quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Lula ganha a primeira

O Estado de S. Paulo

Ainda sem a caneta presidencial, mas já de olho na formação de sua base, petista mostra poder de articulação ao fazer avançar sua proposta de aumento de gastos sem grandes concessões

A aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) no Senado foi o primeiro teste político a que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva foi submetido. Ainda que haja muitas fases de votação até a promulgação do texto, na etapa inaugural, o petista passou. A proposta original de sua equipe permitia a expansão de quase R$ 200 bilhões em gastos no Orçamento de 2023 e retirava as despesas do Bolsa Família do teto por quatro anos. Até o momento, financeiramente Lula perdeu pouco e, politicamente, ganhou muito, algo fundamental para sua governabilidade.

Na CCJ, Lula da Silva garantiu um aumento do teto de R$ 145 bilhões, que pode chegar a R$ 168,9 bilhões se houver receitas extraordinárias para financiar investimentos. Embora não tenha retirado o Bolsa Família do teto, o governo eleito assegurou um prazo de dois anos para a vigência da PEC, suficiente para atravessar as eleições municipais de 2024 sem ter de lidar com novos contratempos de ordem fiscal.

Na Câmara, há uma articulação para reduzir o valor aberto no Orçamento e também o prazo da PEC. Mas o fato de que o texto permite que o excesso de arrecadação deste ano ajude o governo Jair Bolsonaro a fechar as contas pode facilitar sua tramitação entre os deputados. Ademais, o Centrão tende a compor com qualquer governo, e o discurso pela aprovação da PEC atrelado a demandas sociais sempre encontra respaldo entre os parlamentares – ainda que os gastos dessas propostas sempre extrapolem tais preocupações.

Se a PEC estivesse restrita apenas ao Bolsa Família, Lula precisaria de um espaço no Orçamento de R$ 70 bilhões, considerando a manutenção do piso em R$ 600 e o valor extra de R$ 150 por criança. Qualquer espaço adicional, portanto, ficará livre para gastos e estará vinculado a solicitações da equipe de transição, mas também, segundo o texto, às comissões permanentes do Legislativo – colegiados cuja presidência é escolhida com base na composição do bloco vencedor da eleição pelo comando da Câmara e do Senado e na participação proporcional dos partidos nesses grupos.

Isso não necessariamente significa caminho fácil no Congresso para Lula nos próximos quatro anos – há muitos bolsonaristas eleitos dispostos a fazer oposição ferrenha a seu mandato na Câmara e no Senado –, mas certamente ajuda a compor uma base de sustentação. O texto da PEC da Transição revela uma tentativa do governo eleito de favorecer escolhas coletivas em detrimento de lideranças individuais na indicação das dotações orçamentárias. Se bem utilizada, a estratégia pode favorecer as políticas públicas elencadas pelo governo e reduzir a força das emendas de relator, maior símbolo da falta de comando do Executivo sobre o Orçamento.

No mundo da economia, a avaliação é diferente, tanto que alguns investidores acreditam que o Banco Central (BC) manterá a taxa básica de juros no atual patamar ao longo de todo o ano de 2023 para conter a inflação. Nesse ambiente, o sucesso do governo Lula dependerá da âncora fiscal que substituirá o teto de gastos e que ele terá de enviar ao Congresso até agosto, por meio de lei complementar. Se o texto for mantido da forma como a CCJ o aprovou, é tempo mais do que suficiente para negociar um novo arcabouço que resgate a credibilidade fiscal do País. Até lá, o que se espera é que o governo eleito entenda a necessidade de atrelar responsabilidade fiscal e social e que elabore uma regra crível e estável, que sinalize a disposição de controlar os gastos após a correção das condições que tornaram o Orçamento inexequível.

Aprovar uma âncora fiscal e mantêla fora da Constituição é desejável, principalmente porque tal regra demandaria maioria simples no Legislativo. Há muitos outros desafios a serem negociados, principalmente projetos que favoreçam o crescimento econômico, como a sempre adiada reforma tributária. Para todos eles, a formação de uma base no Congresso é um primeiro e imprescindível passo, premissa que parece ter guiado as negociações sobre a PEC da Transição.

Com PEC, gastos sob o teto terão crescimento real

Valor Econômico

O teto aumentou em decorrência de um mecanismo que sua concepção original não prevê, outra maneira de contornar restrições a despesas

A PEC da Transição, um acordo entre o governo eleito e as lideranças do Congresso, busca o caminho do meio termo entre os interesses do Centrão - em especial, o pagamento de R$ 7,4 bilhões de emendas do relator, bloqueadas - e os de Lula, de obter o maior espaço possível para gastar sem ter de compensar as despesas e sem fazer promessas de ajuste fiscal para o futuro. Na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, a proposta original de R$ 198 bilhões foi cortada em R$ 30 bilhões, e o salvo conduto de sua validade por todo o próximo mandato foi reduzido a dois anos. Penduricalhos foram agregados e outros ainda podem ser até a votação final.

A posição do PT é subalterna na negociação - ele não tem votos suficientes para impedir nada. Os líderes do Centrão estão dando as cartas e obtendo o que lhes interessa, mas o saldo para o próximo governo é positivo, pois o orçamento legado pelo governo de Jair Bolsonaro é inexequível - não contempla sequer a manutenção dos R$ 600 para o Auxílio Brasil e aniquilou programas sociais.

A PEC foi vista como expediente útil para salvar o orçamento secreto e gastos de fim de exercício já que, pelo texto costurado, sua aprovação em dezembro, com vigência imediata, abriria espaço para que o excesso de arrecadação contemplasse despesas imediatas, que estão contingenciadas (R$ 15,4 bilhões). As receitas líquidas da União estão R$ 211 bilhões acima das previstas na lei orçamentária.

A PEC que saiu da CCJ não é a mesma que entrou. Em vez de furar o teto de gastos em R$ 198 bilhões, ela aumenta o teto de gastos em R$ 145 bilhões e exclui dos limites do teto 6,5% da arrecadação extraordinária da União em 2021, ou R$ 23 bilhões, para investimentos. Ou seja, o teto aumentou em decorrência de um mecanismo que sua concepção original não prevê, outra maneira de contornar restrições a despesas. A PEC dá dois anos para que o montante destinado ao pagamento do Auxílio Brasil, acréscimo de R$ 150 para famílias com crianças até 6 anos no programa e aumento do salário mínimo inflem o teto.

Algumas liberalidades incluídas na PEC fazem sentido, como retirar do teto despesas com projetos socioambientais e de instituições federais de ensino bancados com doações e, no caso dos últimos, também com receitas próprias. Outras são polêmicas, como a exclusão de investimentos em transportes feitas com dívidas junto a instituições multilaterais, como Banco Mundial. Algumas sugerem espertezas para liberar recursos, como a retirada do teto da execução de obras de engenharia pagos com verbas de transferência para os Estados.

Ao elevar o teto, os R$ 168 bilhões da PEC seguirão as regras do mecanismo em 2023 e 2024, caso nada seja mudado na tramitação nos plenários. Por outro lado, a nova despesa extra permite o aumento real das despesas (proibido pelo teto) em 9,3% - o limite estabelecido para o orçamento de 2022 é de R$ 1,68 trilhão, que, para 2023, será corrigido pelo IPCA, provavelmente de 5,8% (a estimativa constante da lei orçamentária é de 7,2%, ou R$ 24 bilhões a mais).

Haverá piora nas contas públicas, embora, claro, um pouco menor que se fosse aprovada a proposta original. Em um ano de crescimento ao redor de 3%, a arrecadação federal avançou 9,35% em termos reais e terá comportamento menos favorável em 2023, com expansão da economia ao redor de 1%. A arrecadação aumentará provavelmente menos que o acréscimo de despesas sob o teto elevado pela PEC.

O grande fator de aumento da dívida bruta, mesmo que se mantenham constantes as despesas permitidas pelo teto, são os juros. Há olhar despreocupado sobre o fato de o déficit primário não subir muito, mas os juros já estão em escala alarmante - 6% reais - e são desconsiderados, assim como a inflação. Os estímulos fiscais trazidos pela injeção de R$ 168 bilhões tendem a elevar a demanda e frear a queda da inflação, ainda fora da meta. Os juros da dívida pública consumiram R$ 448 bilhões em 2021, quando eram baixos, e ultrapassarão os R$ 500 bilhões em 2022. Cada ponto percentual a mais na Selic aumentam a dívida em R$ 37 bilhões.

Quando os cálculos incluem despesas financeiras, a situação fiscal não é nada confortável. As despesas totais do governo geral atingiram 49,5% do PIB ao fim do segundo trimestre, segundo o Tesouro, ou 3,4 pontos percentuais do PIB acima do mesmo período do ano anterior. Sem um mecanismo explícito de ajuste fiscal, até agora não anunciado pelo novo governo, a dívida bruta só terá um rumo - para cima - com conhecidas consequências.

O valor do jornalismo

O Estado de S. Paulo

Big techs devem remunerar empresas jornalísticas por conteúdo que lhes traz audiência e dinheiro; não é só retribuição ética e comercial: é a salvaguarda do jornalismo e da democracia

O Congresso dos Estados Unidos está pronto para votar um projeto de lei que, como o nome indica, é de suma importância para a devida valorização do jornalismo profissional no país e, em última análise, para salvaguardar a própria democracia americana. Trata-se da Lei de Concorrência e Preservação do Jornalismo (JCPA, na sigla em inglês), marco legal inspirado na inovadora legislação da Austrália, aprovada em fevereiro de 2021, que determina que as grandes empresas de tecnologia, as chamadas big techs, remunerem as empresas de comunicação e mídia pela produção do conteúdo que circula nas redes sociais digitais.

Para surpresa de ninguém, a aprovação da JCPA enfrenta enorme resistência das big techs, principalmente da Meta, holding que controla o Facebook, o Instagram e o Whatsapp, três das redes sociais mais populares no mundo inteiro. A Meta chegou a ameaçar interromper a veiculação de conteúdos produzidos por empresas jornalísticas dos Estados Unidos caso o Congresso americano, como se espera, aprove o projeto de lei. A mesma ameaça fora feita pela empresa ao Congresso australiano. Por um curto período, a Meta, de fato, deixou de publicar conteúdo produzido por empresas de comunicação na Austrália, mas logo voltou atrás da decisão ao perceber que a bravata ficou cara.

As big techs ganham muito dinheiro explorando o conteúdo produzido diariamente pelas empresas jornalísticas, que arcam sozinhas com todo o custo dessa produção. Informação confiável, é bom lembrar, é um ativo valiosíssimo, fundamental para a tomada de um semnúmero de decisões nas esferas pública e privada. E custa muito caro. Não é justo, portanto, que as big techs enriqueçam explorando o trabalho e o investimento alheios.

O conteúdo produzido pelas empresas de comunicação, altamente qualificado por ser confiável, pois apurado com rigor técnico e ética profissional, é um refrigério de racionalidade e lucidez em um ambiente predominantemente marcado pela desordem informacional, por mentiras, teorias conspiratórias e agressões. É verdade que muitos usuários das redes sociais delas só se utilizam para disseminar ou consumir esse tipo de conteúdo abjeto. Mas, em contrapartida, não é desprezível o contingente de pessoas, e não apenas nos Estados Unidos, que usam as redes sociais digitais para se informar, como uma ponte até os conteúdos relevantes produzidos pelas empresas de comunicação. Ora, isso gera uma audiência em escala planetária para as plataformas geridas pelas big techs, o que as torna veículos preferenciais no mercado publicitário.

Com razão, a News Media Alliance (NMA), entidade que congrega os principais veículos de comunicação dos Estados Unidos, alertou que, “se o Congresso não agir logo, as mídias sociais logo vão substituir os jornais locais como fonte de informação para os americanos”. Esse risco é muito concreto. A máquina de desinformação montada pelo ex-presidente Donald Trump libera seu lixo tóxico até hoje.

A NMA também acerta ao dar ênfase aos riscos para a sobrevivência dos veículos jornalísticos de pequeno e médio portes. Não são os grandes jornais americanos, como The New York Times, The Washington Post ou The Wall Street Journal, que dependem da remuneração das big techs para continuar suas atividades. Esses veículos contam com o enorme poder de atração de suas marcas – adquirido ao longo de muitas décadas de construção de uma relação de confiança com seus leitores – para atrair assinaturas e publicidade. É o conteúdo de veículos menores que ganha tração com a audiência extraordinária das redes sociais.

Não há democracia quando o debate público é travado sob falsas premissas, pautado por mentiras e distorções da realidade, sem um consenso social mínimo acerca do que seja fato. O jornalismo profissional, como o guardião da verdade factual, é uma das engrenagens fundamentais do sistema de preservação do regime democrático. O Congresso americano se vê em meio a uma deliberação que vai muito além da remuneração dos veículos de comunicação pela exploração de seus conteúdos pelas big techs. Ao fim e ao cabo, é a democracia que está em jogo. E essa reflexão precisa avançar no Brasil.

A hora da verdade para Cristina

O Estado de S. Paulo

Ao se dizer vítima de perseguição política, vice-presidente desmoraliza a democracia argentina

Apolítica mais poderosa da Argentina, a vice-presidente Cristina Kirchner, foi condenada por três juízes a seis anos de prisão e inabilitação perpétua para cargos públicos por fraudes ao Estado, no chamado caso Vialidad.

O peronismo denuncia uma conspiração orquestrada entre oposição, magistrados, imprensa e empresários contra aquela que, diz a lenda, os enfrentou em defesa do povo – ainda que 80% desse povo, segundo pesquisas, acredite que ela seja culpada. Não faltou quem comparasse sua condenação à de Lula da Silva, a começar pela própria Cristina. De fato, é a primeira vez que um membro do alto escalão executivo, que, além disso, é líder do partido governante e ex-presidente da República, é condenado por corrupção.

Mas há diferenças. Primeiro, promotores e juízes, talvez contemplando o precedente da Lava Jato, parecem ter sido mais diligentes com o devido processo legal. Depois, as provas são mais robustas. Por fim, a retaliação do governo foi muito mais agressiva.

O Tribunal considerou que em seu mandato (200715) Kirchner fraudou licitações para direcionar contratos de vias públicas a Lázaro Baéz, um amigo de família que se tornou sócio de negócios. Nesse período, quase todas as obras da província de Santa Cruz foram adjudicadas a Baéz, que era um modesto bancário até Néstor Kirchner, marido de Cristina, assumir a presidência em 2003. Naquele ano ele criou sua empreiteira. Quando a fechou, no mesmo ano em que terminou o mandato de Cristina, era o multimilionário “czar da construção”. Baéz cobrou antecipadamente por todas as 51 obras, mas a maioria não foi terminada e só uma não exigiu desembolsos extras. Os juízes encontraram evidências de que Kirchner recebeu dinheiro em troca dos benefícios.

Voltando às similaridades com o caso Lula, a defesa se empenhou mais em contestar formalidades do que o mérito, numa estratégia mais política que judicial. Desde o início, Kirchner acusou a perseguição de um “partido judicial”, logo transformado em uma “máfia judicial” e, finalmente, num “pelotão de fuzilamento” – slogans repetidos por sua militância –, ainda que a única evidência seja a foto de um juiz e um promotor jogando futebol em uma chácara do ex-presidente Mauricio Macri.

Mais graves foram as tentativas de abusar dos poderes do Executivo. Há indícios de que serviços de inteligência foram empregados para espionar juízes, e Kirchner propôs reformas judiciais para modificar a nomeação do procurador-geral e quintuplicar o colegiado da Suprema Corte.

Kirchner já foi investigada por uma dúzia de casos. Foi inocentada em dois e quatro foram abandonados. Em relação ao caso Vialidad, por ora, não cumprirá a pena, porque mantém foro de vice-presidente e pode apelar à Câmara de Cassação e à Suprema Corte. Apesar de habilitada, ela diz que não concorrerá nas eleições do ano que vem. Mas com certeza intensificará sua estratégia de politizar a Justiça. Esperase que essa Justiça tenha aprendido com os excessos brasileiros e se limite a julgá-la pelas acusações feitas pelos procuradores, deixando o julgamento de sua política para o povo argentino.

Ação das redes sociais incentiva desinformação

O Globo

Nos EUA, Twitter e Facebook têm driblado iniciativas que tornariam ambiente informativo mais saudável

É preocupante o rumo que tem tomado a regulação das redes sociais. Nos Estados Unidos, país crítico para disciplinar as principais plataformas digitais, Twitter e Facebook têm conseguido barrar ou driblar iniciativas que tornariam o ambiente informativo mais saudável. A repercussão é sentida no mundo todo, em particular num Brasil onde, da vacina à urna eletrônica, a desinformação ainda campeia solta.

Com o pretexto de proteger a liberdade de expressão, o bilionário Elon Musk reviu políticas do Twitter sobre moderação de conteúdo e reinstaurou contas banidas sob acusação de disseminar fake news. Dois efeitos se fizeram sentir. Primeiro, voltou a circular — sem nenhum alerta — conteúdo fraudulento sobre Covid-19. Segundo, cresceu o discurso de ódio racista, homofóbico ou antissemita.

Ao mesmo tempo, o Conselho de Supervisão da Meta, controladora do Facebook, denunciou em relatório que a empresa ofereceu tratamento privilegiado ao moderar o conteúdo de usuários célebres, permitindo a veiculação de desinformação ou de informações danosas. Entre os beneficiados pela regalia estão o ex-presidente Donald Trump e o atacante da seleção brasileira Neymar Jr. Em geral, contas de celebridades trazem maior retorno em audiência e publicidade para a empresa.

Para completar, um porta-voz da Meta fez no início da semana uma ameaça explícita aos congressistas americanos que examinam um projeto de lei para obrigar as gigantes digitais a remunerar os produtores do conteúdo jornalístico veiculado em redes sociais. “Seremos forçados a considerar a remoção total de notícias de nossa plataforma”, afirmou. A ameaça surtiu efeito. No dia seguinte, o projeto deixou de ter prioridade no Congresso americano.

Antes de o Parlamento da Austrália aprovar lei semelhante, a Meta fez ameaças do mesmo teor. Chegou a bloquear notícias e informações sobre serviços essenciais, depois voltou atrás. Em outubro, parlamentares canadenses que examinam uma lei do tipo foram ameaçados. É possível que o Congresso brasileiro seja o próximo alvo. O texto do Projeto de Lei 2.630/2020, o PL das Fake News, prevê a remuneração aos produtores dos conteúdos jornalísticos usados nas redes sociais.

A aprovação dessa lei incentivaria a produção de informação de qualidade e traria um mínimo de justiça a um meio onde as plataformas digitais agem como parasitas. Seu modelo de negócio está baseado na manutenção do usuário na rede pelo maior tempo possível — ou “engajamento”. E conteúdo jornalístico, todos sabem, é uma maneira eficaz de manter usuários “engajados”. Usá-lo sem pagar um tostão a quem produz aumenta o lucro das plataformas, corrói a saúde financeira dos veículos de imprensa e destrói as chances de sobrevivência dos menores, em particular os locais ou regionais.

Depois que o papel das redes sociais na disseminação de desinformação ficou evidente, autoridades do mundo todo se mobilizaram para discipliná-las. Países europeus, Austrália e outras democracias têm dado exemplos felizes de regulação que fortalece o jornalismo profissional e preserva o equilíbrio entre liberdade de expressão e combate às fake news. As próprias plataformas haviam adotado uma postura mais construtiva — ao menos no discurso. As atitudes recentes do Twitter e do Facebook mostram, porém, que tudo não passou de teatro.

Novo governo terá desafio de reerguer universidades federais

O Globo

Asfixiado pela gestão irresponsável do MEC sob Bolsonaro, ensino superior termina o ano em estado de apagão

A situação financeira agonizante das universidades públicas brasileiras neste fim de ano é o epílogo do roteiro de desprezo pela educação encenado pelo governo Jair Bolsonaro ao longo de seus quatro anos. Não poderia ser diferente diante dos descaminhos do MEC. Há um problema prático a resolver — e ele não pode ser empurrado ao próximo governo. Universidades estão sem recursos para fazer os pagamentos mais básicos.

A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) anunciou que não tem dinheiro para pagar neste mês a Bolsa Permanência, auxílio que permite a alunos de baixa renda cursar o ensino superior. Informou ainda que será impossível pagar bolsas acadêmicas, de extensão, monitoria e iniciação científica. Na Universidade de Brasília (UnB), a situação também é dramática. Não há recursos para pagar auxílio estudantil, contratos do restaurante universitário, serviços de segurança, manutenção, limpeza e até projetos de pesquisadores. A pe-núria se repete nas universidades federais de São Carlos (UFSCar), do ABC (UFABC) e diversas outras.

A asfixia financeira é consequência de mais um bloqueio feito pelo governo federal para tentar pôr as despesas nos eixos, depois da gastança desenfreada com intuito de reeleger o presidente Jair Bolsonaro. Segundo a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), R$ 431 milhões de transferências às universidades foram bloqueados na semana passada.

O ministro da Educação, Victor Godoy, quinto titular da pasta no governo Bolsonaro, reconhece as dificuldades financeiras. Admitiu a integrantes da equipe de transição para o novo governo que o ministério não tem dinheiro para pagar os cerca de 14 mil médicos residentes. De acordo com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), 200 mil bolsistas já deixarão de receber nos próximos dias.

Cortes e contingenciamentos de despesas são normais. Já eram esperados num governo que abriu as torneiras sem se preocupar com as limitações do Orçamento. A questão é onde cortar. É sintomático que o Ministério da Educação seja um dos alvos preferenciais das tesouradas. A pasta sempre foi vista pelo governo como palco da guerra cultural que anima as hostes bolsonaristas. Destacou-se mais pela rotatividade dos ministros e denúncias de corrupção que pelas políticas de educação, tão necessárias ao país. O Tribunal de Contas da União (TCU) e os tribunais de contas estaduais detectaram 30 mil indícios de irregularidade na aplicação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).

É preciso que o atual governo garanta um mínimo de recursos às universidades. Seria o cúmulo que parassem de funcionar ou deixassem de pagar auxílio aos estudantes carentes, ampliando ainda mais a desigualdade na educação. Ao novo governo, caberá recolocar no rumo a área mais importante para o futuro do país.

Menos é mais

Folha de S. Paulo

Com reforma, número de partidos segue em queda, o que facilita votar e governar

Instituída por emenda constitucional em 2017, a chamada cláusula de desempenho, ou de barreira, tem contribuído para diminuir o número exorbitante de partidos representados na Câmara dos Deputados —um indicador da fragmentação que dificulta a tarefa de formar maiorias e governar o país.

A norma, que estabelece resultados eleitorais mínimos para que as legendas tenham acesso a recursos do fundo partidário e outros privilégios, mostra agora efeitos mais visíveis, alguns deles recentes.

Desde a eleição, em outubro, houve duas incorporações (o Pros pelo Solidariedade e o PSC pelo Podemos) e uma fusão, de Patriota e PTB, ainda não oficializadas na Justiça. O número de siglas na Câmara caiu, com isso, de 23 para 20. Há apenas quatro anos, eram 30.

A melhora do quadro também pode ser observada com um cálculo mais sofisticado, levando em conta a quantidade de partidos efetivos —um conceito da ciência política que considera também o tamanho da bancada, de modo a reduzir a importância relativa de agremiações minúsculas.

Por essa metodologia, a eleição de 2018 colocou 16,6 partidos efetivos na Câmara, um recorde na redemocratização do país. Ao longo da legislatura 2019-2022, com fusões e migrações, a cifra caiu para 11,8. Consideradas as bancadas eleitas em outubro último, baixou a 9,9 e, com as fusões recentes, a 9,8.

Legendas à direita elevam a fragmentação efetiva da Câmara. Três das quatro maiores, PL, União Brasil e PP, não apresentam grandes diferenças ideológicas. A primeira e a terceira, recorde-se, foram esteios do governo Jair Bolsonaro (PL).

Essas e outras siglas preferem manter existência própria porque se especializam na captação de recursos políticos previstos em lei, na distribuição de emendas ao Orçamento e na obtenção de cargos públicos. Seus líderes, no mais das vezes, são homens de negócios.

Em alguns casos, ademais, partidos evitam fusões por disputas e querelas de caciques regionais. Se levada em conta apenas a orientação programática, faz pouco sentido haver tantas legendas de bancadas medianas ou pequenas ao centro, como MDB, PSD e PSDB, ou à esquerda, como PSB e PDT.

A legislação da cláusula de desempenho, que vai se tornar mais rígida e precisa ser mantida, já contribuiu para reduzir a distorção causada pelas agremiações nanicas. É preciso avançar.

Um número mais razoável de legendas facilitará a negociação entre Executivo e Legislativo e tornará o quadro político mais compreensível para o eleitor. O excesso interessa somente a caciques e burocratas partidários.

Barreira ambiental

Folha de S. Paulo

Restrição da UE a commodities por desmate tem efeito limitado sobre clima

Há anos sabia-se que uma hora o mercado internacional imporia barreiras para commodities brasileiras provenientes de desmatamento, e elas agora foram concretizadas pela União Europeia (UE).

A nova legislação não afeta só o Brasil. Qualquer nação com florestas ameaçadas pelo avanço da agropecuária terá de comprovar que suas cadeias de produção de soja, carne bovina, madeira, cacau, café etc. não envolveram áreas desmatadas após dezembro de 2020.

O impacto sobre o agronegócio brasileiro é inevitável. Além de se destacar na exportação de vários desses produtos (soja e carne à frente), o país é o atual líder mundial em desmatamento —que voltou a crescer sob Jair Bolsonaro (PL), sobretudo na Amazônia.

O pretexto da iniciativa europeia é preservar a biodiversidade e conter a emissão de gases do efeito estufa. Objetivos louváveis, ainda que alguns aspectos da medida ponham em questão seu alcance.

Entidades ambientalistas apontam incongruências. O cerrado, por exemplo, não foi incluído no rol de biomas protegidos, só a floresta amazônica e a mata atlântica.

Mas a savana brasileira abriga muito carbono, enorme diversidade de espécies e está bem mais ameaçada do que a floresta tropical —já perdeu metade da cobertura original. Lá se produz grande parte da soja e da carne exportadas.

Com as restrições europeias à Amazônia, aumentará a pressão sobre o cerrado. Pode haver revisão das regras à frente, mas cabe apontar o alcance limitado da medida.

O setor agropecuário do Brasil gera cerca de 3% das emissões mundiais de carbono e demorará anos até que os sistemas de auditoria ambiental exerçam efeitos. A UE é o segundo maior importador de nossas commodities, mas ainda fica atrás da China —para não falar do mercado interno.

Há, por fim, o problema representado pela parte do desmatamento que, embora ínfima, ocorre de maneira legal. Mesmo que a interrupção de todo e qualquer desmate seja objetivo anunciado pelo presidente eleito, não seria juridicamente defensável embargar essa produção, por menor que seja.

Brasil e outras nações com florestas devem preservá-las por dever ético e interesse próprio, não apenas sob pressão. Já países ricos, como os da Europa, contribuiriam mais para conter a emergência climática acelerando a descarbonização dos setores de energia e transportes no mundo, inclusive financiando a transição nas regiões de renda baixa e média.

 

Um comentário:

  1. "Asfixiado pela gestão irresponsável do MEC sob Bolsonaro, ensino superior termina o ano em estado de apagão"

    Beeeem, gado esperando ET, crendo em transposição da alma do bozo e outras estupidezes não deve ter estudado (assim como o genocida nunca leu um livro), daí q não valoriza o ensino mesmo.

    Toda a gestão do palerma da República foi/é irresponsável - milico pazzuelo não me deixa mentir.

    ResponderExcluir