quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Descontrole da dívida é profecia autorrealizável

O Globo

Sem medidas objetivas para resgatar equilíbrio fiscal, deterioração das expectativas do mercado se agravará

À medida que se aproxima a posse do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, vai se acentuando a sensação de deterioração nos indicadores econômicos. A pesquisa Focus divulgada nesta semana pelo Banco Central apontou aumento nas expectativas do mercado para inflação e juros em 2023. A explicação para a alta é a percepção de que o novo governo, mesmo antes de assumir, já perdeu o controle dos gastos e da dívida pública.

Motivos para essa percepção não faltam — e a PEC da Transição aprovada na semana passada autorizando despesas de R$ 168 bilhões acima do teto de gastos é apenas o mais visível. O Congresso aproveitou os últimos dias de trabalho antes do recesso para aprovar várias outras medidas que contribuem para aumentar despesas, sem que haja nenhuma perspectiva de reequilíbrio fiscal no curto ou no médio prazo.

É o caso da avalanche de reajustes aos servidores públicos contratada para os próximos anos. Numa série de dez projetos aprovados em benefício de dezenas de categorias, foram concedidos aumentos a juízes, procuradores, defensores públicos, ministros do Supremo, presidente da República, deputados, senadores, funcionários do Legislativo, com o previsível efeito cascata, cujo impacto nos cofres públicos é estimado, por baixo, em R$ 20 bilhões.

A generosidade do Congresso à custa do contribuinte não ficou por aí. A emenda constitucional aprovada para garantir o piso para profissionais de enfermagem não tem apenas impacto fiscal (R$ 10 bilhões para a União, além de mais outro tanto para estados e municípios). Também retira essas despesas do teto de gastos de modo permanente e permite aos entes federativos excluí-las dos cálculos usados para cumprir as regras da Lei de Responsabilidade Fiscal, que passará a poder ser descumprida na prática sem que isso tenha qualquer efeito legal ou jurídico.

O Congresso também derrubou vetos presidenciais, garantindo a transferência de mais R$ 25 bilhões a estados e municípios como compensação pelas mudanças no ICMS. E usou no cálculo do teto de 2023 um índice de inflação muito acima do que deverá ser efetivamente registrado neste ano, abrindo espaço, pelas estimativas, a mais R$ 24 bilhões em gastos. Estipulou ainda correções obrigatórias em verbas destinadas a universidades, bolsas de estudos, merenda escolar e vetou contingenciamentos em diversas categorias de despesas, como o seguro rural. Isentou companhias aéreas do pagamento de PIS e Cofins até 2026 e aprovou a controversa obrigação de que a União arque com os custos de todas as obrigações que impuser a estados e municípios (caso do piso da enfermagem).

O impacto disso tudo soma pelo menos mais R$ 79 bilhões aos R$ 168 bilhões já contratados em gastos fora do teto pela PEC da Transição. Está-se falando, portanto, de um aumento estimado em quase 2,5% do PIB nos gastos da União, que serão de 18,2% neste ano. Haverá fatalmente retorno dos déficits primários, depois do primeiro ano de superávit desde 2013.

Se o novo governo quer mesmo evitar a explosão da dívida, de nada adianta ficar repetindo as palavras “arcabouço fiscal”. É preciso dizer que gastos serão cortados para compensar tudo isso, que impostos serão aumentados ou criados — ou uma combinação das duas coisas. O Brasil não tem tempo para ficar parado esperando um descontrole que, sem medidas objetivas para contê-lo, se tornará uma profecia autorrealizável.

Prazo para pedidos de vista no STF representa ganho para a sociedade

O Globo

Limitação a decisões monocráticas precisará ser monitorada para evitar consequências indesejadas

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu implementar a partir do ano que vem mudanças em seu regimento interno para acabar com um instrumento usado para engavetamento indiscriminado de processos, os pedidos de vista. Os ministros continuarão com o direito de interromper julgamentos sob a justificativa de que precisam de mais tempo para examinar determinada questão, mas com uma diferença: os processos serão automaticamente liberados para análise dos demais ministros após um prazo de 90 dias.

Concebidos para dar mais tempo para os juízes tomarem decisões mais informadas, os pedidos de vista foram desvirtuados. Tornaram-se um mecanismo de obstrução ou adiamento indefinido de processos. É comum que, ao perceber que suas posições serão vencidas, ministros peçam vista para retirar o processo da pauta. Atualmente há 241 processos interrompidos por pedidos de vista no plenário, o mais antigo de 2015. Pela regra anterior, os ministros deveriam tê-los devolvido em 30 dias ou justificado a prorrogação, mas não havia sanção em caso de descumprimento do prazo.

Com a reformulação, ganha a sociedade. Um processo pautado pela Corte será decidido, no máximo, em questão de meses, não em anos. Um Supremo mais transparente e menos arbitrário transmite uma sensação de maior estabilidade institucional e conquista mais confiança da população.

Outra mudança passará a valer em janeiro. Medidas cautelares decididas por apenas um ministro precisarão, em casos de urgência, ser imediatamente submetidas à análise dos demais integrantes do plenário ou da Turma responsável. É uma tentativa de enfraquecer uma caraterística que mancha a reputação do Supremo: ser um tribunal monocrático, formado por 11 ilhas que tomam decisões isoladas.

Para ter ideia, 85% das 89.813 decisões de 2022 foram tomadas de forma monocrática. Nos casos em que o julgamento de uma liminar por um único ministro causa efeitos irreversíveis, a sociedade perde. Recentemente, um notório líder de facção criminosa foi libertado e, quando a decisão foi revertida, ele já estava fora do alcance da lei.

Embora correta, a avaliação pelo plenário ou por turmas das liminares monocráticas precisará ser feita com parcimônia para não congestionar ainda mais a pauta. O tempo médio para uma decisão colegiada é de 359 dias, o triplo das monocráticas.

O Supremo tem sido incansável na missão de defender o texto constitucional. Sob ataque constante do presidente Jair Bolsonaro, passou — não sem sobressaltos — em seu maior teste desde a redemocratização. Em dezembro de 2019, apenas 19% dos brasileiros avaliavam o trabalho do STF como ótimo ou bom, segundo o Datafolha. O índice subiu para 31%. A ministra Rosa Weber, presidente do STF, fez bem em aprovar as mudanças no regimento interno, mas terá de avaliar os resultados para não colher consequências indesejadas.

Autocontenção

Folha de S. Paulo

STF limita ações monocráticas; boa medida em teoria e, espera-se, na prática

Cortes superiores têm sua força na colegialidade. Não obstante, tornou-se lugar-comum afirmar que o Supremo Tribunal Federal é um arquipélago formado por 11 ilhas regidas por 11 soberanos, tal a frequência com que ministros se valem de instrumentos monocráticos —como os pedidos de vista e as concessões de liminares.

Esses dois dispositivos são necessários para que o STF tome decisões bem embasadas e aja com celeridade em casos urgentes.

Se um ministro não se sente suficientemente familiarizado com um processo e solicita mais tempo para julgar, é razoável conceder-lhe.

Do mesmo modo, há casos que exigem ações emergenciais, como prender ou soltar um acusado. Privar o juiz de tomá-las rapidamente pode causar grandes injustiças.

Não raro, contudo, os ministros abusam dessas ferramentas, utilizando-as estrategicamente e não para os fins concebidos.

Não é incomum, por exemplo, que magistrados, quando sentem que um julgamento não irá para o lado que desejam, peçam vista para interrompê-lo —e passem meses, até anos, adiando a decisão. Outra possibilidade é concederem uma liminar que atropele de modo abrupto, até ilegítimo, o processo.

Para citar apenas dois casos concretos, o ministro André Mendonça —que com um ano de casa detém o título de recordista das vistas— segura desde abril duas ações que obrigariam o governo Jair Bolsonaro (PL) a traçar um plano de preservação da Amazônia.

Já o ministro Luiz Fux baixou, em 2020, uma liminar que impediu a implementação do juiz de garantias em todo o país. A medida vale até que o tribunal conclua o julgamento da constitucionalidade da lei, matéria que nunca é pautada.

Há 484 processos paralisados por pedido de vista no STF.

Diante desse cenário, mostra-se acertada a decisão —unânime— de alterar o regimento interno da corte para tornar mais rígidas as regras relativas ao pedido de vista e a decisões monocráticas.

O primeiro terá, agora, prazo máximo de 90 dias, ao fim do qual o processo fica automaticamente liberado para voltar a julgamento. Já as cautelares individuais precisam necessariamente ser avaliadas pelas turmas ou pelo plenário, sempre que envolverem a preservação de direito individual ou coletivo.

Um certo ceticismo é recomendável, porém. Cumpre lembrar que o regimento atual já traz um prazo para a vista (30 dias renováveis por mais 30) que nunca foi respeitado. A liberação automática, em tese ao menos, é novidade que pode barrar a procrastinação.

Mais autocontenção é boa providência na instância mais poderosa do Judiciário. Espera-se que a diretriz seja, na prática, cumprida.

Receita incerta

Folha de S. Paulo

Alta arrecadação vem de fatores voláteis, o que torna gastança mais arriscada

Temores de analistas e investidores estão hoje compreensivelmente concentrados na escalada de despesas públicas com o novo governo, mas há riscos a considerar também no lado das receitas.

Os números recentes impressionam. Nos 12 meses acumulados até outubro, a arrecadação bruta da União atingiu 23,7% do Produto Interno Bruto, montante quase R$ 300 bilhões acima do previsto na lei orçamentária. Descontadas as transferências obrigatórias a estados e municípios, a surpresa fica em R$ 211 bilhões.

Esse foi o motivo básico da melhora das contas do Tesouro Nacional, neste ano de medidas eleitoreiras de Jair Bolsonaro (PL). Com isso, a relação entre dívida pública e o PIB, voltou a algo próximo a 74%, o patamar de antes da pandemia.

Ocorre que boa parte desse desempenho está relacionada ao setor extrativo, em especial de petróleo. Cálculos do economista Bráulio Borges, da Fundação Getulio Vargas, mostram a excepcionalidade.

A coleta de royalties, dividendos e impostos oriundos especialmente da Petrobras deve chegar neste 2022 a 2,6% do PIB, um salto em relação à media de 0,92% observada entre 2011 e 2020. Tal aumento representa cerca de 70% de toda a arrecadação acima do esperado.

O problema é que nada disso está garantido adiante. Nas projeções de Borges, haverá redução de 0,6 ponto percentual no ano que vem.

Embora a coleta esperada se mantenha elevada entre 2023 e 2031 (1,4 ponto acima da média 2011-2020), com a perspectiva de aumento da produção, é obviamente temerário contar com receitas que dependem de uma matéria-prima com preços voláteis.

Tampouco deverá se repetir o pagamento excepcional de dividendos da Petrobras para a União, que chegou a R$ 56 bilhões neste ano.

Por fim, há o efeito da inflação e do crescimento da economia. Além do impacto do setor extrativo, o restante da arrecadação também cresceu pela margem positiva das empresas, sobretudo as industriais, mais tributadas.

Entretanto a alta dos preços foi contida com o aperto nos juros do Banco Central, o que também faz o PIB reduzir o ritmo.

A incerteza quanto à arrecadação torna ainda mais temerária a gastança escolhida pelo presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Crer que a despesa pública dará impulso duradouro à economia será, com perdão do trocadilho, receita de problemas.

Bagunça golpista exige punição

O Estado de S. Paulo.

Bolsonaro deve zelar pela ordem jurídica e pela paz social no País. Seu silêncio e meias palavras soam como autorização para seguidores cometerem sandices antidemocráticas

O presidente Jair Bolsonaro chega ao final do mandato como o grande responsável pelo clima de tensão e desordem que se instalou em Brasília desde o resultado das eleições. Agora, às vésperas da posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, os brasileiros assistem ao ápice dessa bagunça alimentada pelo mesmo governo que prometeu ao País “a lei e a ordem”.

Tão absurdo tem sido o desenrolar dos acontecimentos na capital federal – mas não apenas lá – que a Polícia Federal

(PF) recomendou que Lula não desfile no Rolls-royce presidencial no dia da posse, como é tradição há 70 anos, por risco de atentado contra a sua vida.

Não se sabe se Lula acatará a recomendação. O automóvel não só é um símbolo da autoridade do chefe de Estado e de governo, como, em alguma medida, é uma das representações da própria República no imaginário da Nação. Mas o temor dos agentes da PF responsáveis pela segurança do presidente eleito não é infundado. Existem indícios, por exemplo, de que há pessoas armadas no acampamento golpista em frente ao Quartel-general do Exército. Não existe liberdade de se manifestar armado.

Além disso, como se não bastasse, na véspera do Natal um seguidor bolsonarista tentou explodir uma bomba sob um caminhão de querosene de aviação nos arredores do Aeroporto Internacional de Brasília. O objetivo de George Washington de Oliveira Sousa, gerente de um posto de combustíveis no interior do Pará, era “criar o caos” na capital federal para que Bolsonaro decretasse “estado de sítio” e as Forças Armadas, por sua vez, interviessem para impedir a posse de Lula. Em depoimento à Polícia Civil do Distrito Federal, o bolsonarista afirmou que agiu “inspirado” por palavras do presidente. Em novo depoimento, retirou a menção a Bolsonaro.

É lamentável que haja pessoas dispostas a urdir uma trama golpista e rocambolesca desse naipe. De toda forma, trata-se da expressão fidedigna de um governo conduzido durante quatro anos sob o signo de Tânatos, o deus da morte na mitologia grega, como já destacamos nesta página.

Até perder a eleição, Bolsonaro agiu pela destruição pura e simples – destruição dos avanços civilizatórios trazidos pela Constituição de 1988, das instituições republicanas, da moralidade pública, da tradição diplomática do País, de políticas públicas bem-sucedidas, de adversários políticos. Agora, derrotado nas urnas, omite-se com o mesmo desiderato. Seu silêncio e suas meias palavras soam como autorização para que seguidores mais radicalizados cometam sandices criminosas e antidemocráticas.

Convém lembrar às autoridades, aí incluídas o senhor presidente da República e o ministro da Justiça, Anderson Torres, que elas, enquanto estiverem em seus cargos públicos, têm o dever de garantir a ordem jurídica e a paz social no País. Eventuais omissões e cumplicidades podem gerar graves responsabilidades penais. No caso de Jair Bolsonaro, existem obrigações constitucionais bem precisas, que valem até o último minuto do mandato.

Diante da baderna promovida por seus apoiadores, Jair Bolsonaro não é assistido pelo direito ao silêncio e à inação. Anderson Torres, por sua vez, diminui o cargo quando, diante de tão sérias ameaças, se limita a dizer que o Ministério da Justiça está “acompanhando” as investigações da Polícia Civil do Distrito Federal. Eis o final do governo que prometia “a lei e a ordem”: com bagunças e desordens até então inéditas no atual regime constitucional. Vista em Brasília e em outras cidades, a insurgência de bolsonaristas contra o resultado da eleição ocorre sob o beneplácito de autoridades que, tendo o dever de zelar pela Constituição e pela paz, responderão por tão perigosa passividade.

Reafirmando a Constituição e a vontade popular, o presidente eleito tomará posse no dia 1.º de janeiro. Mas isso não significa que o País esteja livre das ameaças dos arruaceiros que não se conformam com o resultado da eleição. Se lhes faltam razão e civismo, que sobre eles recaia todo o peso da lei. É assim que a democracia se defende.

Matriz energética do País já mudou

O Estado de S. Paulo.

Mais relevante do que discutir preços do petróleo é manter a diversificação das fontes de energia, e nisso o Brasil está em posição privilegiada em relação ao mundo desenvolvido

Aprofunda e inflacionária crise energética na Europa, desencadeada pela invasão da Ucrânia pela Rússia, evidencia os acertos da política de energia no Brasil, com o aumento na oferta proveniente de fontes renováveis, mas também abre caminho para o debate sobre os passos a serem tomados neste setor pelo governo eleito em outubro.

Pouco se sabe, até agora, sobre quais serão as prioridades da política energética do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, embora se acredite que serão mantidos os estímulos para investimentos em energia renovável, dada a importância do discurso a favor da preservação ambiental.

Curiosamente, o pouco que foi aventado sobre energia por pretendentes a ocupar postos-chave no futuro governo foi centrado na política de preços de petróleo e o papel que a Petrobras deveria assumir nos próximos anos. São discussões anacrônicas na medida em que o Brasil e muitos outros países passaram por uma revolução nas suas matrizes energéticas e hoje é menor a dependência do petróleo do que nas últimas décadas do século passado. O próprio plano estratégico da Petrobras para os próximos cinco anos, divulgado em novembro, não fez aposta mais ambiciosa em fontes de energia renovável. Entre os investimentos previstos, US$ 64 bilhões, ou 83% do total, serão aplicados em exploração e produção de petróleo e gás.

Dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) de setembro mostram que o País ultrapassou os 185 gigawatts de capacidade de geração e, segundo os critérios da agência, pouco mais de 80% desse total corresponde a fontes renováveis de energia, como a água dos rios, os ventos e o sol. Merece destaque, obviamente, a expansão muito expressiva da participação da energia solar e eólica na matriz energética, reduzindo a importância das termoelétricas. Embora as hidrelétricas ainda respondam por 54% da produção de energia, a eólica já corresponde a mais de 10% da oferta total e a solar divide com as termoelétricas a terceira posição. E esse panorama foi alcançado, em grande parte, por iniciativas do setor privado.

É consenso entre especialistas que se deve manter o processo de diversificação das fontes de geração de energia, principalmente com a construção de usinas de baixo impacto ambiental e social. Essa tendência, observada no Brasil nos últimos anos, ganha maior importância diante dos efeitos da guerra entre Rússia e Ucrânia, que levantou sérias dúvidas sobre o processo de globalização na oferta de energia.

Grandes investimentos em fontes alternativas de energia podem, adicionalmente, ajudar no crescimento econômico das regiões mais pobres do País. Estudo do Instituto Brasileiro de Economia da FGV apurou que cada R$1 investido em parque eólico gera R$ 2,90 no Produto Interno Bruto (PIB) no período de 10 a 14 meses, considerando-se impactos diretos, indiretos e induzidos pelo efeito multiplicador dos empreendimentos. No Nordeste, para citar apenas um exemplo, os projetos já autorizados devem receber investimentos da ordem de R$ 250 bilhões e de mais R$ 148 bilhões em usinas solares.

Nesse cenário, o Brasil está muito longe das sérias dificuldades no setor energético de outros países. A Europa enfrenta escassez na oferta de energia e aumento dos preços para os consumidores depois que a Rússia invadiu a Ucrânia. Há alguns dias, a Agência Internacional de Energia (AIE) alertou a União Europeia que a situação energética do bloco poderá ser ainda pior em 2023 porque o fornecimento russo pode diminuir ainda mais e a oferta de gás de outros países também tende a diminuir, principalmente se a China retomar a demanda pelo insumo. Mais de 40% do gás consumido pelos europeus é fornecido pela Rússia, e a União Europeia paga cerca de 150 bilhões de euros por ano ao país. A dependência do gás russo chega a 80% em países como a Lituânia.

No Brasil, o cenário é diferente, mas é urgente que a equipe do novo governo tome consciência de que o futuro da energia são as fontes renováveis e que a era de ouro do petróleo está nos seus últimos dias.

Uma aula de injustiça social

O Estado de S. Paulo.

Ao reduzirem imposto sobre herança, deputados estaduais vão na contramão dos raros consensos da reforma tributária

No apagar das luzes do ano, a Assembleia Legislativa de São Paulo aprovou um projeto de lei que reduz a tributação sobre heranças e doações. A proposta diminui a alíquota do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD) dos atuais 4% para 1%, para heranças, e a 0,5%, para doações. A mudança foi aprovada na noite do dia 21 de dezembro, em meio a outros 78 projetos e sem um debate mínimo. O caso ilustra bem como as desigualdades brasileiras não são mero acidente, mas uma construção intencional.

A Constituição de 1988 deu aos Estados a competência para instituir o imposto sobre transmissão de propriedade. É possível chegar a até 8%, mas, na maioria dos casos, a alíquota é de 4%. Há casos de imunidade e isenção, quase sempre quando o valor do bem é baixo; na outra ponta, famílias abastadas e que fazem planejamento sucessório conseguem se livrar do pagamento do tributo. Por essas razões, o ITCMD já não poderia ser considerado uma cobrança de amplo alcance. Ainda assim, as mudanças aprovadas pelos deputados podem reduzir a arrecadação anual do Estado em R$ 4 bilhões.

Exemplos, mais do que números, são capazes de expressar a relevância desse valor. São Paulo precisará de R$ 4 bilhões para financiar as atividades da Universidade Estadual Paulista (Unesp) por um ano. Com R$ 4 bilhões de sobra, o Estado poderia quadruplicar a verba para o ensino integral na rede estadual em 2023. Chama a atenção, portanto, que a Assembleia Legislativa tenha tão facilmente aberto mão da arrecadação com o ITCMD, mas não tenha considerado a renúncia na deliberação, ocorrida um dia antes, sobre o orçamento estadual.

A Secretaria da Fazenda de São Paulo, evidentemente, recomendou o veto ao governador eleito Tarcísio de Freitas, e tudo indica que ele acatará tal orientação. Em termos fiscais, o problema deve ser resolvido, mas as questões de fundo que esse debate levanta estão muito distantes de ser devidamente endereçadas. Afinal, o projeto, aprovado a toque de caixa, é a verdadeira antítese do que os maiores especialistas em tributação defendem no País e no mundo.

Se há divergências sobre como uma reforma tributária deve ser conduzida, há um raro consenso a unir todos os estudiosos do sistema: no Brasil, paga-se muito imposto sobre o consumo e pouco sobre o patrimônio. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) considera que a taxação sobre heranças é “o imposto certo na hora certa”, pelo baixo custo de implementação e por gerar menos distorções que outras cobranças sobre grandes fortunas.

Segundo a organização norte-americana Tax Foundation, países ricos – e mais igualitários – cobram um imposto sobre heranças muito mais alto que a média nacional. No Japão, a alíquota corresponde a 55%; na França, a 45%; e nos Estados Unidos e no Reino Unido, a 40%. Os deputados paulistas, portanto, fizeram bem mais do que aprovar uma bomba fiscal. Deram uma lição sobre como ampliar injustiças e consolidar desigualdades sociais de forma prática.

 Governo Bolsonaro tem o dever de garantir sucessão segura

Valor Econômico

Cabe ao governo zelar pela ordem e paz no país até que a transmissão de cargo seja efetivada

Não se pode dar chance ao acaso, e a prisão de um bolsonarista radical que planejava explodir um caminhão de querosene nas imediações do Aeroporto de Brasília mostrou que há grupos interessados em impedir a posse do presidente eleito Lula, ainda que ao custo de muitas vidas. Há um frenesi de providências em Brasília, entre o governo que ainda não tomou posse e as autoridades do Distrito Federal. Falta um participante decisivo: o governo federal, a quem cabe zelar pela ordem e paz no país até que a transmissão de cargo seja efetivada. É do presidente Jair Bolsonaro, deprimido com a derrota, a responsabilidade por tudo o que possa ocorrer no país até que seu sucessor assuma. Alheio a tudo, Bolsonaro pretende passar o réveillon em Orlando.

Caberia ao presidente Bolsonaro solicitar a seus apoiadores mais radicais que aceitem o resultado eleitoral, algo que ele próprio não fez. Também é de sua competência, como chefe supremo das Forças Armadas, ordenar que elas atuem para garantir a segurança e a ordem democrática - o que até agora também não fez. As manifestações a favor de intervenção militar e de um golpe para impedir a posse de Lula são apenas amostras patéticas do que resta do sonho do presidente de continuar no poder, depois de a investida legal, nas urnas, tê-lo desapontado profundamente.

Os ministros militares são corresponsáveis pelo que possa vir a ocorrer. As imediações do Quartel General do Exército, em Brasília - um dos cenários principais do inconformismo antidemocrático - nunca foram livremente ocupadas como agora, exceto brevemente em comemorações cívicas. Os duradouros acampamentos bolsonaristas foram acolhidos com benevolência e serviram de objeto de rara nota em que são classificados como “manifestações pacíficas” pelo comando das Forças Armadas. A detenção do radical brasileiro George Washington indica que elas deixaram de sê-lo, para se tornarem território livre para atos ilegais.

Algazarras bolsonaristas já haviam iluminado a noite de Brasília na diplomação de Lula, com a tentativa de incendiar a sede da Polícia Federal e as piras em que se tornaram alguns veículos e ônibus urbanos. A confissão de Washington sobre sua tentativa de “criar caos” para provocar a intervenção das Forças Armadas, e de que as aglomerações em frente ao Forte Apache servem de valhacouto para este tipo de trama, é motivo suficiente para que todas as instituições deem basta aos protestos.

A fuga à responsabilidade na transição de governos é mais um dos fardos legais cujo descumprimento acarretará novas dificuldades com a Justiça para Bolsonaro, quando ele perder as prerrogativas do cargo - e ele já tem muito com que se preocupar pelo que fez e deixou de fazer em seu governo. Sua ascendência sobre os militares, de que foi sempre cioso, foi deixada de lado agora.

A história é estranha e constrangedora para a democracia. No início, houve uma trama de bastidores em que os comandantes das Forças Armadas ameaçaram entregar seus cargos antes da posse do presidente eleito, uma forma não muito polida de sugerir, entre vários significados possíveis, que não aceitariam Lula como comandante-em-chefe. Isso obrigou a equipe do vencedor das urnas a se desdobrar para impedir um conflito indesejável em todos os sentidos e evitar um péssimo sinal sobre o compromisso dos militares com a democracia e de seu alinhamento com um radical derrotado nas urnas.

A leniência do comando militar para com os manifestantes bolsonaristas produziu uma inversão esdrúxula do cenário. Agora, é o governo que ainda não assumiu quer que ministros militares sejam substituídos antes da posse, acarretando situações bizarras, como o bate-cabeças entre o futuro ministro da Justiça, Flávio Dino, que pede ações firmes contra as manifestações, e o também futuro ministro da Defesa, José Múcio, que rejeita ações que desalojem os manifestantes “na marra”. Por algum motivo, o titular da Defesa do novo governo aceita as razões dadas pelos militares, o eixo das desavenças: pelo que se tornaram, as manifestações são legais ou não?

A história recomenda cautela extrema contra lobos solitários extremistas, ainda mais se apoiados por matilhas antidemocráticas. Além disso, diferentemente de ações de radicais da esquerda, as de direita em geral contam com algum apoio velado de setores do aparato de Estado. A segurança de Lula na posse deve ser a máxima disponível. O atentado frustrado grita que sua proteção não deve ser negligenciada.

 

4 comentários:

  1. "Bagunça golpista exige punição

    O Estado de S. Paulo.

    Bolsonaro deve zelar pela ordem jurídica e pela paz social no País. Seu silêncio e meias palavras soam como autorização para seguidores cometerem sandices antidemocráticas"

    Estou surpreso. Não reconheci o Estadão. Palmas! Aplausos 👏🏿!
    Sandices antidemocráticas são terrorismo, mas foi um avanço.

    ResponderExcluir
  2. "Eventuais omissões e cumplicidades podem gerar graves responsabilidades penais."

    Kkkkkkkk Jogo de cintura digno de um dançarino. Eventuais? São omissos e cúmplices, sr. Editorialista.

    ResponderExcluir
  3. Valor Econômico

    "Os ministros militares são corresponsáveis pelo que possa vir a ocorrer."

    Por isso, sempre pergunto: pra q servem nossas FA?
    Respondo: Delas não precisamos, mas, sim, dos recursos nelas desperdiçados. Uma força CIVIL e federal, como a PF, seria mais útil.

    ResponderExcluir
  4. "...diferentemente de ações de radicais da esquerda, as de direita em geral contam com algum apoio velado de setores do aparato de Estado. A segurança de Lula na posse deve ser a máxima disponível. O atentado frustrado grita que sua proteção não deve ser negligenciada."

    E isso vindo, salvo engano meu, de um periódico q tem como sócio os Marinho, do império Globo.
    SURPREENDENTE!

    ResponderExcluir