O ano que vem está logo ali e traz muitos desafios. Haverá quadros de qualidade nos dois lados da trincheira. Se forem capazes de trabalhar juntos para criar condições para a economia crescer, será um jogo de ganha-ganha.

 

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