Lula ganha a primeira
O Estado de S. Paulo
Ainda sem a caneta presidencial, mas já de olho na formação de sua base, petista mostra poder de articulação ao fazer avançar sua proposta de aumento de gastos sem grandes concessões
A aprovação da Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) da Transição pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ)
no Senado foi o primeiro teste político a que o presidente eleito Luiz Inácio
Lula da Silva foi submetido. Ainda que haja muitas fases de votação até a
promulgação do texto, na etapa inaugural, o petista passou. A proposta original
de sua equipe permitia a expansão de quase R$ 200 bilhões em gastos no
Orçamento de 2023 e retirava as despesas do Bolsa Família do teto por quatro
anos. Até o momento, financeiramente Lula perdeu pouco e, politicamente, ganhou
muito, algo fundamental para sua governabilidade.
Na CCJ, Lula da Silva garantiu um aumento do teto de R$ 145 bilhões, que pode chegar a R$ 168,9 bilhões se houver receitas extraordinárias para financiar investimentos. Embora não tenha retirado o Bolsa Família do teto, o governo eleito assegurou um prazo de dois anos para a vigência da PEC, suficiente para atravessar as eleições municipais de 2024 sem ter de lidar com novos contratempos de ordem fiscal.
Na Câmara, há uma articulação para reduzir
o valor aberto no Orçamento e também o prazo da PEC. Mas o fato de que o texto
permite que o excesso de arrecadação deste ano ajude o governo Jair Bolsonaro a
fechar as contas pode facilitar sua tramitação entre os deputados. Ademais, o
Centrão tende a compor com qualquer governo, e o discurso pela aprovação da PEC
atrelado a demandas sociais sempre encontra respaldo entre os parlamentares –
ainda que os gastos dessas propostas sempre extrapolem tais preocupações.
Se a PEC estivesse restrita apenas ao Bolsa
Família, Lula precisaria de um espaço no Orçamento de R$ 70 bilhões,
considerando a manutenção do piso em R$ 600 e o valor extra de R$ 150 por
criança. Qualquer espaço adicional, portanto, ficará livre para gastos e estará
vinculado a solicitações da equipe de transição, mas também, segundo o texto,
às comissões permanentes do Legislativo – colegiados cuja presidência é
escolhida com base na composição do bloco vencedor da eleição pelo comando da
Câmara e do Senado e na participação proporcional dos partidos nesses grupos.
Isso não necessariamente significa caminho
fácil no Congresso para Lula nos próximos quatro anos – há muitos bolsonaristas
eleitos dispostos a fazer oposição ferrenha a seu mandato na Câmara e no Senado
–, mas certamente ajuda a compor uma base de sustentação. O texto da PEC da
Transição revela uma tentativa do governo eleito de favorecer escolhas
coletivas em detrimento de lideranças individuais na indicação das dotações
orçamentárias. Se bem utilizada, a estratégia pode favorecer as políticas
públicas elencadas pelo governo e reduzir a força das emendas de relator, maior
símbolo da falta de comando do Executivo sobre o Orçamento.
No mundo da economia, a avaliação é
diferente, tanto que alguns investidores acreditam que o Banco Central (BC)
manterá a taxa básica de juros no atual patamar ao longo de todo o ano de 2023
para conter a inflação. Nesse ambiente, o sucesso do governo Lula dependerá da
âncora fiscal que substituirá o teto de gastos e que ele terá de enviar ao
Congresso até agosto, por meio de lei complementar. Se o texto for mantido da
forma como a CCJ o aprovou, é tempo mais do que suficiente para negociar um
novo arcabouço que resgate a credibilidade fiscal do País. Até lá, o que se espera
é que o governo eleito entenda a necessidade de atrelar responsabilidade fiscal
e social e que elabore uma regra crível e estável, que sinalize a disposição de
controlar os gastos após a correção das condições que tornaram o Orçamento
inexequível.
Aprovar uma âncora fiscal e mantêla fora da
Constituição é desejável, principalmente porque tal regra demandaria maioria
simples no Legislativo. Há muitos outros desafios a serem negociados,
principalmente projetos que favoreçam o crescimento econômico, como a sempre
adiada reforma tributária. Para todos eles, a formação de uma base no Congresso
é um primeiro e imprescindível passo, premissa que parece ter guiado as negociações
sobre a PEC da Transição.
Com PEC, gastos sob o teto terão
crescimento real
Valor Econômico
O teto aumentou em decorrência de um
mecanismo que sua concepção original não prevê, outra maneira de contornar
restrições a despesas
A PEC da Transição, um acordo entre o
governo eleito e as lideranças do Congresso, busca o caminho do meio termo
entre os interesses do Centrão - em especial, o pagamento de R$ 7,4 bilhões de
emendas do relator, bloqueadas - e os de Lula, de obter o maior espaço possível
para gastar sem ter de compensar as despesas e sem fazer promessas de ajuste
fiscal para o futuro. Na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, a
proposta original de R$ 198 bilhões foi cortada em R$ 30 bilhões, e o salvo
conduto de sua validade por todo o próximo mandato foi reduzido a dois anos.
Penduricalhos foram agregados e outros ainda podem ser até a votação final.
A posição do PT é subalterna na negociação
- ele não tem votos suficientes para impedir nada. Os líderes do Centrão estão
dando as cartas e obtendo o que lhes interessa, mas o saldo para o próximo
governo é positivo, pois o orçamento legado pelo governo de Jair Bolsonaro é
inexequível - não contempla sequer a manutenção dos R$ 600 para o Auxílio
Brasil e aniquilou programas sociais.
A PEC foi vista como expediente útil para
salvar o orçamento secreto e gastos de fim de exercício já que, pelo texto
costurado, sua aprovação em dezembro, com vigência imediata, abriria espaço
para que o excesso de arrecadação contemplasse despesas imediatas, que estão
contingenciadas (R$ 15,4 bilhões). As receitas líquidas da União estão R$ 211
bilhões acima das previstas na lei orçamentária.
A PEC que saiu da CCJ não é a mesma que
entrou. Em vez de furar o teto de gastos em R$ 198 bilhões, ela aumenta o teto
de gastos em R$ 145 bilhões e exclui dos limites do teto 6,5% da arrecadação
extraordinária da União em 2021, ou R$ 23 bilhões, para investimentos. Ou seja,
o teto aumentou em decorrência de um mecanismo que sua concepção original não
prevê, outra maneira de contornar restrições a despesas. A PEC dá dois anos
para que o montante destinado ao pagamento do Auxílio Brasil, acréscimo de R$
150 para famílias com crianças até 6 anos no programa e aumento do salário
mínimo inflem o teto.
Algumas liberalidades incluídas na PEC
fazem sentido, como retirar do teto despesas com projetos socioambientais e de
instituições federais de ensino bancados com doações e, no caso dos últimos,
também com receitas próprias. Outras são polêmicas, como a exclusão de
investimentos em transportes feitas com dívidas junto a instituições
multilaterais, como Banco Mundial. Algumas sugerem espertezas para liberar
recursos, como a retirada do teto da execução de obras de engenharia pagos com
verbas de transferência para os Estados.
Ao elevar o teto, os R$ 168 bilhões da PEC
seguirão as regras do mecanismo em 2023 e 2024, caso nada seja mudado na
tramitação nos plenários. Por outro lado, a nova despesa extra permite o
aumento real das despesas (proibido pelo teto) em 9,3% - o limite estabelecido
para o orçamento de 2022 é de R$ 1,68 trilhão, que, para 2023, será corrigido
pelo IPCA, provavelmente de 5,8% (a estimativa constante da lei orçamentária é
de 7,2%, ou R$ 24 bilhões a mais).
Haverá piora nas contas públicas, embora,
claro, um pouco menor que se fosse aprovada a proposta original. Em um ano de
crescimento ao redor de 3%, a arrecadação federal avançou 9,35% em termos reais
e terá comportamento menos favorável em 2023, com expansão da economia ao redor
de 1%. A arrecadação aumentará provavelmente menos que o acréscimo de despesas
sob o teto elevado pela PEC.
O grande fator de aumento da dívida bruta,
mesmo que se mantenham constantes as despesas permitidas pelo teto, são os
juros. Há olhar despreocupado sobre o fato de o déficit primário não subir
muito, mas os juros já estão em escala alarmante - 6% reais - e são
desconsiderados, assim como a inflação. Os estímulos fiscais trazidos pela
injeção de R$ 168 bilhões tendem a elevar a demanda e frear a queda da
inflação, ainda fora da meta. Os juros da dívida pública consumiram R$ 448
bilhões em 2021, quando eram baixos, e ultrapassarão os R$ 500 bilhões em 2022.
Cada ponto percentual a mais na Selic aumentam a dívida em R$ 37 bilhões.
Quando os cálculos incluem despesas financeiras, a situação fiscal não é nada confortável. As despesas totais do governo geral atingiram 49,5% do PIB ao fim do segundo trimestre, segundo o Tesouro, ou 3,4 pontos percentuais do PIB acima do mesmo período do ano anterior. Sem um mecanismo explícito de ajuste fiscal, até agora não anunciado pelo novo governo, a dívida bruta só terá um rumo - para cima - com conhecidas consequências.
O valor do jornalismo
O Estado de S. Paulo
Big techs devem remunerar empresas jornalísticas
por conteúdo que lhes traz audiência e dinheiro; não é só retribuição ética e
comercial: é a salvaguarda do jornalismo e da democracia
O Congresso dos Estados Unidos está pronto
para votar um projeto de lei que, como o nome indica, é de suma importância
para a devida valorização do jornalismo profissional no país e, em última
análise, para salvaguardar a própria democracia americana. Trata-se da Lei de
Concorrência e Preservação do Jornalismo (JCPA, na sigla em inglês), marco
legal inspirado na inovadora legislação da Austrália, aprovada em fevereiro de
2021, que determina que as grandes empresas de tecnologia, as chamadas big
techs, remunerem as empresas de comunicação e mídia pela produção do conteúdo
que circula nas redes sociais digitais.
Para surpresa de ninguém, a aprovação da
JCPA enfrenta enorme resistência das big techs, principalmente da Meta, holding
que controla o Facebook, o Instagram e o Whatsapp, três das redes sociais mais
populares no mundo inteiro. A Meta chegou a ameaçar interromper a veiculação de
conteúdos produzidos por empresas jornalísticas dos Estados Unidos caso o
Congresso americano, como se espera, aprove o projeto de lei. A mesma ameaça
fora feita pela empresa ao Congresso australiano. Por um curto período, a Meta,
de fato, deixou de publicar conteúdo produzido por empresas de comunicação na
Austrália, mas logo voltou atrás da decisão ao perceber que a bravata ficou
cara.
As big techs ganham muito dinheiro
explorando o conteúdo produzido diariamente pelas empresas jornalísticas, que
arcam sozinhas com todo o custo dessa produção. Informação confiável, é bom
lembrar, é um ativo valiosíssimo, fundamental para a tomada de um semnúmero de
decisões nas esferas pública e privada. E custa muito caro. Não é justo,
portanto, que as big techs enriqueçam explorando o trabalho e o investimento
alheios.
O conteúdo produzido pelas empresas de
comunicação, altamente qualificado por ser confiável, pois apurado com rigor
técnico e ética profissional, é um refrigério de racionalidade e lucidez em um
ambiente predominantemente marcado pela desordem informacional, por mentiras,
teorias conspiratórias e agressões. É verdade que muitos usuários das redes
sociais delas só se utilizam para disseminar ou consumir esse tipo de conteúdo
abjeto. Mas, em contrapartida, não é desprezível o contingente de pessoas, e
não apenas nos Estados Unidos, que usam as redes sociais digitais para se
informar, como uma ponte até os conteúdos relevantes produzidos pelas empresas
de comunicação. Ora, isso gera uma audiência em escala planetária para as
plataformas geridas pelas big techs, o que as torna veículos preferenciais no
mercado publicitário.
Com razão, a News Media Alliance (NMA),
entidade que congrega os principais veículos de comunicação dos Estados Unidos,
alertou que, “se o Congresso não agir logo, as mídias sociais logo vão
substituir os jornais locais como fonte de informação para os americanos”. Esse
risco é muito concreto. A máquina de desinformação montada pelo ex-presidente
Donald Trump libera seu lixo tóxico até hoje.
A NMA também acerta ao dar ênfase aos
riscos para a sobrevivência dos veículos jornalísticos de pequeno e médio
portes. Não são os grandes jornais americanos, como The New York Times, The
Washington Post ou The Wall Street Journal, que dependem da remuneração das big
techs para continuar suas atividades. Esses veículos contam com o enorme poder
de atração de suas marcas – adquirido ao longo de muitas décadas de construção
de uma relação de confiança com seus leitores – para atrair assinaturas e
publicidade. É o conteúdo de veículos menores que ganha tração com a audiência
extraordinária das redes sociais.
Não há democracia quando o debate público é
travado sob falsas premissas, pautado por mentiras e distorções da realidade,
sem um consenso social mínimo acerca do que seja fato. O jornalismo
profissional, como o guardião da verdade factual, é uma das engrenagens
fundamentais do sistema de preservação do regime democrático. O Congresso
americano se vê em meio a uma deliberação que vai muito além da remuneração dos
veículos de comunicação pela exploração de seus conteúdos pelas big techs. Ao
fim e ao cabo, é a democracia que está em jogo. E essa reflexão precisa avançar
no Brasil.
A hora da verdade para Cristina
O Estado de S. Paulo
Ao se dizer vítima de perseguição política,
vice-presidente desmoraliza a democracia argentina
Apolítica mais poderosa da Argentina, a vice-presidente
Cristina Kirchner, foi condenada por três juízes a seis anos de prisão e
inabilitação perpétua para cargos públicos por fraudes ao Estado, no chamado
caso Vialidad.
O peronismo denuncia uma conspiração
orquestrada entre oposição, magistrados, imprensa e empresários contra aquela
que, diz a lenda, os enfrentou em defesa do povo – ainda que 80% desse povo,
segundo pesquisas, acredite que ela seja culpada. Não faltou quem comparasse
sua condenação à de Lula da Silva, a começar pela própria Cristina. De fato, é
a primeira vez que um membro do alto escalão executivo, que, além disso, é
líder do partido governante e ex-presidente da República, é condenado por
corrupção.
Mas há diferenças. Primeiro, promotores e
juízes, talvez contemplando o precedente da Lava Jato, parecem ter sido mais
diligentes com o devido processo legal. Depois, as provas são mais robustas.
Por fim, a retaliação do governo foi muito mais agressiva.
O Tribunal considerou que em seu mandato
(200715) Kirchner fraudou licitações para direcionar contratos de vias públicas
a Lázaro Baéz, um amigo de família que se tornou sócio de negócios. Nesse
período, quase todas as obras da província de Santa Cruz foram adjudicadas a
Baéz, que era um modesto bancário até Néstor Kirchner, marido de Cristina,
assumir a presidência em 2003. Naquele ano ele criou sua empreiteira. Quando a
fechou, no mesmo ano em que terminou o mandato de Cristina, era o
multimilionário “czar da construção”. Baéz cobrou antecipadamente por todas as
51 obras, mas a maioria não foi terminada e só uma não exigiu desembolsos
extras. Os juízes encontraram evidências de que Kirchner recebeu dinheiro em
troca dos benefícios.
Voltando às similaridades com o caso Lula,
a defesa se empenhou mais em contestar formalidades do que o mérito, numa
estratégia mais política que judicial. Desde o início, Kirchner acusou a
perseguição de um “partido judicial”, logo transformado em uma “máfia judicial”
e, finalmente, num “pelotão de fuzilamento” – slogans repetidos por sua
militância –, ainda que a única evidência seja a foto de um juiz e um promotor
jogando futebol em uma chácara do ex-presidente Mauricio Macri.
Mais graves foram as tentativas de abusar
dos poderes do Executivo. Há indícios de que serviços de inteligência foram
empregados para espionar juízes, e Kirchner propôs reformas judiciais para
modificar a nomeação do procurador-geral e quintuplicar o colegiado da Suprema
Corte.
Kirchner já foi investigada por uma dúzia de casos. Foi inocentada em dois e quatro foram abandonados. Em relação ao caso Vialidad, por ora, não cumprirá a pena, porque mantém foro de vice-presidente e pode apelar à Câmara de Cassação e à Suprema Corte. Apesar de habilitada, ela diz que não concorrerá nas eleições do ano que vem. Mas com certeza intensificará sua estratégia de politizar a Justiça. Esperase que essa Justiça tenha aprendido com os excessos brasileiros e se limite a julgá-la pelas acusações feitas pelos procuradores, deixando o julgamento de sua política para o povo argentino.
O Globo
Nos EUA, Twitter e Facebook têm driblado
iniciativas que tornariam ambiente informativo mais saudável
É preocupante o rumo que tem tomado a
regulação das redes sociais. Nos Estados Unidos, país crítico para disciplinar
as principais plataformas digitais, Twitter e Facebook têm conseguido barrar ou
driblar iniciativas que tornariam o ambiente informativo mais saudável. A
repercussão é sentida no mundo todo, em particular num Brasil onde, da vacina à
urna eletrônica, a desinformação ainda campeia solta.
Com o pretexto de proteger a liberdade de expressão, o bilionário Elon Musk reviu políticas do Twitter sobre moderação de conteúdo e reinstaurou contas banidas sob acusação de disseminar fake news. Dois efeitos se fizeram sentir. Primeiro, voltou a circular — sem nenhum alerta — conteúdo fraudulento sobre Covid-19. Segundo, cresceu o discurso de ódio racista, homofóbico ou antissemita.
Ao mesmo tempo, o Conselho de Supervisão da
Meta, controladora do Facebook, denunciou em relatório que a empresa ofereceu
tratamento privilegiado ao moderar o conteúdo de usuários célebres, permitindo
a veiculação de desinformação ou de informações danosas. Entre os beneficiados
pela regalia estão o ex-presidente Donald Trump e o atacante da seleção
brasileira Neymar Jr. Em geral, contas de celebridades trazem maior retorno em
audiência e publicidade para a empresa.
Para completar, um porta-voz da Meta fez no
início da semana uma ameaça explícita aos congressistas americanos que examinam
um projeto de lei para obrigar as gigantes digitais a remunerar os produtores
do conteúdo jornalístico veiculado em redes sociais. “Seremos forçados a
considerar a remoção total de notícias de nossa plataforma”, afirmou. A ameaça
surtiu efeito. No dia seguinte, o projeto deixou de ter prioridade no Congresso
americano.
Antes de o Parlamento da Austrália aprovar
lei semelhante, a Meta fez ameaças do mesmo teor. Chegou a bloquear notícias e
informações sobre serviços essenciais, depois voltou atrás. Em outubro,
parlamentares canadenses que examinam uma lei do tipo foram ameaçados. É
possível que o Congresso brasileiro seja o próximo alvo. O texto do Projeto de
Lei 2.630/2020, o PL das Fake News, prevê a remuneração aos produtores dos
conteúdos jornalísticos usados nas redes sociais.
A aprovação dessa lei incentivaria a
produção de informação de qualidade e traria um mínimo de justiça a um meio
onde as plataformas digitais agem como parasitas. Seu modelo de negócio está
baseado na manutenção do usuário na rede pelo maior tempo possível — ou
“engajamento”. E conteúdo jornalístico, todos sabem, é uma maneira eficaz de
manter usuários “engajados”. Usá-lo sem pagar um tostão a quem produz aumenta o
lucro das plataformas, corrói a saúde financeira dos veículos de imprensa e
destrói as chances de sobrevivência dos menores, em particular os locais ou
regionais.
Depois que o papel das redes sociais na
disseminação de desinformação ficou evidente, autoridades do mundo todo se
mobilizaram para discipliná-las. Países europeus, Austrália e outras democracias
têm dado exemplos felizes de regulação que fortalece o jornalismo profissional
e preserva o equilíbrio entre liberdade de expressão e combate às fake news. As
próprias plataformas haviam adotado uma postura mais construtiva — ao menos no
discurso. As atitudes recentes do Twitter e do Facebook mostram, porém, que
tudo não passou de teatro.
Novo governo terá desafio de reerguer
universidades federais
O Globo
Asfixiado pela gestão irresponsável do MEC
sob Bolsonaro, ensino superior termina o ano em estado de apagão
A situação financeira agonizante das
universidades públicas brasileiras neste fim de ano é o epílogo do roteiro de
desprezo pela educação encenado pelo governo Jair Bolsonaro ao longo de seus
quatro anos. Não poderia ser diferente diante dos descaminhos do MEC. Há um
problema prático a resolver — e ele não pode ser empurrado ao próximo governo.
Universidades estão sem recursos para fazer os pagamentos mais básicos.
A Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ) anunciou que não tem dinheiro para pagar neste mês a Bolsa Permanência,
auxílio que permite a alunos de baixa renda cursar o ensino superior. Informou
ainda que será impossível pagar bolsas acadêmicas, de extensão, monitoria e
iniciação científica. Na Universidade de Brasília (UnB), a situação também é
dramática. Não há recursos para pagar auxílio estudantil, contratos do
restaurante universitário, serviços de segurança, manutenção, limpeza e até
projetos de pesquisadores. A pe-núria se repete nas universidades federais de
São Carlos (UFSCar), do ABC (UFABC) e diversas outras.
A asfixia financeira é consequência de mais
um bloqueio feito pelo governo federal para tentar pôr as despesas nos eixos,
depois da gastança desenfreada com intuito de reeleger o presidente Jair
Bolsonaro. Segundo a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições
Federais de Ensino Superior (Andifes), R$ 431 milhões de transferências às
universidades foram bloqueados na semana passada.
O ministro da Educação, Victor Godoy,
quinto titular da pasta no governo Bolsonaro, reconhece as dificuldades
financeiras. Admitiu a integrantes da equipe de transição para o novo governo
que o ministério não tem dinheiro para pagar os cerca de 14 mil médicos
residentes. De acordo com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (Capes), 200 mil bolsistas já deixarão de receber nos próximos dias.
Cortes e contingenciamentos de despesas são
normais. Já eram esperados num governo que abriu as torneiras sem se preocupar
com as limitações do Orçamento. A questão é onde cortar. É sintomático que o
Ministério da Educação seja um dos alvos preferenciais das tesouradas. A pasta
sempre foi vista pelo governo como palco da guerra cultural que anima as hostes
bolsonaristas. Destacou-se mais pela rotatividade dos ministros e denúncias de
corrupção que pelas políticas de educação, tão necessárias ao país. O Tribunal
de Contas da União (TCU) e os tribunais de contas estaduais detectaram 30 mil
indícios de irregularidade na aplicação do Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).
É preciso que o atual governo garanta um mínimo de recursos às universidades. Seria o cúmulo que parassem de funcionar ou deixassem de pagar auxílio aos estudantes carentes, ampliando ainda mais a desigualdade na educação. Ao novo governo, caberá recolocar no rumo a área mais importante para o futuro do país.
Menos é mais
Folha de S. Paulo
Com reforma, número de partidos segue em queda, o que facilita votar e governar
Instituída por emenda constitucional em
2017, a chamada
cláusula de desempenho, ou de barreira, tem contribuído para diminuir o número
exorbitante de partidos representados na Câmara dos Deputados
—um indicador da fragmentação que dificulta a tarefa de formar maiorias e
governar o país.
A norma, que estabelece resultados
eleitorais mínimos para que as legendas tenham acesso a recursos do fundo
partidário e outros privilégios, mostra agora efeitos mais visíveis, alguns
deles recentes.
Desde a eleição, em outubro, houve duas
incorporações (o Pros pelo Solidariedade e o PSC pelo Podemos) e uma fusão, de
Patriota e PTB, ainda não oficializadas na Justiça. O número de
siglas na Câmara caiu, com isso, de 23 para 20. Há apenas
quatro anos, eram 30.
A melhora do quadro também pode ser
observada com um cálculo mais sofisticado, levando em conta a quantidade de
partidos efetivos —um conceito da ciência política que considera também o
tamanho da bancada, de modo a reduzir a importância relativa de agremiações
minúsculas.
Por essa metodologia, a eleição de 2018
colocou 16,6 partidos efetivos na Câmara, um recorde na redemocratização do
país. Ao longo da legislatura 2019-2022, com fusões e migrações, a cifra caiu
para 11,8. Consideradas as bancadas eleitas em outubro último, baixou a 9,9 e,
com as fusões recentes, a 9,8.
Legendas à direita elevam a fragmentação
efetiva da Câmara. Três das quatro maiores, PL, União Brasil e PP, não
apresentam grandes diferenças ideológicas. A primeira e a terceira, recorde-se,
foram esteios do governo Jair Bolsonaro (PL).
Essas e outras siglas preferem manter
existência própria porque se especializam na captação de recursos políticos
previstos em lei, na distribuição de emendas ao Orçamento e na obtenção de
cargos públicos. Seus líderes, no mais das vezes, são homens de negócios.
Em alguns casos, ademais, partidos evitam
fusões por disputas e querelas de caciques regionais. Se levada em conta apenas
a orientação programática, faz pouco sentido haver tantas legendas de bancadas
medianas ou pequenas ao centro, como MDB, PSD e PSDB, ou à esquerda, como PSB e
PDT.
A legislação da cláusula de desempenho, que
vai se tornar mais rígida e precisa ser mantida, já contribuiu para reduzir a
distorção causada pelas agremiações nanicas. É preciso avançar.
Um número mais razoável de legendas
facilitará a negociação entre Executivo e Legislativo e tornará o quadro
político mais compreensível para o eleitor. O excesso interessa somente a
caciques e burocratas partidários.
Barreira ambiental
Folha de S. Paulo
Restrição da UE a commodities por desmate
tem efeito limitado sobre clima
Há anos sabia-se que uma hora o
mercado internacional imporia barreiras para commodities brasileiras
provenientes de desmatamento, e elas agora foram concretizadas pela
União Europeia (UE).
A nova legislação não afeta só o Brasil.
Qualquer nação com florestas ameaçadas pelo avanço da agropecuária terá de
comprovar que suas cadeias de produção de soja, carne bovina, madeira, cacau,
café etc. não envolveram áreas desmatadas após dezembro de 2020.
O impacto sobre o agronegócio brasileiro é
inevitável. Além de se destacar na exportação de vários desses produtos (soja e
carne à frente), o país é o atual líder mundial em desmatamento —que voltou a
crescer sob Jair Bolsonaro (PL), sobretudo na Amazônia.
O pretexto da iniciativa europeia é
preservar a biodiversidade e conter a emissão de gases do efeito estufa.
Objetivos louváveis, ainda que alguns aspectos da medida ponham em questão seu
alcance.
Entidades ambientalistas apontam
incongruências. O cerrado,
por exemplo, não foi incluído no rol de biomas protegidos, só a
floresta amazônica e a mata atlântica.
Mas a savana brasileira abriga muito
carbono, enorme diversidade de espécies e está bem mais ameaçada do que a
floresta tropical —já perdeu metade da cobertura original. Lá se produz grande
parte da soja e da carne exportadas.
Com as restrições europeias à Amazônia,
aumentará a pressão sobre o cerrado. Pode haver revisão das regras à frente,
mas cabe apontar o alcance limitado da medida.
O setor agropecuário do Brasil gera cerca
de 3% das emissões mundiais de carbono e demorará anos até que os sistemas de
auditoria ambiental exerçam efeitos. A UE é o segundo maior importador de
nossas commodities, mas ainda fica atrás da China —para não falar do mercado
interno.
Há, por fim, o problema representado pela
parte do desmatamento que, embora ínfima, ocorre de maneira legal. Mesmo que a
interrupção de todo e qualquer desmate seja objetivo anunciado pelo presidente
eleito, não seria juridicamente defensável embargar essa produção, por menor
que seja.
Brasil e outras nações com florestas devem
preservá-las por dever ético e interesse próprio, não apenas sob pressão. Já
países ricos, como os da Europa, contribuiriam mais para conter a emergência
climática acelerando a descarbonização dos setores de energia e transportes no
mundo, inclusive financiando a transição nas regiões de renda baixa e média.
"Asfixiado pela gestão irresponsável do MEC sob Bolsonaro, ensino superior termina o ano em estado de apagão"
ResponderExcluirBeeeem, gado esperando ET, crendo em transposição da alma do bozo e outras estupidezes não deve ter estudado (assim como o genocida nunca leu um livro), daí q não valoriza o ensino mesmo.
Toda a gestão do palerma da República foi/é irresponsável - milico pazzuelo não me deixa mentir.