Valor Econômico
Mercadante foi usado pelo Centrão e pela
coalizão lulista
No evento com o qual o governo eleito
encerrou os trabalhos da transição, a presidente do PT, deputada Gleisi
Hoffmann (PR), disse que o conselho político de 16 partidos reunidos durante
este período havia sido tão exitoso que avaliava mantê-lo em reuniões mensais.
Neste momento o presidente eleito, fora do microfone, interveio, em tom de
blague. “Desde que não seja para falar mal do governo, podem continuar a se
reunir”. Eles não apenas falaram como agiram. Quatro horas depois,
parlamentares desses 16 partidos votaram em favor de uma emenda-jabuti que
ameaça a Lei das Estatais.
Na véspera, dia da diplomação do presidente eleito, a capital federal havia anoitecido sob o vandalismo bolsonarista. Nas 24 horas que se passaram entre as labaredas do extremismo e a votação da emenda, os parlamentares da futura coalizão governista foram acometidos de uma amnésia sobre o significado do segundo turno.
Foram os gols contra do extremismo bolsonarista que garantiram a vitória apertada da chapa Lula-Alckmin. Não resultou daí uma licença para desbaratar a governança resultante do esforço institucional de dar resposta à pirataria contra a Petrobras. O reconhecimento de que Lula foi preso injustamente não passou uma borracha sobre a gestão fraudulenta da empresa. No dia seguinte, as ações da Petrobras já derretiam.
A emenda reduziu de 36 meses para 30 dias a
quarentena para que participantes de estruturas decisórias de partidos ou de
campanhas eleitorais pudessem participar do conselho ou da gestão de empresas
públicas. Logo trataram de nominá-la de “emenda Mercadante”. O presidente da
Fundação Perseu Abramo havia sido feito de boi de piranha.
Naquela tarde, o presidente eleito, ao final
de seu balanço sobre a transição, havia surpreendido a todos com o anúncio de
Aloizio Mercadante, como presidente do BNDES. Mercadante vinha sustentando que
a nomeação não precisava de mudança na Lei das Estatais. Valia-se de uma ata do
BNDES acolhendo a indicação, em 2019, de um diretor que havia feito uma
colaboração “intelectual” no PSL para a campanha do presidente Jair Bolsonaro.
O presidente da Fundação Perseu Abramo
argumentava que fazia 12 anos que não disputava eleições e que sua atuação havia
sido restrita à formulação do programa de governo, sem função executiva na
campanha. Mercadante é um quadro político movido por muitas certezas, o que o
indispõe até com seus correligionários, mas não pode ser acusado de ter
enriquecido na política.
Acabou por ganhar a defesa insuspeita do
autor da Lei das Estatais, o senador Tasso Jereissati: “Aloizio Mercadante não
precisava disso. Como doutor em economia, sem mandato parlamentar há muitos
anos, sendo apenas presidente da Fundação do PT, e não do diretório, sua
indicação tem margem para uma apreciação positiva do Conselho do BNDES”.
A celeuma em torno de sua indicação, porém,
já havia contaminado a transição. Haddad já havia se encontrado com o atual
ministro da Economia, Paulo Guedes, e com o presidente do Banco Central,
Roberto Campos Neto, e daria, naquela tarde, a primeira entrevista com a qual
buscaria desfazer apreensões.
Os esforços de apaziguamento pareciam
bem-sucedidos quando chegou à praça o nome de Mercadante embalado pela
provocação de Lula sobre a resistência do "glorioso mercado". Se
Haddad marcou sua passagem pelo governo pela Pasta da Educação, Mercadante foi
do “núcleo duro” da gestão Dilma Rousseff, cuja política industrial é, em
grande parte, responsável pelo azedume do mercado com o PT.
Ao longo dos dias que precederam sua
indicação, Mercadante tratara de estreitar sua interlocução com os setores que
resistiam a seu nome. À Febraban, deu sinais de comprometimento com os
constrangimentos fiscais e levantou a bandeira branca contra as expectativas de
uma gestão perdulária. Tudo isso ficou comprometido quando a futura coalizão
governista o empurrou rio adentro.
Tanto o presidente eleito quanto os
partidos que o elegeram têm legitimidade para propor uma mudança na Lei das
Estatais se avaliam que o texto criminaliza a política. Nestor Cerveró, Paulo
Roberto Costa, Jorge Zelada e Renato Duque ex-diretores que lesaram a Petrobras,
não eram políticos. Henrique Meirelles, presidente do Banco Central, ainda hoje
lembrado com saudosismo por investidores, era deputado federal eleito quando
assumiu.
Ainda há quem diferencie a ocupação de um
banco público de desenvolvimento de uma empresa de capital aberto como a Petrobras.
O conflito de interesses não é monopólio da política e o zelo pela governança
não está reservado ao mercado. Tudo isso, porém, pressupõe uma discussão aberta
e democrática e não um contrabando votado na calada da noite.
O que restou evidente desta celeuma é que
ao longo dos seis anos desde a aprovação da Lei das Estatais, buscava-se uma
oportunidade para desidratá-la. E o momento chegou. Por várias razões. A
primeira delas, sem dúvida, é a destreza do dono do tabuleiro, o presidente da
Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), que arrancou o apoio do presidente
eleito à sua reeleição sem entregar a PEC da Transição e passou a pedir mais -
a manutenção do orçamento secreto e a ocupação de cargos na administração
direta e indireta.
A segunda é a conjunção das necessidades da
transição com o rearranjo parlamentar da nova legislatura. Como a transição
acontece num momento em que o Congresso está em plena campanha, é natural que
os partidos negociem cargos na mesa e nas comissões, sem os quais seu peso na
agenda legislativa pode se tornar irrelevante. O problema é que os partidos do
conselho político do governo eleito se deixaram arrastar. E não apenas pela
força gravitacional do Lirismo.
Foi a liderança política de Lula que salvou
o país do extremismo de direita. Este feito, somado aos 77 anos e aos 580 dias
de prisão indevida (ainda) lhe conferem uma “licença poética”. O presidente
eleito, porém, é mais inspirador quando emociona, como o fez na diplomação.
Nos momentos em que perde as estribeiras,
ainda que dentro de quatro paredes, como o fez quando lhe foram apresentados os
constrangimentos da Lei das Estatais, Lula libera aliados - e agourentos - a
acreditar que têm licença para fazer o mesmo e pendurar na sua fatura o
nervosismo do “glorioso mercado”.
É tanta celeuma,parece que quem governa o Brasil já é o Lula e seus ministros.
ResponderExcluirREPETINDO: "O reconhecimento de que Lula foi preso injustamente não passou uma borracha sobre a gestão fraudulenta da empresa."
ResponderExcluirGESTÃO FRAUDULENTA DA PETROBRAS... Será possível que Lula e o PT vão querer REPETIR os crimes à frente da Petrobras? É bem verdade que o PT não agiu sozinho, tinha o MDB e outros partidos do Centrão metidos nos cambalachos!