O Globo
Julgamento no Supremo segue aberto enquanto
Congresso discute PEC da Transição
Assistindo ao julgamento iniciado ontem no
Supremo Tribunal Federal (STF)
sobre o orçamento secreto, um desavisado poderia até pensar que a decisão para
valer seria tomada ali. Os ritos foram seguidos: a relatora leu a petição
inicial, os representantes das partes interessadas se manifestaram, e os
magistrados acompanharam tudo compenetrados.
Ao final de algumas horas, porém, a sessão
foi suspensa. Os ministros só deverão começar a ler seus votos na próxima
quarta-feira. Há boas chances de um deles pedir vista — tempo para analisar
melhor o processo. Nesse caso, aquele que a campanha de Lula chamou
de “maior esquema de corrupção da História” poderá seguir funcionando até que
seja tomada uma decisão.
O desfecho do imbróglio é difícil prever.
Depende de uma batalha que nada tem a ver com o discurso dos togados ao
microfone e se desenrola bem longe dos olhos do público.
Daria para descrever o jogo em curso como uma espécie de pôquer, em que os maiores operadores de Brasília — como o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) — tentam adivinhar a mão do outro antes de dar a cartada final.
Lula nunca escondeu que não lhe interessava
governar com um Congresso que tem R$ 19 bilhões em emendas para gastar sem ter
de lhe pedir licença. Na campanha, chamou essas emendas de excrescência e disse
que, por causa delas, o presidente da República é refém do Congresso.
Terminada a eleição, porém, ele autorizou
seus aliados no Congresso a avisar a Lira que sabia não ter forças para
tirar-lhe a reeleição. Também mandou dizer que não faria do orçamento secreto
um cavalo de batalha.
Seu foco era aprovar no Congresso a emenda
constitucional que lhe permitirá furar o teto de gastos em R$ 168 bilhões para
pagar os R$ 600 mensais de Bolsa Família, a PEC da Transição. Em troca da PEC,
o PT até
declarou apoio a Lira.
O presidente da Câmara sabia que Lula não tinha
engolido o orçamento secreto de uma hora para outra. Mas confiou nos acordos
feitos na campanha, muitos deles usando as próprias emendas, para controle da
situação. Afinal, se até os petistas receberam, por que temer?
Só que Lula tinha outros planos. Enquanto
seus aliados se propunham a aceitar um acordo para manter o orçamento secreto,
desde que mudando as regras para uso do dinheiro, ele trocava figurinhas com
ministros do Supremo sobre como acabar com a “excrescência”.
E foi acontecendo: a presidente da
Corte, Rosa Weber,
marcou a data do julgamento para esta quarta-feira, mesmo dia em que a PEC foi
aprovada no plenário do Senado. Na segunda-feira (12), enquanto ela estiver em
discussão na Câmara, Lula será diplomado. Entre a quarta-feira (14), quando o
julgamento recomeça, e a quinta (15), a PEC deverá ser votada na Câmara.
Só que a notícia das conversas de Lula com
o Supremo vazou, e Lira não gostou. Imediatamente, deputados levaram um recado
aos colegas petistas: se o presidente estiver mesmo envolvido nessas
articulações, “acabou a PEC”.
Os bombeiros da política entraram em ação
para convencer o presidente da Câmara de que não havia nada disso, que Lula
tentava apenas saber qual era o humor do Supremo. Lira se controlou, mas o
recado estava dado.
A aposta de Lula é que, derrubando o
orçamento secreto depois da aprovação da PEC, ele terá aquilo de que mais
precisa para governar com um mínimo de sossego: dinheiro liberado e Congresso
domesticado. Lira acredita que, se o orçamento secreto cair, os deputados logo
aprovarão uma emenda constitucional legalizando tudo e darão uma banana ao STF.
Para conter a revolta do Supremo, em que a
maioria dos ministros parece realmente querer acabar com a “excrescência”, Lira
tem à disposição instrumentos como a abertura de uma CPI do Judiciário e
votações sobre auxílios e subsídios a juízes.
De seu lado, o Supremo também pode fazer
andar alguns processos que repousam nas gavetas do tribunal. Como uma denúncia
apresentada contra Lira pelo Ministério
Público Federal por corrupção passiva, há dois anos parada no gabinete
do ministro Dias Toffoli.
Como no pôquer, quem disser que sabe o
naipe das cartas que o outro tem na mão está mentindo. É na hora em que as
jogadas são feitas que se sabe quem está blefando e quem tem força para ganhar.
Os jogadores à mesa são experientes e estão
dispostos a arriscar, mas o custo da rodada é tão alto que é bem capaz de eles
encontrarem uma forma de se acertar, redistribuindo as fichas sem precisar
mostrar as cartas. Aí, só restará aos figurantes dessa história guardar as
togas e esperar pela próxima rodada.
Muito interessante a análise da colunista! Parabéns a ela e ao blog que divulga seu trabalho!
ResponderExcluirMalu Gaspar sabe das coisas.
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