Correio Braziliense
Lula precisa de uma reforma da Defesa que
consolide a pasta como instrumento de poder civil
A criação do Ministério da Defesa como uma
pasta civil nunca foi bem aceita pelos militares, em cuja concepção seria algo
equivalente ao antigo Ministério da Guerra ou ao Estado-Maior das Forças
Armadas durante o regime militar. Teria a função de coordenar a atuação
conjunta das forças, sob comando de um general de quatro estrelas, e não
subordinar Exército, Marinha e Aeronáutica a um poder civil. Reestruturar o
Ministério da Defesa é uma questão chave para o presidente eleito Luiz Inácio
Lula da Silva “desmilitarizar” o governo.
Derrotados na eleição de Tancredo Neves, em 1985, os militares operaram uma retirada em ordem do poder, que havia sido iniciada com a “anistia recíproca”, de 1979. Foi uma estratégia política bem-sucedida, apesar dos percalços, e concluída durante o governo do presidente José Sarney. Eleito presidente, porém, Fernando Henrique Cardoso resolveu erradicar a influência militar da política nacional e criou o Ministério da Defesa, com objetivo de otimizar o sistema de defesa nacional, formalizar uma política de defesa sustentável e integrar as três Forças, racionalizando as suas diversas atividades.
Em 1 de janeiro de 1999, já no seu segundo
mandato, o senador Élcio Álvares (PFL-ES) foi nomeado ministro extraordinário
da Defesa. O ex-governador do Espírito Santo foi o responsável pela efetiva
implantação do órgão, como espelho da experiência norte-americana e europeia.
Em seis meses, a pasta foi criada, mas seu ministro deixou o cargo por causa de
uma secretária que fazia tráfico de influência e foi substituído pelo então
advogado-geral da União Geraldo Quintão.
Os dois mandatos de FHC são um trauma para
as Forças Armadas, porque nunca se sentiram tão desprestigiadas. Os militares
também perderam privilégios na reforma administrativa e da Previdência, e
tiveram salários achatados com o ajuste fiscal do Plano Real. Seus
equipamentos, muitos dos quais remanescentes da Segunda Guerra Mundial, foram
ainda mais sucateados.
Durante o governo Lula, diante do vácuo
doutrinário decorrente da Guerra das Malvinas, quando os Estados Unidos
apoiaram a Inglaterra contra Argentina, e o fim da Guerra Fria, com a
auto-dissolução da antiga União Soviética e a queda dos regimes comunistas do
Leste europeu, tentou-se elaborar uma nova doutrina, que viria a se traduzir na
Política Nacional de Defesa, durante a gestão do ministro da Defesa Nelson
Jobim. A ideia era ambiciosa: fomentar a formação de um complexo
industrial-militar, para dar às Forças Armadas um papel internacional compatível
com os planos de projeção do Brasil na política mundial.
O submarino nuclear, o novo cargueiro
KC-390, o satélite de comunicação e vigilância, o desenvolvimento de novos
blindados e de lançadores de foguetes estavam nesse pacote. A relação com a
presidente Dilma Rousseff com as Forças Armadas, porém, foi um desastre. Ela
não disfarçava o justo ressentimento com as torturas que sofreu na prisão
durante o regime militar. Além disso, seu ministro da Defesa, o ex-governador e
senador Jaques Wagner (BA), empoderou uma secretária-executiva que se
comportava como se fosse um marechal.O troco veio durante o impeachment: o
então comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, recomendava aos
políticos: “resolvam isso aí”.
Transparência
A volta do Ministério da Defesa ao pleno
controle dos militares, porém, viria ocorrer durante o governo Michel Temer,
após o impeachment de Dilma. Enfraquecido devido às denúncias do
procurador-geral da República Rodrigo Janot, com base numa delação premiada do
empresário Joesley Batista — que gravou uma conversa com o presidente da
República —, temendo o impeachment, Temer nomeou para o ministério da Defesa o
general Joaquim Silva e Luna, que mais tarde viria ser presidente da Petrobras
no governo Bolsonaro, com quem rompeu por causa da política de preços dos
combustíveis e deixou o cargo.
Na Presidência, Bolsonaro transformou o
Ministério da Defesa num instrumento do seu projeto político iliberal, primeiro
com o ministro Walter Braga Netto, que viria ser seu vice, depois com o atual
ministro, Paulo Sérgio Nogueira. Antes, porém, teve que defenestrar o general
Fernando Azevedo, que havia nomeado inicialmente para o cargo, e no embalo o
então comandante do Exército Edson Pujol, ambos contrários à politização dos
quarteis.
Lula evitou um confronto com os atuais
comandantes militares ao indicar para o Ministério da Defesa um político
tradicional, de origem conservadora: José Múcio Monteiro. Entretanto, precisa
promover uma reforma da Defesa que atenda aos objetivos de consolidar a pasta
como um instrumento de poder civil e, ao mesmo tempo, modernizar as Forças
Armadas, dando lhes mais eficiência e transparência.
A primeira providência será proibir
atividades políticas dentro de organizações militares, o uso de posições
oficiais, adoção ou rejeição de posicionamentos políticos, os comentários
depreciativos acerca de lideranças políticas por militares da ativa e o
exercício por militares da ativa de funções públicas não ligadas ao setor de
defesa. Uma quarentena de 12 meses para que fardados transferidos para a
reserva remunerada ocupem cargos públicos na administração civil seria
suficiente.
É preciso evitar tanto o uso político das
Forças Armadas como a partidarização política em organizações militares,
mantendo-as leais ao sistema político vigente no país. São medidas que
aprimoram as instituições democráticas e a profissionalização dos militares.
Antes de tudo, carece saber se o Brasil precisa de forças armadas.
ResponderExcluirApoiado.
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