Valor Econômico
Pela Constituição, a emenda parlamentar não
pode descaracterizar metas definidas pelo Executivo no PPA
No apagar das luzes do governo Bolsonaro
começam a ser contabilizados os custos impingidos à sociedade ao longo dos
últimos quatro anos. Os retrocessos comprometem não apenas o presente, mas as
gerações futuras, em especial nas áreas da saúde, da educação e do meio
ambiente.
Evidências, casos concretos e situações comprovadas têm sido divulgados com certa frequência desde o início de 2019, mas pouca pressão foi feita para abortar ou no mínimo mitigar os abusos acumulados pela omissão de um governo que não soube governar, abusos esses difíceis de contabilizar porque não estão contemplados nos modelos que buscam medir a eficiência da administração pública.
A carta divulgada no domingo pelo ministro
da Economia, Paulo Guedes, com um apanhado de dados positivos a respeito do
comportamento do setor público em 2022 - projeção de 74% do PIB para a dívida
bruta do governo geral (DBGG) e superávit primário de R$ 23,4 bilhões - é uma
comprovação da forma como o desempenho do governo vem sendo avaliado: interessa
a apresentação dos números finais consolidados, não o destino da verba pública.
Ou seja, tudo vai bem se o objetivo
numérico fiscal for atingido, ainda que a verba da merenda escolar ou que parte
dos recursos destinados à educação tenham sido desviados para atender às
chamadas emendas do “orçamento secreto” ou para cobrir gastos de campanha como
o subsídio distribuído aos caminhoneiros.
O chamado “orçamento secreto” é, talvez, o
mais emblemático exemplo da coalizão que sustentou politicamente o atual
governo. De um lado, os partidos aglomerados no que se conhece como “centrão”,
comandados pelo presidente da Câmara dos Deputados e, de outro, o sistema
financeiro que tudo ratificou sob a orquestração do ministro da Economia.
Por isso mesmo, pelo caráter esdrúxulo da
apropriação do orçamento pelo Legislativo, é que o evento mais importante dos
próximos dias se concentra no voto da presidente do Supremo Tribunal Federal
(STF) e relatora da matéria, ministra Rosa Weber, sobre a constitucionalidade
das emendas do relator da lei do orçamento da União - o tal orçamento secreto -
e seus desdobramentos.
Como se sabe, as emendas do relator
(parlamentar apontado pelo Congresso Nacional responsável pela apreciação da
lei orçamentária federal), conforme manipuladas pelo Legislativo a partir de
2019, introduzem no orçamento verbas destinadas a projetos ou ações sociais
descoladas das diretrizes e metas das políticas públicas definidas pelo poder
Executivo no Plano Plurianual (PPA). Este plano traça a estratégia da gestão no
início de cada administração de acordo com os objetivos apresentados durante a
campanha pelo candidato eleito à Presidência da República e tem vigência por
quatro anos.
A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a
Lei Orçamentária Anual (LOA), enviadas anualmente para aprovação do Congresso
Nacional, devem seguir o PPA. A Constituição Federal em seu artigo 166 prevê a
possibilidade de emendas parlamentares ao projeto de lei do orçamento desde que
não descaracterizem as metas previamente definidas pelos representantes do
presidente da República. Afinal, quem governa é o Executivo, não o Legislativo.
As características das emendas de relator
apensadas à lei orçamentária apontam para a inconstitucionalidade. O parágrafo
3º do artigo 166 da Constituição diz que “As emendas ao projeto de lei do
orçamento anual e aos projetos que o modifiquem somente podem ser aprovadas
caso: 1 - sejam compatíveis com o plano plurianual e com a lei de diretrizes
orçamentárias; 2 - indiquem os recursos necessários, admitidos apenas os
provenientes de anulação de despesa, excluídas as dotações para pessoal e seus
encargos; o serviço da dívida e transferências constitucionais para Estados,
Municípios e Distrito Federal ou 3 - sejam relacionadas com a correção de erros
e omissões ou com dispositivos do texto do projeto de lei”.
Portanto, antecedente ao argumento da falta
de transparência dos parlamentares contemplados com as emendas de relator e do
destino do dinheiro, há o impeditivo constitucional da ausência de
compatibilidade do chamado orçamento secreto com a essência das políticas
públicas definidas pelo PPA. Não pode, por exemplo, o Legislativo mandar
dinheiro para determinado município comprar dentaduras sem que isto esteja
contemplado nas diretrizes programáticas do Executivo.
O fato daquelas emendas lidarem com
práticas ocultas e secretas as tornam ainda mais extravagantes, com margem para
manipulações políticas dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado
Federal seja como uso de moeda de troca para interesses políticos internos, das
respectivas casas, ou para benefício dos parlamentares em seus redutos
eleitorais. Por qualquer ângulo que se olhe, não há como contemporizar com as
emendas de relator.
O tema remete a outra questão, de ordem
mais geral. Tem a ver com a dificuldade de entendimento do orçamento por parte
dos contribuintes brasileiros, uma vez que não se divulga o detalhamento das
despesas de cada rubrica. O aumento do salário mínimo, por exemplo, precisaria
explicitar não apenas quanto isso custaria aos cofres públicos, mas quem seria
beneficiado e de onde o dinheiro sairia.
A transparência dos itens que compõem o
orçamento público é fundamental para a conscientização do preceito de cidadania
através da vinculação do ato de pagar imposto, direto ou indireto, ao direito
de cobrar a forma como o dinheiro é gasto. Isso muito provavelmente frustraria
qualquer tentativa de tornar secretas as contas públicas.
*Maria Clara R. M. do Prado, jornalista, é sócia diretora da Cin - Comunicação Inteligente e autora do livro “A Real História do Real”.
Paulo Guedez é mesmo um pulha, um berdamerda
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