Descontrole da dívida é profecia autorrealizável
O Globo
Sem medidas objetivas para resgatar
equilíbrio fiscal, deterioração das expectativas do mercado se agravará
À medida que se aproxima a posse do
presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, vai se acentuando a sensação de
deterioração nos indicadores econômicos. A pesquisa Focus divulgada nesta
semana pelo Banco Central apontou aumento nas expectativas do mercado para
inflação e juros em 2023. A explicação para a alta é a percepção de que o novo
governo, mesmo antes de assumir, já perdeu o controle dos gastos e da dívida
pública.
Motivos para essa percepção não faltam — e a PEC da Transição aprovada na semana passada autorizando despesas de R$ 168 bilhões acima do teto de gastos é apenas o mais visível. O Congresso aproveitou os últimos dias de trabalho antes do recesso para aprovar várias outras medidas que contribuem para aumentar despesas, sem que haja nenhuma perspectiva de reequilíbrio fiscal no curto ou no médio prazo.
É o caso da avalanche de reajustes aos
servidores públicos contratada para os próximos anos. Numa série de dez
projetos aprovados em benefício de dezenas de categorias, foram concedidos
aumentos a juízes, procuradores, defensores públicos, ministros do Supremo,
presidente da República, deputados, senadores, funcionários do Legislativo, com
o previsível efeito cascata, cujo impacto nos cofres públicos é estimado, por
baixo, em R$ 20 bilhões.
A generosidade do Congresso à custa do
contribuinte não ficou por aí. A emenda constitucional aprovada para garantir o
piso para profissionais de enfermagem não tem apenas impacto fiscal (R$ 10
bilhões para a União, além de mais outro tanto para estados e municípios).
Também retira essas despesas do teto de gastos de modo permanente e permite aos
entes federativos excluí-las dos cálculos usados para cumprir as regras da Lei
de Responsabilidade Fiscal, que passará a poder ser descumprida na prática sem
que isso tenha qualquer efeito legal ou jurídico.
O Congresso também derrubou vetos
presidenciais, garantindo a transferência de mais R$ 25 bilhões a estados e
municípios como compensação pelas mudanças no ICMS. E usou no cálculo do teto
de 2023 um índice de inflação muito acima do que deverá ser efetivamente
registrado neste ano, abrindo espaço, pelas estimativas, a mais R$ 24 bilhões
em gastos. Estipulou ainda correções obrigatórias em verbas destinadas a
universidades, bolsas de estudos, merenda escolar e vetou contingenciamentos em
diversas categorias de despesas, como o seguro rural. Isentou companhias aéreas
do pagamento de PIS e Cofins até 2026 e aprovou a controversa obrigação de que
a União arque com os custos de todas as obrigações que impuser a estados e
municípios (caso do piso da enfermagem).
O impacto disso tudo soma pelo menos mais
R$ 79 bilhões aos R$ 168 bilhões já contratados em gastos fora do teto pela PEC
da Transição. Está-se falando, portanto, de um aumento estimado em quase 2,5%
do PIB nos gastos da União, que serão de 18,2% neste ano. Haverá fatalmente
retorno dos déficits primários, depois do primeiro ano de superávit desde 2013.
Se o novo governo quer mesmo evitar a
explosão da dívida, de nada adianta ficar repetindo as palavras “arcabouço
fiscal”. É preciso dizer que gastos serão cortados para compensar tudo isso,
que impostos serão aumentados ou criados — ou uma combinação das duas coisas. O
Brasil não tem tempo para ficar parado esperando um descontrole que, sem
medidas objetivas para contê-lo, se tornará uma profecia autorrealizável.
Prazo para pedidos de vista no STF
representa ganho para a sociedade
O Globo
Limitação a decisões monocráticas precisará
ser monitorada para evitar consequências indesejadas
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu
implementar a partir do ano que vem mudanças em seu regimento interno para
acabar com um instrumento usado para engavetamento indiscriminado de processos,
os pedidos de vista. Os ministros continuarão com o direito de interromper
julgamentos sob a justificativa de que precisam de mais tempo para examinar
determinada questão, mas com uma diferença: os processos serão automaticamente
liberados para análise dos demais ministros após um prazo de 90 dias.
Concebidos para dar mais tempo para os
juízes tomarem decisões mais informadas, os pedidos de vista foram
desvirtuados. Tornaram-se um mecanismo de obstrução ou adiamento indefinido de
processos. É comum que, ao perceber que suas posições serão vencidas, ministros
peçam vista para retirar o processo da pauta. Atualmente há 241 processos
interrompidos por pedidos de vista no plenário, o mais antigo de 2015. Pela
regra anterior, os ministros deveriam tê-los devolvido em 30 dias ou
justificado a prorrogação, mas não havia sanção em caso de descumprimento do
prazo.
Com a reformulação, ganha a sociedade. Um
processo pautado pela Corte será decidido, no máximo, em questão de meses, não
em anos. Um Supremo mais transparente e menos arbitrário transmite uma sensação
de maior estabilidade institucional e conquista mais confiança da população.
Outra mudança passará a valer em janeiro.
Medidas cautelares decididas por apenas um ministro precisarão, em casos de
urgência, ser imediatamente submetidas à análise dos demais integrantes do
plenário ou da Turma responsável. É uma tentativa de enfraquecer uma
caraterística que mancha a reputação do Supremo: ser um tribunal monocrático,
formado por 11 ilhas que tomam decisões isoladas.
Para ter ideia, 85% das 89.813 decisões de
2022 foram tomadas de forma monocrática. Nos casos em que o julgamento de uma
liminar por um único ministro causa efeitos irreversíveis, a sociedade perde.
Recentemente, um notório líder de facção criminosa foi libertado e, quando a
decisão foi revertida, ele já estava fora do alcance da lei.
Embora correta, a avaliação pelo plenário
ou por turmas das liminares monocráticas precisará ser feita com parcimônia
para não congestionar ainda mais a pauta. O tempo médio para uma decisão
colegiada é de 359 dias, o triplo das monocráticas.
O Supremo tem sido incansável na missão de defender o texto constitucional. Sob ataque constante do presidente Jair Bolsonaro, passou — não sem sobressaltos — em seu maior teste desde a redemocratização. Em dezembro de 2019, apenas 19% dos brasileiros avaliavam o trabalho do STF como ótimo ou bom, segundo o Datafolha. O índice subiu para 31%. A ministra Rosa Weber, presidente do STF, fez bem em aprovar as mudanças no regimento interno, mas terá de avaliar os resultados para não colher consequências indesejadas.
Autocontenção
Folha de S. Paulo
STF limita ações monocráticas; boa medida
em teoria e, espera-se, na prática
Cortes superiores têm sua força na
colegialidade. Não obstante, tornou-se lugar-comum afirmar que o Supremo
Tribunal Federal é um arquipélago formado por 11 ilhas regidas por 11
soberanos, tal a frequência com que ministros se valem de instrumentos monocráticos
—como os pedidos de vista e as concessões de liminares.
Esses dois dispositivos são necessários
para que o STF tome decisões bem embasadas e aja com celeridade em casos
urgentes.
Se um ministro não se sente suficientemente
familiarizado com um processo e solicita mais tempo para julgar, é razoável
conceder-lhe.
Do mesmo modo, há casos que exigem ações
emergenciais, como prender ou soltar um acusado. Privar o juiz de tomá-las
rapidamente pode causar grandes injustiças.
Não raro, contudo, os ministros abusam
dessas ferramentas, utilizando-as estrategicamente e não para os fins
concebidos.
Não é incomum, por exemplo, que
magistrados, quando sentem que um julgamento não irá para o lado que desejam,
peçam vista para interrompê-lo —e passem meses, até anos, adiando a decisão.
Outra possibilidade é concederem uma liminar que atropele de modo abrupto, até
ilegítimo, o processo.
Para citar apenas dois casos concretos, o
ministro André Mendonça —que com um ano de casa detém o título de recordista
das vistas— segura desde abril duas ações que obrigariam o governo Jair
Bolsonaro (PL) a traçar um plano de preservação da Amazônia.
Já o ministro Luiz Fux baixou, em
2020, uma liminar
que impediu a implementação do juiz de garantias em todo o país. A
medida vale até que o tribunal conclua o julgamento da constitucionalidade da
lei, matéria que nunca é pautada.
Há 484 processos paralisados por pedido de
vista no STF.
Diante desse cenário, mostra-se acertada a
decisão —unânime— de alterar o regimento interno da corte para tornar mais
rígidas as regras relativas ao pedido de vista e a decisões monocráticas.
O primeiro terá, agora, prazo máximo de 90
dias, ao fim do qual o processo fica automaticamente liberado para voltar a
julgamento. Já as cautelares individuais precisam necessariamente ser avaliadas
pelas turmas ou pelo plenário, sempre que envolverem a preservação de direito individual
ou coletivo.
Um certo ceticismo é recomendável, porém.
Cumpre lembrar que o regimento atual já traz um prazo para a vista (30 dias
renováveis por mais 30) que nunca foi respeitado. A liberação automática, em
tese ao menos, é novidade que pode barrar a procrastinação.
Mais autocontenção é boa providência na
instância mais poderosa do Judiciário. Espera-se que a diretriz seja, na
prática, cumprida.
Receita incerta
Folha de S. Paulo
Alta arrecadação vem de fatores voláteis, o
que torna gastança mais arriscada
Temores de analistas e investidores estão
hoje compreensivelmente concentrados na escalada de despesas públicas com o
novo governo, mas há riscos a considerar também no lado das receitas.
Os números recentes impressionam. Nos 12
meses acumulados até outubro, a arrecadação bruta da União atingiu 23,7% do
Produto Interno Bruto, montante quase R$ 300 bilhões acima do previsto na lei
orçamentária. Descontadas as transferências obrigatórias a estados e
municípios, a surpresa fica em R$ 211 bilhões.
Esse foi o motivo básico da melhora das
contas do Tesouro Nacional, neste ano de medidas eleitoreiras de Jair Bolsonaro
(PL). Com isso, a relação entre dívida pública e o PIB, voltou a algo próximo a
74%, o patamar de antes da pandemia.
Ocorre que boa parte desse desempenho está
relacionada ao setor extrativo, em especial de petróleo. Cálculos do economista
Bráulio Borges, da Fundação Getulio Vargas, mostram a excepcionalidade.
A coleta de royalties, dividendos e
impostos oriundos especialmente da Petrobras deve chegar neste 2022 a 2,6% do
PIB, um salto em
relação à media de 0,92% observada entre 2011 e 2020. Tal aumento
representa cerca de 70% de toda a arrecadação acima do esperado.
O problema é que nada disso está garantido
adiante. Nas projeções de Borges, haverá redução de 0,6 ponto percentual no ano
que vem.
Embora a coleta esperada se mantenha
elevada entre 2023 e 2031 (1,4 ponto acima da média 2011-2020), com a
perspectiva de aumento da produção, é obviamente temerário contar com receitas
que dependem de uma matéria-prima com preços voláteis.
Tampouco deverá se repetir o pagamento
excepcional de dividendos da Petrobras para a União, que chegou a R$ 56 bilhões
neste ano.
Por fim, há o efeito da inflação e do
crescimento da economia. Além do impacto do setor extrativo, o restante da
arrecadação também cresceu pela margem positiva das empresas, sobretudo as
industriais, mais tributadas.
Entretanto a alta dos preços foi contida
com o aperto nos juros do Banco Central, o que também faz o PIB reduzir o
ritmo.
A incerteza quanto à arrecadação torna ainda mais temerária a gastança escolhida pelo presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Crer que a despesa pública dará impulso duradouro à economia será, com perdão do trocadilho, receita de problemas.
Bagunça golpista exige punição
O Estado de S. Paulo.
Bolsonaro deve zelar pela ordem jurídica e
pela paz social no País. Seu silêncio e meias palavras soam como autorização
para seguidores cometerem sandices antidemocráticas
O presidente Jair Bolsonaro chega ao final
do mandato como o grande responsável pelo clima de tensão e desordem que se instalou
em Brasília desde o resultado das eleições. Agora, às vésperas da posse do
presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, os brasileiros assistem ao ápice
dessa bagunça alimentada pelo mesmo governo que prometeu ao País “a lei e a
ordem”.
Tão absurdo tem sido o desenrolar dos
acontecimentos na capital federal – mas não apenas lá – que a Polícia Federal
(PF) recomendou que Lula não desfile no
Rolls-royce presidencial no dia da posse, como é tradição há 70 anos, por risco
de atentado contra a sua vida.
Não se sabe se Lula acatará a recomendação.
O automóvel não só é um símbolo da autoridade do chefe de Estado e de governo,
como, em alguma medida, é uma das representações da própria República no
imaginário da Nação. Mas o temor dos agentes da PF responsáveis pela segurança
do presidente eleito não é infundado. Existem indícios, por exemplo, de que há
pessoas armadas no acampamento golpista em frente ao Quartel-general do
Exército. Não existe liberdade de se manifestar armado.
Além disso, como se não bastasse, na
véspera do Natal um seguidor bolsonarista tentou explodir uma bomba sob um
caminhão de querosene de aviação nos arredores do Aeroporto Internacional de
Brasília. O objetivo de George Washington de Oliveira Sousa, gerente de um
posto de combustíveis no interior do Pará, era “criar o caos” na capital
federal para que Bolsonaro decretasse “estado de sítio” e as Forças Armadas,
por sua vez, interviessem para impedir a posse de Lula. Em depoimento à Polícia
Civil do Distrito Federal, o bolsonarista afirmou que agiu “inspirado” por
palavras do presidente. Em novo depoimento, retirou a menção a Bolsonaro.
É lamentável que haja pessoas dispostas a
urdir uma trama golpista e rocambolesca desse naipe. De toda forma, trata-se da
expressão fidedigna de um governo conduzido durante quatro anos sob o signo de
Tânatos, o deus da morte na mitologia grega, como já destacamos nesta página.
Até perder a eleição, Bolsonaro agiu pela
destruição pura e simples – destruição dos avanços civilizatórios trazidos pela
Constituição de 1988, das instituições republicanas, da moralidade pública, da
tradição diplomática do País, de políticas públicas bem-sucedidas, de
adversários políticos. Agora, derrotado nas urnas, omite-se com o mesmo
desiderato. Seu silêncio e suas meias palavras soam como autorização para que
seguidores mais radicalizados cometam sandices criminosas e antidemocráticas.
Convém lembrar às autoridades, aí incluídas
o senhor presidente da República e o ministro da Justiça, Anderson Torres, que
elas, enquanto estiverem em seus cargos públicos, têm o dever de garantir a
ordem jurídica e a paz social no País. Eventuais omissões e cumplicidades podem
gerar graves responsabilidades penais. No caso de Jair Bolsonaro, existem
obrigações constitucionais bem precisas, que valem até o último minuto do
mandato.
Diante da baderna promovida por seus
apoiadores, Jair Bolsonaro não é assistido pelo direito ao silêncio e à inação.
Anderson Torres, por sua vez, diminui o cargo quando, diante de tão sérias
ameaças, se limita a dizer que o Ministério da Justiça está “acompanhando” as
investigações da Polícia Civil do Distrito Federal. Eis o final do governo que
prometia “a lei e a ordem”: com bagunças e desordens até então inéditas no
atual regime constitucional. Vista em Brasília e em outras cidades, a
insurgência de bolsonaristas contra o resultado da eleição ocorre sob o
beneplácito de autoridades que, tendo o dever de zelar pela Constituição e pela
paz, responderão por tão perigosa passividade.
Reafirmando a Constituição e a vontade popular,
o presidente eleito tomará posse no dia 1.º de janeiro. Mas isso não significa
que o País esteja livre das ameaças dos arruaceiros que não se conformam com o
resultado da eleição. Se lhes faltam razão e civismo, que sobre eles recaia
todo o peso da lei. É assim que a democracia se defende.
Matriz energética do País já mudou
O Estado de S. Paulo.
Mais relevante do que discutir preços do
petróleo é manter a diversificação das fontes de energia, e nisso o Brasil está
em posição privilegiada em relação ao mundo desenvolvido
Aprofunda e inflacionária crise energética
na Europa, desencadeada pela invasão da Ucrânia pela Rússia, evidencia os
acertos da política de energia no Brasil, com o aumento na oferta proveniente
de fontes renováveis, mas também abre caminho para o debate sobre os passos a
serem tomados neste setor pelo governo eleito em outubro.
Pouco se sabe, até agora, sobre quais serão
as prioridades da política energética do presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
embora se acredite que serão mantidos os estímulos para investimentos em
energia renovável, dada a importância do discurso a favor da preservação
ambiental.
Curiosamente, o pouco que foi aventado
sobre energia por pretendentes a ocupar postos-chave no futuro governo foi
centrado na política de preços de petróleo e o papel que a Petrobras deveria
assumir nos próximos anos. São discussões anacrônicas na medida em que o Brasil
e muitos outros países passaram por uma revolução nas suas matrizes energéticas
e hoje é menor a dependência do petróleo do que nas últimas décadas do século
passado. O próprio plano estratégico da Petrobras para os próximos cinco anos,
divulgado em novembro, não fez aposta mais ambiciosa em fontes de energia
renovável. Entre os investimentos previstos, US$ 64 bilhões, ou 83% do total,
serão aplicados em exploração e produção de petróleo e gás.
Dados da Agência Nacional de Energia
Elétrica (Aneel) de setembro mostram que o País ultrapassou os 185 gigawatts de
capacidade de geração e, segundo os critérios da agência, pouco mais de 80%
desse total corresponde a fontes renováveis de energia, como a água dos rios,
os ventos e o sol. Merece destaque, obviamente, a expansão muito expressiva da
participação da energia solar e eólica na matriz energética, reduzindo a
importância das termoelétricas. Embora as hidrelétricas ainda respondam por 54%
da produção de energia, a eólica já corresponde a mais de 10% da oferta total e
a solar divide com as termoelétricas a terceira posição. E esse panorama foi
alcançado, em grande parte, por iniciativas do setor privado.
É consenso entre especialistas que se deve
manter o processo de diversificação das fontes de geração de energia,
principalmente com a construção de usinas de baixo impacto ambiental e social.
Essa tendência, observada no Brasil nos últimos anos, ganha maior importância
diante dos efeitos da guerra entre Rússia e Ucrânia, que levantou sérias dúvidas
sobre o processo de globalização na oferta de energia.
Grandes investimentos em fontes
alternativas de energia podem, adicionalmente, ajudar no crescimento econômico
das regiões mais pobres do País. Estudo do Instituto Brasileiro de Economia da
FGV apurou que cada R$1 investido em parque eólico gera R$ 2,90 no Produto
Interno Bruto (PIB) no período de 10 a 14 meses, considerando-se impactos
diretos, indiretos e induzidos pelo efeito multiplicador dos empreendimentos.
No Nordeste, para citar apenas um exemplo, os projetos já autorizados devem
receber investimentos da ordem de R$ 250 bilhões e de mais R$ 148 bilhões em
usinas solares.
Nesse cenário, o Brasil está muito longe
das sérias dificuldades no setor energético de outros países. A Europa enfrenta
escassez na oferta de energia e aumento dos preços para os consumidores depois
que a Rússia invadiu a Ucrânia. Há alguns dias, a Agência Internacional de
Energia (AIE) alertou a União Europeia que a situação energética do bloco
poderá ser ainda pior em 2023 porque o fornecimento russo pode diminuir ainda
mais e a oferta de gás de outros países também tende a diminuir, principalmente
se a China retomar a demanda pelo insumo. Mais de 40% do gás consumido pelos
europeus é fornecido pela Rússia, e a União Europeia paga cerca de 150 bilhões
de euros por ano ao país. A dependência do gás russo chega a 80% em países como
a Lituânia.
No Brasil, o cenário é diferente, mas é
urgente que a equipe do novo governo tome consciência de que o futuro da
energia são as fontes renováveis e que a era de ouro do petróleo está nos seus
últimos dias.
Uma aula de injustiça social
O Estado de S. Paulo.
Ao reduzirem imposto sobre herança, deputados
estaduais vão na contramão dos raros consensos da reforma tributária
No apagar das luzes do ano, a Assembleia
Legislativa de São Paulo aprovou um projeto de lei que reduz a tributação sobre
heranças e doações. A proposta diminui a alíquota do Imposto sobre Transmissão
Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD) dos atuais 4% para
1%, para heranças, e a 0,5%, para doações. A mudança foi aprovada na noite do
dia 21 de dezembro, em meio a outros 78 projetos e sem um debate mínimo. O caso
ilustra bem como as desigualdades brasileiras não são mero acidente, mas uma
construção intencional.
A Constituição de 1988 deu aos Estados a
competência para instituir o imposto sobre transmissão de propriedade. É
possível chegar a até 8%, mas, na maioria dos casos, a alíquota é de 4%. Há
casos de imunidade e isenção, quase sempre quando o valor do bem é baixo; na
outra ponta, famílias abastadas e que fazem planejamento sucessório conseguem
se livrar do pagamento do tributo. Por essas razões, o ITCMD já não poderia ser
considerado uma cobrança de amplo alcance. Ainda assim, as mudanças aprovadas
pelos deputados podem reduzir a arrecadação anual do Estado em R$ 4 bilhões.
Exemplos, mais do que números, são capazes
de expressar a relevância desse valor. São Paulo precisará de R$ 4 bilhões para
financiar as atividades da Universidade Estadual Paulista (Unesp) por um ano.
Com R$ 4 bilhões de sobra, o Estado poderia quadruplicar a verba para o ensino
integral na rede estadual em 2023. Chama a atenção, portanto, que a Assembleia
Legislativa tenha tão facilmente aberto mão da arrecadação com o ITCMD, mas não
tenha considerado a renúncia na deliberação, ocorrida um dia antes, sobre o
orçamento estadual.
A Secretaria da Fazenda de São Paulo,
evidentemente, recomendou o veto ao governador eleito Tarcísio de Freitas, e
tudo indica que ele acatará tal orientação. Em termos fiscais, o problema deve
ser resolvido, mas as questões de fundo que esse debate levanta estão muito
distantes de ser devidamente endereçadas. Afinal, o projeto, aprovado a toque
de caixa, é a verdadeira antítese do que os maiores especialistas em tributação
defendem no País e no mundo.
Se há divergências sobre como uma reforma
tributária deve ser conduzida, há um raro consenso a unir todos os estudiosos
do sistema: no Brasil, paga-se muito imposto sobre o consumo e pouco sobre o
patrimônio. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)
considera que a taxação sobre heranças é “o imposto certo na hora certa”, pelo
baixo custo de implementação e por gerar menos distorções que outras cobranças
sobre grandes fortunas.
Segundo a organização norte-americana Tax
Foundation, países ricos – e mais igualitários – cobram um imposto sobre
heranças muito mais alto que a média nacional. No Japão, a alíquota corresponde
a 55%; na França, a 45%; e nos Estados Unidos e no Reino Unido, a 40%. Os
deputados paulistas, portanto, fizeram bem mais do que aprovar uma bomba
fiscal. Deram uma lição sobre como ampliar injustiças e consolidar
desigualdades sociais de forma prática.
Valor Econômico
Cabe ao governo zelar pela ordem e paz no
país até que a transmissão de cargo seja efetivada
Não se pode dar chance ao acaso, e a prisão
de um bolsonarista radical que planejava explodir um caminhão de querosene nas
imediações do Aeroporto de Brasília mostrou que há grupos interessados em
impedir a posse do presidente eleito Lula, ainda que ao custo de muitas vidas.
Há um frenesi de providências em Brasília, entre o governo que ainda não tomou
posse e as autoridades do Distrito Federal. Falta um participante decisivo: o
governo federal, a quem cabe zelar pela ordem e paz no país até que a
transmissão de cargo seja efetivada. É do presidente Jair Bolsonaro, deprimido
com a derrota, a responsabilidade por tudo o que possa ocorrer no país até que
seu sucessor assuma. Alheio a tudo, Bolsonaro pretende passar o réveillon em
Orlando.
Caberia ao presidente Bolsonaro solicitar a
seus apoiadores mais radicais que aceitem o resultado eleitoral, algo que ele
próprio não fez. Também é de sua competência, como chefe supremo das Forças
Armadas, ordenar que elas atuem para garantir a segurança e a ordem democrática
- o que até agora também não fez. As manifestações a favor de intervenção militar
e de um golpe para impedir a posse de Lula são apenas amostras patéticas do que
resta do sonho do presidente de continuar no poder, depois de a investida
legal, nas urnas, tê-lo desapontado profundamente.
Os ministros militares são corresponsáveis
pelo que possa vir a ocorrer. As imediações do Quartel General do Exército, em
Brasília - um dos cenários principais do inconformismo antidemocrático - nunca
foram livremente ocupadas como agora, exceto brevemente em comemorações
cívicas. Os duradouros acampamentos bolsonaristas foram acolhidos com
benevolência e serviram de objeto de rara nota em que são classificados como
“manifestações pacíficas” pelo comando das Forças Armadas. A detenção do
radical brasileiro George Washington indica que elas deixaram de sê-lo, para se
tornarem território livre para atos ilegais.
Algazarras bolsonaristas já haviam
iluminado a noite de Brasília na diplomação de Lula, com a tentativa de
incendiar a sede da Polícia Federal e as piras em que se tornaram alguns
veículos e ônibus urbanos. A confissão de Washington sobre sua tentativa de
“criar caos” para provocar a intervenção das Forças Armadas, e de que as
aglomerações em frente ao Forte Apache servem de valhacouto para este tipo de
trama, é motivo suficiente para que todas as instituições deem basta aos
protestos.
A fuga à responsabilidade na transição de
governos é mais um dos fardos legais cujo descumprimento acarretará novas
dificuldades com a Justiça para Bolsonaro, quando ele perder as prerrogativas
do cargo - e ele já tem muito com que se preocupar pelo que fez e deixou de
fazer em seu governo. Sua ascendência sobre os militares, de que foi sempre
cioso, foi deixada de lado agora.
A história é estranha e constrangedora para
a democracia. No início, houve uma trama de bastidores em que os comandantes
das Forças Armadas ameaçaram entregar seus cargos antes da posse do presidente
eleito, uma forma não muito polida de sugerir, entre vários significados
possíveis, que não aceitariam Lula como comandante-em-chefe. Isso obrigou a
equipe do vencedor das urnas a se desdobrar para impedir um conflito
indesejável em todos os sentidos e evitar um péssimo sinal sobre o compromisso
dos militares com a democracia e de seu alinhamento com um radical derrotado
nas urnas.
A leniência do comando militar para com os
manifestantes bolsonaristas produziu uma inversão esdrúxula do cenário. Agora,
é o governo que ainda não assumiu quer que ministros militares sejam
substituídos antes da posse, acarretando situações bizarras, como o
bate-cabeças entre o futuro ministro da Justiça, Flávio Dino, que pede ações
firmes contra as manifestações, e o também futuro ministro da Defesa, José
Múcio, que rejeita ações que desalojem os manifestantes “na marra”. Por algum
motivo, o titular da Defesa do novo governo aceita as razões dadas pelos
militares, o eixo das desavenças: pelo que se tornaram, as manifestações são
legais ou não?
A história recomenda cautela extrema contra
lobos solitários extremistas, ainda mais se apoiados por matilhas
antidemocráticas. Além disso, diferentemente de ações de radicais da esquerda,
as de direita em geral contam com algum apoio velado de setores do aparato de
Estado. A segurança de Lula na posse deve ser a máxima disponível. O atentado
frustrado grita que sua proteção não deve ser negligenciada.
"Bagunça golpista exige punição
ResponderExcluirO Estado de S. Paulo.
Bolsonaro deve zelar pela ordem jurídica e pela paz social no País. Seu silêncio e meias palavras soam como autorização para seguidores cometerem sandices antidemocráticas"
Estou surpreso. Não reconheci o Estadão. Palmas! Aplausos 👏🏿!
Sandices antidemocráticas são terrorismo, mas foi um avanço.
"Eventuais omissões e cumplicidades podem gerar graves responsabilidades penais."
ResponderExcluirKkkkkkkk Jogo de cintura digno de um dançarino. Eventuais? São omissos e cúmplices, sr. Editorialista.
Valor Econômico
ResponderExcluir"Os ministros militares são corresponsáveis pelo que possa vir a ocorrer."
Por isso, sempre pergunto: pra q servem nossas FA?
Respondo: Delas não precisamos, mas, sim, dos recursos nelas desperdiçados. Uma força CIVIL e federal, como a PF, seria mais útil.
"...diferentemente de ações de radicais da esquerda, as de direita em geral contam com algum apoio velado de setores do aparato de Estado. A segurança de Lula na posse deve ser a máxima disponível. O atentado frustrado grita que sua proteção não deve ser negligenciada."
ResponderExcluirE isso vindo, salvo engano meu, de um periódico q tem como sócio os Marinho, do império Globo.
SURPREENDENTE!