quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

Maria Cristina Fernandes - Uma briga de cada vez

Valor Econômico

Lula sinaliza que precisa de paz nos quartéis para fazer o que pretende na economia

Ao abrir as nomeações para o ministério por Fernando Haddad e José Múcio Monteiro, provavelmente na segunda-feira, 5, o presidente eleito parece sinalizar que precisa de paz nos quartéis para fazer o que pretende na economia. Diferentes em tudo, dos 25 anos que os separam às trajetórias na política, as indicações sinalizam, além da confiança de Lula, sua convicção de que não dá para comprar todas as brigas ao mesmo tempo.

Ninguém no PT hoje comunga tanto o ideário lulista quanto Haddad. Se Antonio Palocci, autor de uma delação falsa, foi a maior decepção de Lula no PT, o ex-prefeito, que ruma para ocupar o mesmo lugar, é sua expectativa de redimi-la. Desde que a caserna seja despolitizada.

Os militares hoje se dividem entre bolsonaristas e antibolsonaristas. Só o antipetismo os une. Isso é parte da explicação para a preferência, na Defesa, do engenheiro que iniciou sua carreira pública no PDS e, em sua primeira disputa eleitoral, que Múcio conta com bom humor até hoje, perdeu de lavada o governo do Estado de Pernambuco para Miguel Arraes.

Nelson Jobim era o preferido da base lulista, entre outros motivos, porque já se mostrou capaz de impor autoridade civil sobre os militares. A falta desta mercadoria nas prateleiras da transição é reconhecida até por um general que já comandou a Defesa: “Se fossem do MST, esses manifestantes teriam tolerância zero dos quartéis”.

O convite a Jobim, que ocupou o cargo no segundo governo Lula, não aconteceu. Anfitrião do almoço que, no ano passado, reaproximou o presidente eleito do antecessor, Fernando Henrique Cardoso, o ex-ministro indicou integrantes para o grupo da Defesa em contato feito por emissário de Geraldo Alckmin.

O grupo acabou por não se concretizar e, no último contato com Lula, no fim de semana, Jobim limitou-se a distensionar as relações do mercado financeiro, onde hoje atua, com o presidente eleito - um meio de campo quase tão minado quanto aquele que hoje separa os militares da transição.

Múcio nunca perdeu o contato com Lula desde que deixou a pasta de Relações Institucionais de seu governo. Nem mesmo quando, ministro do Tribunal de Contas da União, cargo para o qual foi indicado por Lula, reprovou as contas da ex-presidente Dilma Rousseff.

Antes de a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, ligar para Múcio convidando-o para a reunião que acabaria acontecendo na semana passada com Geraldo Alckmin e militares da reserva, chegou à transição a notícia de que os comandantes pretendiam entregar os cargos antes da posse.

“Quem entende dessa área é Aldo [Rebelo]”, rebateu Múcio no telefonema, sendo aconselhado a procurá-lo. O ex-ministro, que apoiou a candidatura de Ciro Gomes e se afastou dos petistas, fez sondagens e recebeu sinal verde de militares preocupados com a possibilidade de a Pasta ficar com Aloizio Mercadante ou Ricardo Lewandowski e repassou-o a Múcio.

Na segunda-feira aconteceu o encontro com Lula e, no dia seguinte, a divulgação do documento apócrifo “Carta dos oficiais superiores da ativa ao comandante do Exército brasileiro”. Atribuído a coronéis da ativa, o documento teve suas digitais rastreadas até o Palácio do Planalto.

Se os comandantes resolverem levar à frente essa disposição de entregar os cargos antes da posse, caberia ao atual presidente indicar os substitutos escolhidos por Lula. São três os generais, da mesma turma, que preencheriam o critério da antiguidade, Julio Arruda (Departamento de Engenharia), Valerio Stumpf (chefe do Estado-Maior do Exército) e Tomás Paiva (comandante do Sudeste). Os dois últimos foram incluídos na lista de “melancias” dos bolsonaristas.

É uma missão quase impossível. Não está dissociada desta tensão o pedido de Lula, já aceito, de antecipar em uma semana a diplomação pelo TSE, agora marcada para o dia 12. Vem daí a busca pelo engenheiro filho da elite usineira de Pernambuco que convidava o líder das Ligas Camponesas, Francisco Julião, para suas rodas de violão e é amigo de Bolsonaro.

Múcio é aquele, do entorno lulista, que tem a melhor relação com o atual presidente. A afeição é pública. “Sou apaixonado por você, José Múcio. Gosto muito de Vossa Excelência”, disse-lhe Bolsonaro num evento público no final de 2020.

Vencida esta etapa mais conflitiva da transição, outros predicados valorizam o passe de Múcio. Quando ministro das Relações Institucionais fez gestões, junto aos donos do Orçamento, a pedido dos comandantes. Mais recentemente, nas varreduras do TCU nos contratos do Ministério da Defesa, mais de um ministro ouviu dele um “vão com calma”.

O predicado, visto por uns como sinal de conciliação excessiva, é, para outros, um caminho que pode favorecer a volta dos militares para a caixinha da qual nunca deveriam ter saído. Envolve o que terão que abrir mão se quiserem preservar, além do CPF, benesses como a reforma dos benefícios previdenciários arrancada deste governo.

Só o andar da carruagem será capaz de dizer se outros avanços serão possíveis, como a reforma do currículo das escolas militares, no sentido de podar o cultivo do golpismo, ou mesmo a reforma de uma carreira que permite a existência de 16 generais de quatro estrelas no Brasil, enquanto no maior exército do mundo, o americano, são apenas 15.

Se uma autocrítica do conjunto da obra hoje parece uma concessão intolerável para os militares, definitivamente a perda de postos de comando de quem se insurge contra as instituições não o é. Há uma penca de oficiais que, desde a posse de Bolsonaro, permanecem sem punição. Tampouco parece aceitável que ainda se volte a comemorar datas como o golpe de 1964. Enquanto as Forças Armadas não se limitarem a celebrar o que une o país, e não aquilo que o divide, estará mantido o liame com o bolsonarismo.

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O apoio do PT à recondução do atual presidente da Câmara é um indicativo de que o presidente eleito avalia ser mais custoso montar uma base parlamentar do que alugar aquela do deputado Arthur Lira (PP-AL). Até porque estão em jogo os recursos para dar início ao governo. A posição sugere que os ministros a serem indicados conjuntamente depois da diplomação têm dois anos, até a renovação das Mesas Diretoras do Congresso, para se mostrarem imprescindíveis e infensos à composição da base parlamentar almejada por Lula.

 

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