Governador é acusado de abuso de poder político, econômico e conduta vedada a agente público. Na lista, há cinco secretários ou ex-secretários estaduais
Por Chico Otavio, Felipe Grinberg, Lucas
Mathias, Rafael Galdo e Vera Araújo / O Globo
RIO DE JANEIRO - A Procuradoria Regional
Eleitoral do Rio pediu, nesta quarta-feira, a inelegibilidade e a cassação da
chapa eleita do governador Cláudio Castro (PL). Ele é acusado de abuso de poder
político e econômico e de conduta vedada a agente público no escândalo das
contratações secretas em ano eleitoral para a Fundação Centro Estadual de
Estatística, Pesquisa e Formação de Servidores Públicos do Rio (Ceperj) e para
programas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). A assessoria do
governador Cláudio Castro e de Thiago Pampolha afirmou que a chapa "vai
comprovar a conduta idônea" e que ambos estão "seguros de que todos
os pontos levantados serão respondidos".
O Ministério Público Federal também pediu a
cassação e inelegibilidade do vice eleito, Thiago Pampolha; do deputado eleito
Rodrigo Bacellar (PL), atual secretário estadual de Governo e favorito na
corrida pela presidência da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) em 2023; e de
mais nove pessoas. Bacellar nega as acusações e foz que vai comprovar sua
"integridade no exercício da função pública". Na lista, há cinco
secretários ou ex-secretários de Cláudio Castro. A representação, com cerca de
cem páginas, afirma que eles foram favorecidos com contratação secreta de
dezenas de cabos eleitorais em prejuízo e em desigualdade clara se comparados
aos adversários no pleito.
O pedido da Procuradoria não impede a diplomação do governador que está prevista para esta sexta-feira, dia 16. O corregedor, ao tomar ciência da representação, pode seguir um de três caminhos: notificar os citados, para apresentarem defesa em prazo de cinco dias; determinar a suspensão dos atos que ensejaram a ação; ou indeferir a inicial.
Com a ação ajuizada, os réus serão
notificados para apresentarem suas alegações iniciais. As partes então terão
tempo para apresentar provas, documentos e podem pedir que testemunhas sejam
ouvidas. Ao fim, há um parecer do Ministério Público, alegações finais e a ação
será julgada pelo colegiado do TRE. À decisão, cabe recurso ainda ao Tribunal
Superior Eleitoral (TSE), em Brasília.
" O vasto acervo probatório acostado à
inicial evidencia a presença dos elementos caracterizadores dos ilícitos
eleitorais de abuso de poder político e econômico, simultaneamente, com a
prática das condutas vedadas impondo-se, portanto, a aplicação aos
representados das penalidades cassação de seus registros de candidatura e/ou
diplomas; da declaração de suas inelegibilidades pelo período de oito anos, a
contar deste pleito eleitoral; e, por fim, da aplicação de multa, no patamar
máximo fixado pela legislação eleitoral" diz trecho da representação
protocolada nesta quarta-feira
Castro, reeleito no
primeiro turno com 58,6% dos votos, encabeça a lista da ação. Em
sabatina no GLOBO antes do primeiro turno das eleições, Castro admitiu erros no
Ceperj, mas defendeu o modelo dos projetos sociais. O governo estadual também
criou uma auditoria interna que, em relatório preliminar, apontou diversas
irregularidades, como a contratação de servidores públicos como terceirizados,
e recomendou o cancelamento dos projetos da Fundação. O governo também tentou
firmar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público no
início de agosto, mas as conversas não evoluíram. Atualmente, os projetos do
Ceperj passam por Tomadas de Contas, que apuram se houve dano aos cofres
públicos e quem seriam os responsáveis.
— Há erros no Ceperj? Há. A grande
diferença foi a maneira como encarei. Em momento nenhum neguei. Eu fui ao
Ministério Público, criei uma comissão. Todos que erraram serão punidos. A
resposta para o conselho é que são nossos programas sociais e nós vamos
continuar os programas sociais porque eles são importantíssimos para o estado
— garantira
Castro no fim de agosto.
Num encontro com jornalistas no Palácio
Laranjeiras, nesta quarta-feira, Cláudio Castro respondeu às perguntas da
imprensa, uma delas sobre a denúncia do MPE. Segundo ele, não há questão
eleitoral para ser discutida.
— A denúncia do Ceperj foi mais de três
horas e quarenta minutos na imprensa, às vésperas das eleições. Não consigo ver
vantagem eleitoral, que a procuradora eleitoral achou. Estamos tranquilos em
relação a isso. Zero críticas em relação ao MPE, mas isso acontece a poucos
dias da diplomação — disse Castro.
O governador disse ainda que o Ceperj “foi
uma ação boa e positiva”, pelo fato de não usar mais as Organizações Sociais,
mas pagar como prestadores de serviço.
— Quando houve a ação do MPRJ, eu não
recorri da decisão. Posso garantir que quem errou será punido — conclui.
Primeiro escalão investigado
Também foram acusados deputados e
candidatos que são do primeiro escalão do governo estadual ou participaram da
administração Castro: a atual secretária de Cultura, Danielle Christian
Ribeiro; o ex-secretário de Esportes Gutemberg da Fonseca (PL); o ex-secretário
de Obras Max Lemos (Pros); e o ex-secretário de Defesa do Consumidor Léo Vieira
(PSC). O atual secretário de Trabalho e Renda, Patrique Welber, também é
acusado pelo MPF. Ele não foi candidato nas últimas eleições, mas é presidente
estadual do Podemos.
O deputado federal Áureo Ribeiro
(Solidariedade) também está na lista de acusados pelos procuradores. Constam
ainda os nomes do ex-deputado, não eleito este ano, Bernardo Rossi
(Solidariedade) e do candidato Marcus Venissius (Podemos). O subsecretário de
Habitação, Allan Borges, completa a relação.
A representação, ao ser ajuizada junto ao
Tribunal Regional Eleitoral do Rio (TRE-RJ), passa a tramitar como ação de
investigação judicial eleitoral (AIJE). Por lei, a competência natural para
assumir a relatoria do caso é do corregedor do TRE, desembargador estadual João
Ziraldo Maia (no total, são sete membros).
O pedido, assinado pela procuradora
regional eleitoral do Rio, Neide Mara Cavalcanti Cardoso de Oliveira, e pelo
procurador substituto, Flávio Paixão, entende que Castro e os demais envolvidos
estão incursos nos artigos 73 da Lei 9504/97 (que estabelece normas para as
eleições) e 22 da LC 64/90 (Lei de Inelegibilidade), ambas relacionadas a
condutas vedadas aos candidatos. A investigação não atingiu só os políticos
eleitos, mas também os que não se candidataram, mas contribuíram com o ilícito.
"Tal esquema tinha claro objetivo de
utilização da máquina pública estadual, à exclusiva disposição dos
representados, e permitiu o escoamento de recursos públicos que foram
indevidamente utilizados para promover as suas candidaturas e cooptar votos
para as suas respectivas vitórias nas urnas, atendendo interesses pessoais
escusos para a perpetuação desses políticos nos cargos eletivos do Estado do
Rio de Janeiro, sobrepondo-se ao interesse coletivo" diz outro trecho do
documento.
No caso do artigo 73, o parágrafo III
proíbe o acusado de ceder servidor público ou empregado da administração direta
ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus
serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou
coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou
empregado estiver licenciado.
Em nota, o ex-secretário Gutemberg da
Fonseca afirmou que se surpreendeu com a representação e que nunca teve qualquer
vínculo com o Ceperj. Já o deputado federal reeleito Aureo Ribeiro disse, por
meio de nota enviada por sua assessoria, que não tem conhecimento de nenhuma
denúncia, e reiterou seu compromisso com a lisura eleitoral.
O deputado Max Lemos diz que enquanto
esteve à frente da secretaria de Obras, sua atuação "foi exclusivamente
dedicada à causa pública". Marcos Venissius afirma que não é agente
público e "jamais exerceu qualquer influência sobre o Ceperj". Allan
Borges também negou as acusações.
As investigações no âmbito eleitoral
começaram em julho, com a abertura de um procedimento preparatório eleitoral
logo após a divulgação do escândalo dos cargos secretos e saques na
boca do caixa de funcionários do Ceperj.
Na investigação, O MPF trocou informações
com o Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ), que produziu relatórios sobre as
contratações do Ceperj e Uerj sem amparo legal, e com a 6ª Promotoria de Tutela
Coletiva da Capital, do Ministério Público do Estado (MPRJ), que abriu uma ação
civil pública e já obteve decisão junto à Justiça fluminense para sustar os
pagamentos ao alegar “nítida
afronta às normas de prevenção à lavagem de dinheiro”.
A lista do Ceperj soma cerca de 27 mil
beneficiados, que receberam em torno de R$ 248 milhões este ano para
supostamente atuar em ações sociais. Um cruzamento de dados feito pelo GLOBO
expôs a conexão política de quem trabalhou na fundação. Ao todo, há cerca de
500 ex-funcionários do Ceperj que participaram das campanhas de candidatos a
deputados federais e cerca de 180 nomes na lista de pagamentos que atuaram no
pleito junto a candidatos a deputados estaduais.
Além disso, o orçamento da fundação cresceu
mais de 20 vezes de 2020 até este ano: passou de cerca de 21 milhões em 2020
para 127 milhões em 2021. Já em 2022, tinha até agosto em torno de 500 milhões
em despesas empenhadas.
Mas a explosão de gastos do governo do Rio
com a contratação de pessoal terceirizado este ano não se restringiu à Fundação
Ceperj. Dados da Transparência fluminense mostram que, na Uerj, os valores
empenhados para cobrir esse tipo de despesa até 1º de dezembro de 2022 já
superavam em 361% os registrados no mesmo período de 2021. As contratações para
21 projetos da universidade em parceria com secretarias e fundações chegaram a
motivar, em agosto, um pedido da Comissão de Tributação da Assembleia Legislativa
do Rio (Alerj) para que o TCE-RJ as analisasse.
Os acordos estão na mira de duas auditorias
no Tribunal de Contas. Na que examina especificamente o projeto Observatório
Social da Operação Segurança Presente, os conselheiros apontaram indícios de
irregularidades que poderiam resultar em “grave dano ao erário”, com práticas
parecidas com as do Ceperj. A Uerj nega qualquer irregularidade em seus
projetos.
Decreto de Castro abriu caminho para
aumento de despesas
Em decreto publicado no Diário Oficial do
Estado em 9 de março, Castro mudou os objetivos principais do órgão. Antes
voltado apenas para o recrutamento de pessoal, capacitação e formação de
servidores públicos, e a coleta de dados estatísticos e cartográficos passou a
incluir a execução de programas e projetos de cooperação entre os órgãos
integrantes da administração pública e apoio a “projetos de experimentação”.
O decreto permitiu o fornecimento de mão de
obra a órgãos do governo estadual, em contratos com prazo determinado e
mediante contratação direta por Recibo de Pagamento Autônomo (RPA).
Durante a campanha eleitoral, ao se
pronunciar pela primeira vez sobre o Ceperj, o governador disse que, após
surgirem questionamentos sobre a gestão de programas sociais desenvolvidos pela
fundação em parceria com secretarias estaduais, determinou a imediata a
instauração de uma comissão para apurar “com rigor e energia” o que ocorria. Em
setembro, um resultado preliminar da auditoria apontou irregularidades e
recomendou o cancelamento dos projetos do Ceperj.
Quando as primeiras denúncias surgiram,
Castro anunciou a substituição do então presidente do Ceperj, Gabriel Lopes,
“assim como a proposição imediata de um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta)
com o MP estadual para corrigir rumos e não prejudicar importantes programas
sociais”. O governador disse que era o “maior interessado para que tudo seja
esclarecido o quanto antes”. Em meio a essa turbulência, Gabriel Lopes informou
que havia pedido exoneração do cargo no dia anterior.
Rio de Janeiro se transformou numa lambança generalizada,e faz tempo.
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