quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Míriam Leitão - De fantasmas e retrocessos


O Globo

Mudança na Lei das Estatais é retrocesso, já os temores sobre Mercadante e Haddad podem ser fantasmas. É preciso esperar o início do próximo governo

É preciso separar os retrocessos dos fantasmas que são levantados em torno de pessoas que ainda nem tiveram tempo de explicar suas políticas. Retrocesso é a aprovação do projeto do centrão de mudar a Lei das Estatais, de afogadilho. Isso é risco real, imediato, e não apenas no governo federal. Quase 200 parlamentares não se reelegeram e estão atrás de cargos em Brasília e nas empresas estaduais. Os temores em relação ao ministro Fernando Haddad ou ao economista Aloizio Mercadante têm justificativas difusas e em alguns casos se baseiam na suposição de que repetirão erros velhos.

Na equipe de transição, a análise que ouvi de fontes diversas é que Aloizio Mercadante não se enquadra na vedação da Lei das Estatais. Ele não faz parte da estrutura partidária, por ser da Fundação Perseu Abramo, e sua contribuição à campanha pode ser vista como “intelectual”. O nome dele foi usado como pretexto, para fazer andar o projeto da deputada Margarete Coelho (PP-PI), uma aliada de Arthur Lira. O mesmo projeto que Lira já tentara aprovar. Teve votos de bolsonaristas, de todo o centrão, e também do PT.

No PT, há críticas à Lei das Estatais com a ideia de que em alguns pontos ela exagera. Mas o que ouvi tanto na área econômica quanto na área política era de que eles estudariam com calma. Mas dado que o assunto começou a ser ventilado, Lira colocou em votação e teve aprovação ampla.

Isso é retrocesso e dos grandes. A Lei das Estatais veio como uma legislação para a proteção dos interesses dos contribuintes e dos acionistas. Nas empresas de capital fechado, somos todos acionistas, nós que enviamos recursos ao Estado. Nas empresas de capital aberto, existem os acionistas minoritários, e todos nós somos representados pelo Tesouro, acionista controlador.

A lei veio após os excessos e os escândalos da Lava-Jato, que de fato ocorreram, independentemente do que tenha havido de distorção durante o julgamento. Tanto houve desvios que o dinheiro voltou para a Petrobras. Eles ocorreram principalmente por causa dos indicados pelos partidos, mesmo quando eram funcionários das estatais. A lei cria barreiras para o conflito de interesses e para a indicação de despreparados, mas funcionou mesmo apenas no mandato de Michel Temer, porque o governo Bolsonaro a desmoralizou. A sanha intervencionista na Petrobras fez o governo passar por cima da Lei das Estatais e da governança da empresa. O atual presidente da Petrobras, mesmo sem qualquer experiência na área, foi aprovado pelo comitê de elegibilidade. Isso não justifica derrubá-la agora. Pelo contrário, era hora de restabelecer sua vigência.

No caso de Aloizio Mercadante, o presidente Lula se precipitou porque o correto era esperar o anúncio do ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Deve ser o presidente da Fiesp, Josué Gomes da Silva. O empresário está enfrentando uma rebelião na entidade, mas pelos seus méritos. Sindicatos sem representatividade estão na base desse movimento liderado por Paulo Skaf. Lula, por sua vez, confirmou o presidente do BNDES antes de anunciar o ministro.

A primeira vez que o nome de Fernando Haddad surgiu, o mercado despencou no pressuposto de que ele faria uma política expansionista, antes mesmo de ele montar a equipe ou dizer com que propósitos assumirá. No almoço da Febraban, ele foi acusado de não ter falado do arcabouço fiscal e nem era ministro ainda. As poucas nomeações que fez são boas, das ideias que defendeu, algumas estão certas, outras são vagas demais para se julgar.

O BNDES deve ficar dentro de um ministério que no passado foi centro de lobby da indústria e de pressão protecionista? É uma dúvida razoável. Mas e se o BNDES assumir mais seu papel de inovação, tirar do congelamento o Fundo Amazônia, focar no financiamento da transição energética? Temem-se os fantasmas dos financiamentos a projetos externos com riscos ou a volta da política dos campeões nacionais. O próprio Mercadante disse ao presidente da Febraban, Isaac Sidney, que não há espaço fiscal para subsídios do BNDES. Ótimo, mas se a TLP for alterada pode acabar se recriando o subsídio.

É preciso separar com atenção os fatos concretos dos temores. “Vamos desmontar os fantasmas”, me disse uma fonte do governo eleito. Tomara. E que os retrocessos não se confirmem. Ainda há a votação no Senado que pode barrar a mudança na Lei das Estatais.

 

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