domingo, 25 de dezembro de 2022

Merval Pereira - O Estado moderno

O Globo

Especialistas em gestão pública afirmam que o Brasil tem tarefas a realizar que deveriam estar prontas desde o século 19

Parece estar chegando a boa solução o impasse em torno de dois símbolos de um governo de frente ampla que ajudaram decisivamente Lula a vencer, por pequena margem, a eleição presidencial. Os relatos das diversas conversas que o presidente eleito vem tendo indicam que ele não apenas reafirma a intenção de refletir no ministério esse caráter amplo de sua candidatura, como não abrirá mão das duas mulheres que foram símbolos da campanha: Simone Tebet e Marina Silva.

Aparentemente venceu a tese de Marina de que a “autoridade climática” sugerida por ela tem um caráter técnico, não político, não fazendo sentido que se lhe dê um status de ministério ligado à presidência da República. No programa aceito pelo PT, Marina Silva reivindica o que chama de uma agenda ambiental transversal, pois "é necessário promover o alinhamento das políticas públicas, em especial as políticas econômicas, fiscal, tributária, industrial, energética, agrícola, pecuária, florestal, da gestão de resíduos e de infraestrutura, aos objetivos gerais do Acordo de Paris, de forma a cumprir os compromissos assumidos pelo Brasil por meio de sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC)”.

A ideia de uma “política transversal” tem tudo a ver com a visão da organização administrativa de um Estado moderno. Muito apropriadamente, quando se inicia um novo governo, dois especialistas em gestão pública, Francisco Gaetani e Miguel Lago, lançam um livro sobre o tema intitulado “A construção de um Estado para o século XXI”. Consideram que as políticas públicas abrangem o conjunto de características que modelam o funcionamento da máquina administrativa federal. São sistêmicas, perpassam toda a máquina pública do Executivo federal e afetam a dinâmica do conjunto da administração pública, assim como a qualidade dos serviços prestados à sociedade.

Francisco Gaetani tem quatro décadas de vivência na administração pública, tendo sido secretário-executivo de dois importantes ministérios: o do Planejamento e o do Meio Ambiente. Dirigiu a Escola Nacional de Administração Pública (Enap) e a Fundação João Pinheiro. Miguel Lago, mestre em Administração Pública pela Sciences Po Paris, é co-fundador do Meu Rio, e dirige o Instituto de Estudos para Políticas de Saúde.

Gaetani e Lago concordam em duas premissas: o Estado brasileiro ainda está por construir-se, e o governo atual desmantelou em quatro anos esforços de décadas de profissionalização da administração. Para eles, o Brasil ainda tem tarefas a realizar que deveriam estar prontas desde o século 19, entre elas estruturar áreas essenciais do Estado, como os Ministérios da Educação e Saúde.

O livro foi publicado pela República.org, uma instituição do terceiro setor voltada para a modernização do Estado brasileiro e a valorização dos servidores públicos. Segundo Lago, é errado pensar que o Estado no Brasil é muito grande, ou que é uma espécie de parasita que recebe muito sem dar retornos à sociedade. Para ele, esses críticos “não têm a compreensão sobre a importância desses serviços para toda a sociedade”.

A professora de administração pública e governo pela Fundação Getúlio Vargas, Gabriela Lotta, na apresentação do livro, diz que a crise da democracia e ascensão da extrema direita que temos testemunhado em vários lugares do mundo — entre eles, o Brasil, é consequência da perda de legitimidade do Estado, do governo e da administração pública. “O governo tem como papel central representar o povo e garantir, por meio da administração pública, que os cidadãos tenham acesso a seus direitos. Estado, governo e administração pública perdem a legitimidade na medida em que se afastam dos cidadãos, não representam seus interesses, nem são capazes de garantir direitos e prover serviços que supram suas demandas”.

O ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Antonio Anastasia destaca um dos “mitos e falácias a respeito das instituições públicas” que são apontados no livro: “Mais Brasil, menos Brasília” é uma frase recorrente, crítica à centralização de poderes na capital. Anastasia, que foi governador de Minas e senador, prefere “mais e melhor Brasília”, como aprimoramento do serviço público essenciais. Uma das premissas do livro, por sinal, é a necessidade de criar um corpo permanente de servidores públicos que tenham a compreensão de que governos são transitórios, por isso a necessidade de um Estado capaz de funcionar independentemente do governo do dia. Já temos instituições desse nível, como o Itamaraty, a Receita Federal, as Forças Armadas, que foram desviadas de suas funções durante o governo Bolsonaro.

 

4 comentários:

  1. Passadas as ressacas do Natal e Ano Novo, será minha primeira leitura do ano.

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  2. O Brasil até hoje não fez coisas ridiculamente fundamentais como saneamento básico. Sendo um país de dimensões continentais possui nazilatifundiários em cujas terras cabem países civilizados que fizeram reforma agrária. Temos 13 milhões de analfabetos, a pequena Cuba não tem. E temos 40 milhões de pessoas que não possui um dente sequer na boca (nóssos edêntulos totais). Togo, Ruanda, Gana, Lesoto e Uganda possuem dentes melhores que os dos europeus porque os africanos não comem açucar, mas isso é outra história. O Brasil é assim porque o capitalismo mundial quer o Brasil como um gigante colonial exportador de produtos primários. Se tivéssemos uma classe dominante competente isso aqui seria um Japão tamanho gigante e isso não interessa. Se a esquerda radical estivesse no poder isso aqui seria uma Cuba tamanho gigante isso também não interessa. Mas com democracia especialmente uma democracia que seja cada vez mais democrática, o povo brasileiro vai chegar lá.

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  3. A dentição do negro é melhor que a do branco por questões étnicas.Tá certo que o açúcar é veneno pra tudo.

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  4. Você se engana, Ademar Amancio. Os negros dos países que citei (Togo, Ruanda, Gana...) tem dentes e saúde melhor que europeus e americanos. Se você pegar os negros dos EUA a saúde e os dentes deles é semelhante a dos brancos. O mesmo vale para comparação entre japoneses do Japão e japoneses vivendo nos EUA ou São Paulo.

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