terça-feira, 6 de dezembro de 2022

Raphael Di Cunto - Congresso empareda PT e traça limites

Valor Econômico

Força do governo no Congresso depende da PEC da Transição

Com a mesma certeza que os brasileiros têm de que a nossa seleção ganhará a Copa, a ponto de até torcer pela lesão de seu melhor jogador, o PT saiu do segundo turno da eleição acreditando que o torneio já estava ganho e que a vitória sobre Jair Bolsonaro (PL) deu aval para o partido impor seu plano de governo sem negociar com as demais forças políticas do país.

Os articuladores da transição passaram a dizer que os gastos seriam ampliados em R$ 200 bilhões de forma indefinida e já decidir em reuniões fechadas como esse dinheiro todo seria usado: aumentar as verbas para saúde e educação, investir em moradia popular e estradas, retomar os incentivos à cultura. Pleitos justos e necessários, mas a forma ignorou que parte expressiva dos eleitores não concorda com os planos econômicos do PT, só queria ver o Jair ir embora. O Congresso tratou de botar a PEC embaixo do braço, colocar no meio do campo e mostrar que a partida não tinha sequer começado.

Mandaram recados de qual será o limite da relação. Os presidentes da Câmara e do Senado devem ser reeleitos, nenhum deles totalmente alinhado a Lula. O orçamento secreto não vai acabar e a pretensão de retomá-lo para o Executivo já virou tentativa (postergada) de negociar os critérios para dividir o dinheiro. A PEC da Transição também não sairá com o prazo nem o valor desejados pelos petistas. Na prática, o atual Congresso impõe ao PT a necessidade de apresentar regra fiscal crível se quiser gastar mais até 2026.

O “bolão” dos ministérios entretém as rodas de fofoca de Brasília e ocupa o noticiário, mas a força do futuro governo no Congresso está mais ligada ao tamanho da expansão fiscal negociada nos próximos 15 dias do que pelos ministérios que cada partido terá. O RP9, orçamento secreto ou emenda de relator, chame como quiser, transferiu para o Legislativo o poder antes nas mãos dos ministros. Serão R$ 34 bilhões entre emendas individuais e de bancada, ambas impositivas, e de relator. Os investimentos projetados sem a PEC são de apenas R$ 22 bilhões em 2023.

Há quem aposte, dentre os petistas, que é possível negociar uma lista de obras e programas “estruturantes” para dar mais foco ao orçamento secreto. Outros acham que o Executivo poderá retomar o poder ao se negar a empenhar as verbas de quem não votar com o governo. A expectativa nos corredores da Câmara, contudo, é outra: “o RP9 é do Lira e ninguém mexe” e a ala política do Supremo Tribunal Federal (STF) se encarregará de garantir isso.

Expectativas à parte, o fato é que a capacidade política de um ministro indicado por um partido só existirá se ele tiver dinheiro para obras nas bases eleitorais de quem o sustenta - deputados e senadores. Isso só existirá se a PEC for aprovada com folga grande para gastos não obrigatórios. Do contrário, será apenas um posto de prestígio para quem o ocupa e duas dúzias de cargos para acomodar um ou outro aliado.

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Arthur Lira (PP-AL) é tão favorito que emparedou o PT. O partido terá que aceitar que o PL presidirá a comissão mais importante da Câmara, a de Constituição e Justiça (CCJ), e terá papel de destaque na formulação do Orçamento. Os petistas prometeram apoiá-lo e ainda tentam negociar um “bloco alternativo”, só com a base do governo, para excluir o partido de Bolsonaro dessa divisão, mas Lira já mandou avisar que honrará os acordos prévios e não aceitará. O que pode ser negociado, alertou, é um revezamento entre PT, PL e União Brasil e que o presidente da comissão seja “pragmático”.

Óbvio que o orçamento secreto foi fundamental, mas o presidente da Câmara tem habilidade pouco percebida fora do Congresso: sabe até onde e o que pode pedir a cada um de seus colegas. Não cobrou dos paulistas ligados a empresários que votassem a favor da tributação de dividendos e não pediu à esquerda que consentisse com a privatização dos Correios ou da Eletrobras. Foi buscar esses votos em outros campos. Orgulha-se de lembrar o nome de todos os 513 deputados, assim como sabe de cabeça quem está em busca só de recursos para suas bases e para quem uma relatoria de um projeto é mais importante do que emendas.

A vitória esmagadora que se desenha suscitará, de pronto, o debate sobre mudar a Constituição para permitir a reeleição dos presidentes das duas Casas do Congresso em meio de mandato (hoje só é possível de uma legislatura para outra). Não vai faltar quem se disponha a, já no dia 2 de fevereiro, protocolar essa PEC. Aliados rejeitam a ideia e dizem que desestabilizaria sua base de apoio porque Republicanos e União esperam sucedê-lo em 2025. Há os que o projetem até como ministro de Lula. A ver.

Em campanha à reeleição, Lira promete aos colegas que será independente. Não votará tudo que o PT quer, mas não trabalhará contra. Aos que o apontam de novo como primeiro-ministro, admite que teve papel fundamental no governo Bolsonaro, como na derrubada na marra do preço da gasolina, mas atribui à falta de coordenação e inciativa do presidente, e diz esperar que com Lula as coisas sejam diferentes, que cheguem mais “amarradas e negociadas” ao Parlamento. Sua função seria, na sua visão, a de presidente da Câmara: mediar os conflitos e, na falta de consenso, pautar. Quem tiver mais votos leva.

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O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), também caminha para uma tranquila reeleição, embora não tão certa. O PL lançará Rogério Marinho (RN), mas parece mais a busca por uma composição melhor no Senado (onde, ao contrário da Câmara, ser a maior bancada não garantirá à sigla a CCJ).

Não custa lembrar, Pacheco não apoiou Lula na eleição. Seu partido foi o palanque do petista em Minas Gerais e o PT cedeu a vaga ao Senado para Alexandre Silveira, seu amigo de longa data. Ele preferiu ficar neutro para se manter no jogo se Bolsonaro vencesse e sequer votou no segundo turno. Não nutre mais expectativa de uma candidatura presidencial como nos tempos mais aguerridos de independência à frente do Senado, mas é preciso acompanhar de perto as composições em Minas para entender qual será o jogo dele nos próximos dois anos.

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