sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Combate a golpismo não deve ser movido por desejo vingativo

O Globo

Rigor da lei é necessário — mas Lula e o PT fazem acusações falsas para tentar desviar de temas incômodos

Por determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), a Polícia Federal (PF) cumpriu ontem mais de cem mandados de busca e apreensão para investigar apoiadores do presidente Jair Bolsonaro suspeitos de organizar atos antidemocráticos desde o anúncio do resultado do segundo turno da eleição presidencial. Já era hora de uma resposta ampla e coordenada.

O Brasil não pode ficar refém de nenhum grupo violento, de direita ou esquerda. O Estado tem o dever de prender os culpados por promover manifestações que agridem o Estado Democrático de Direito de forma violenta, como se viu na segunda-feira em Brasília. Pelo mesmo motivo, as investigações de empresários do ramo dos transportes e caminhoneiros que bloquearam estradas têm de prosseguir. A punição precisa ser exemplar para que não haja nenhum incentivo a quem cogite a hipótese de voltar a propagar o caos.

O rigor, porém, não deve ser contaminado por acusações levianas nem por um espírito vingativo. Um dia depois do ataque de bolsonaristas à sede da PF em Brasília, o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, aumentou a temperatura e mentiu ao declarar que Bolsonaro “continua incentivando os ativistas fascistas que estão nas ruas se movimentando”.

Bolsonaro pode ser acusado de omissão — e isso também é grave —, mas não de incentivo. Nesse ponto, se distanciou de seu guru Donald Trump. Em 6 de janeiro de 2021, o então presidente americano insuflou pelas redes sociais as hostes que se mobilizavam, mandou preparar o carro presidencial para que o levasse ao Capitólio invadido e agrediu o agente do serviço secreto que o impediu. Não houve nada semelhante por aqui.

Ao fustigar Bolsonaro, Lula está interessado em manter vivo o clima da campanha eleitoral e em continuar coberto pelo manto de “salvador da democracia”. Seus gestos são repetidos por caciques petistas como a deputada federal e presidente do PT, Gleisi Hoffmann, que chamou Bolsonaro de cúmplice e o acusou de abrigar envolvidos.

O discurso inflamado tem contaminado até figuras mais sensatas. Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, o futuro ministro da Justiça, Flávio Dino, do PSB, declarou que não haverá ninguém “no dia da posse quebrando prédio em Brasília”. “Isso não vai ter porque, se tiver, aí já estará sob nosso comando a partir do dia 1º de janeiro”, disse em tom de ameaça.

O brasileiro não precisa que Lula, Gleisi ou Dino fiquem a todo tempo associando os golpistas e vândalos a Bolsonaro. Isso não é segredo para ninguém. As digitais estão por todos os lados: no vestuário, nos métodos, nas ideias e nas teses conspiratórias. Cada carro incendiado, cada vidro quebrado, cada estrada bloqueada gera desaprovação não apenas de quem votou em Lula, mas também entre os eleitores de Bolsonaro.

Além de serem um problema para o próprio bolsonarismo, os atos golpistas e de vandalismo servem de álibi para o PT desviar a atenção da opinião pública de assuntos incômodos, como mudanças na Lei das Estatais para abrir a porta a aliados no novo governo, o caráter perdulário e irresponsável da PEC da Transição ou as contradições da nova política econômica. Quanto a golpistas e vândalos, o melhor a fazer é deixá-los se imolar, enquanto são alvo do escárnio da população e do rigor da lei.

STJ fez bem em liberar compra de blindados italianos pelo Exército

O Globo

Não para de pé a alegação de que a suspensão liberaria recursos do Orçamento para saúde e educação

A presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministra Maria Thereza de Assis Moura, liberou enfim a compra de 98 blindados italianos pelo Exército Brasileiro. Orçada em R$ 3,3 bilhões, ela fora sustada pelo desembargador Wilson Alves de Souza, decisão mantida pelo desembargador João Batista Moreira, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1). Uma ação popular questionava a compra dos blindados num momento em que o governo federal impõe cortes dramáticos em áreas como a Educação.

A ministra acatou o argumento de que a compra integra uma política pública iniciada há dez anos e está “amparada em ampla discussão técnica”. Por isso entendeu que não houve açodamento. “O gasto foi devidamente incluído no Plano Plurianual de 2020-2023, aprovado pelo Congresso Nacional em 2019 e incluído como Investimento Plurianual Prioritário”, afirmou. Também contestou a informação de que o Exército teria de desembolsar de imediato R$ 5 bilhões para garantir a compra. A quantia antecipada, diz a ministra, é de apenas R$ 1 milhão, valor coberto pela dotação orçamentária de 2023. O desembolso total ocorrerá ao longo de 17 anos.

Ao suspender a compra, o desembargador Souza argumentou que a aquisição dos blindados era uma “medida irrisória”, pois representa renovação de apenas 5% da frota, num momento em que a segurança nacional não está ameaçada. “É evidente a falta de razoabilidade, desvio de finalidade, ilegalidade e até mesmo de elementar bom senso, pois outra classificação não há quando ao mesmo tempo que se fazem cortes de verbas da educação e da saúde por falta de dinheiro se pretende comprar armas em tempos de paz”, afirmou.

Os argumentos dele não param de pé. É verdade que o governo bloqueou verbas de Educação e Saúde, pondo em risco serviços essenciais. Mas isso nada tem a ver com a compra de veículos militares planejada ao longo de uma década. Cada pasta tem seu orçamento, e não cabe à Justiça remanejar verbas do Executivo. Fosse assim, para tapar os rombos do MEC, nenhum ministério poderia fazer mais nada.

Não cabe também à Justiça se meter nos planos das Forças Armadas para a defesa. Ninguém melhor que o Exército para saber suas prioridades. É ridículo pensar que as Forças só possam se equipar em tempos de guerra. O desfile patético de tanques soltando fumaça no ar de Brasília em agosto do ano passado deu uma ideia de quão defasada está a frota. De acordo com o Exército, parte dos blindados substituirá veículos com quatro décadas de uso.

Seria compreensível sustar a compra se houvesse denúncia de irregularidade. Até onde se sabe, não há. Pode-se questionar se ela deveria ser feita em fim de governo. Mas trata-se de uma decisão de dez anos, não de ato repentino para aproveitar os ventos de um governo que tratou as Forças Armadas com deferência. Os argumentos usados na ação são falaciosos. Barrar a compra dos blindados não resolveria o problema da Educação e só agravaria o sucateamento da frota do Exército, comprometendo a defesa nacional.

Devagar com o andor

Folha de S. Paulo

Na busca por marca, prefeito de São Paulo flerta com políticas que exigem debate

Estar à frente da maior e mais rica cidade do país pode catapultar voos mais altos, mas a Prefeitura de São Paulo, com seus monumentais desafios, é também pródiga em fulminar as carreiras políticas de seus incumbentes.

Diante de tamanha visibilidade e poder de ação, é natural, portanto, que prefeitos apostem em obras vultosas ou políticas públicas de impacto e perenes, que possam beneficiar milhões de paulistanos.

Tenta-se, assim, conquistar uma "marca", um legado do mandato. Prefeito há 19 meses, Ricardo Nunes (MDB) continua em busca da sua. Ainda pouco conhecido, o ex-vereador corre contra o tempo para viabilizar-se à reeleição em 2024.

Não faltam trunfos para tanto. No ano que vem, Nunes tem à disposição capacidade recorde de investimentos, na casa de R$ 11,5 bilhões. Exibe ainda invejável apoio na Câmara Municipal, que costuma aprovar seus projetos com celeridade raramente vista.

Foi nesse contexto otimista que o prefeito apresentou recentemente um nebuloso programa de reconhecimento facial de cidadãos.

Ao custo de R$ 70 milhões anuais, o "Smart Sampa" prevê a instalação de 20 mil câmeras e um monitoramento capaz de classificar pessoas como suspeitas e rastreá-las de acordo com características físicas, incluindo a cor da pele.

Com o objetivo declarado de ampliar a sensação de segurança, o sistema será capaz, nas palavras do prefeito, de "melhorar os serviços públicos", "integrar informações" e "ganhar em eficiência".

Dúvidas sobre a validade e o uso adequado da tecnologia, inclusive sob risco de injustiças e racismo; desconexão com as forças estaduais de segurança; escasso debate público. Essas e outras críticas, apontadas por diversos setores da sociedade, fez com que a licitação acabasse suspensa —mas não enterrada— sob a promessa de correções de rumo.

Também aventa-se na gestão Nunes a possibilidade de implantar a tarifa zero nos ônibus municipais. Tarefa descomunal e cercada de questionamentos, a gratuidade ainda está sob estudo técnico.

De imediato, para 2023, deseja-se pelo terceiro ano consecutivo o congelamento do valor das passagens, incluindo as de responsabilidade do governo estadual, como para trens da CPTM e metrô.
Ignorar pressões inflacionárias tem seu preço: os gastos com subsídios municipais são estimados em R$ 5 bilhões somente neste ano.

São Paulo tem pressa, não há dúvida. Mas, numa metrópole em que questões corriqueiras assumem dimensões insolúveis —como os semáforos que sofrem apagões ao menor sinal de chuva—, cumpre primeiro observar prioridades, viabilidades e urgências.

Bioma premiado

Folha de S. Paulo

Restauração da mata atlântica é louvada na ONU, mas desmatamento ainda preocupa

Estendendo-se por boa parte da faixa litorânea brasileira, a mata atlântica foi, ao longo dos últimos cinco séculos, o palco por excelência da exploração e da ocupação do território nacional.

Esse intenso processo de transformação levado a cabo pelo homem deu origem a algumas das maiores metrópoles e indústrias do país, mas também levou à inclemente devastação da floresta.

Remanescem hoje apenas 12,5% das áreas originais —embora a cobertura vegetal, que abrange também matas secundárias e terciárias, alcance cerca de 25% do bioma.

Tão fundamental quanto preservar o que restou é buscar restaurar aquilo que foi dizimado. Segundo o Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, rede que articula nacionalmente ações do tipo, já foram recuperados aproximadamente 700 mil hectares de florestas.

Há que comemorar, portanto, o reconhecimento internacional que a iniciativa conquistou nesta semana na COP15, a conferência de biodiversidade das Nações Unidas, ao ser eleita uma das dez referências mundiais em restauração.

O bioma passa, assim, a receber prioridade da ONU para financiamento e apoio técnico para a sua recomposição, que ambiciona chegar à marca de 1 milhão de hectares em 2030 e 15 milhões em 2050.

As dez iniciativas escolhidas (num universo de 156 candidatas) pretendem recompor 68 milhões de hectares de matas e gerar quase 15 milhões de empregos.

A restauração vegetal cumpre um papel crucial na garantia dos chamados serviços ecossistêmicos da floresta, como a manutenção do ciclo hidrológico e a recarga de aquíferos e reservatórios, c m,,om impacto direto na economia e no dia a dia de parte expressiva das grandes cidades do país.

Mas nem tudo são flores na mata atlântica. Enquanto a restauração avança a passos firmes, o desmatamento volta a assombrar o bioma.

De 2020 a 2021, a devastação cresceu 66%, em relação ao período anterior, e nada menos que 90% face a 2017-2018, quando o corte raso atingiu os menores índices históricos, aproximando-se da taxa zero.
Cinco estados —Minas Gerais, Bahia, Paraná, Mato Grosso do Sul e Santa Catarina— concentraram os quase 22 mil hectares arrasados.

Urge que o poder público atue para interromper o desmatamento do bioma. Do contrário, o valioso esforço de restauração da mata atlântica, reconhecido internacionalmente, acabará sendo inócuo.

Retrocesso com a marca do PT

O Estado de S. Paulo

Ao apoiar a flexibilização da Lei das Estatais, Lula enfraquece moral e politicamente, desde a primeira hora, seu governo. O Centrão terá muito mais cargos a exigir nas negociações

O PT não entendeu nada quando o governo de Fernando Henrique Cardoso propôs a criação das agências reguladoras. Fez ferrenha oposição. O partido de Lula via nessas autarquias apenas uma diminuição do poder do Executivo, sem compreender que elas fortalecem a capacidade do Estado de assegurar serviços públicos de qualidade à população. Se alguém tinha alguma dúvida sobre isso, a pandemia de covid-19 sob a gestão de Jair Bolsonaro escancarou a importância de ter, por exemplo, uma Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) forte e independente.

Agora, Lula e o seu partido dão mostras de que também não entenderam nada a respeito da Lei das Estatais. Veem as restrições fixadas pela Lei 13.303/2016 como meros mecanismos de criminalização da política. Na terçafeira, a bancada do PT na Câmara apoiou em peso a flexibilização da Lei das Estatais, que altera, entre outros pontos, a quarentena de quem tenha atuado em campanha eleitoral para assumir cargo de administrador ou conselheiro de empresa pública ou sociedade de economia mista. O prazo atual é de três anos. A proposta reduz a quarentena para 30 dias.

Pelo visto, Lula, que se considera tão hábil articulador político, não se deu conta de que as flexibilizações aprovadas de supetão na Câmara não fortalecem seu governo. Elas fazem precisamente o contrário, abrindo espaço para o apetite do Centrão, que terá mais postos a exigir na estrutura da administração federal. Na votação de terça-feira, a Câmara dos Deputados também reduziu de 3 anos para 30 dias a quarentena para indicações a agências reguladoras.

De fato, a Lei das Estatais foi aprovada num cenário político específico, após os escândalos revelados pela Lava Jato. O País estava enojado com o que o PT e outros partidos tinham feito com as estatais e as empresas de capital misto. Era preciso dar um basta àquela farra envolvendo loteamento político de cargos nessas empresas. O remédio foi ampliar a distância entre a política e esses cargos, estabelecendo, entre outros pontos, quarentenas e requisitos mínimos de experiência e de competência.

No entanto, a Lei 13.303/2016 não é mero fruto da Lava Jato, como se, transformadas as circunstâncias políticas, fosse necessário também, imediatamente e sem maiores reflexões, mudar a Lei das Estatais. Ela é um marco jurídico importante, que protege a missão e o bom funcionamento das empresas públicas e de capital misto. Não foi uma resposta imediatista a pressões da opinião pública, mas resultado de amplo estudo sobre a realidade brasileira e as melhores práticas internacionais. Nesse sentido, a flexibilização da lei aprovada na Câmara é diametralmente oposta ao discurso petista de valorização das estatais.

Relator do projeto que deu origem à Lei das Estatais, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) qualificou a mudança em curso no Congresso de “retrocesso histórico na vida das estatais brasileiras rumo à República das Bananas”. Alertou ainda para o fato de que a flexibilização deixa a “porta aberta para todo tipo de coisas não republicanas”. Certamente, uma vez aprovada a alteração, o Centrão terá muito mais a pedir ao presidente eleito, por exemplo, na negociação da PEC da Transição. A estimativa é de que, com a mudança da Lei 13.303/2016, duas centenas de cargos em estatais e agências reguladoras estarão disponíveis a políticos.

A confirmar que a flexibilização almejada está longe de representar um aperfeiçoamento da lei – é escancarado desmantelamento de sua finalidade –, o texto aprovado pelos deputados também aumenta de 0,5% para 2% da receita operacional o limite das despesas com publicidade e patrocínio de empresas públicas e de capital misto. Essa liberação de publicidade “não é um jabuti”, e sim “um elefante colocado e pendurado na árvore”, como disse Tasso Jereissati. “Estranhíssimo ter entrado neste momento.”

Loteamento político não fortalece nenhum governo. Antes, deixa-o refém moral e politicamente. Pelo visto, Lula não se importa de ter isso desde o início do seu terceiro mandato. Não é um bom começo.

O retorno da fila do Auxílio Brasil

O Estado de S. Paulo

O gigantismo que o programa atingiu torna inevitável avaliar seus resultados com pragmatismo. Combater a desigualdade e a miséria exige mais que dinheiro na conta dos beneficiários

Pouco mais de um mês após a eleição, o País voltou a registrar filas de espera para o Auxílio Brasil. Quase 128 mil famílias tiveram o cadastro aprovado em novembro, mas não receberão o benefício neste mês. O Ministério da Cidadania não informou o motivo do represamento, mas tudo indica não haver recursos orçamentários para fazer o pagamento. O retorno das filas é mais uma promessa descumprida pelo governo de Jair Bolsonaro, que, convenientemente, somente conseguiu mantê-las zeradas nos três meses que antecederam à disputa que sacramentou sua derrota.

Todos os números do Auxílio Brasil impressionam. O valor mínimo do benefício, de R$ 600, é o maior dos últimos anos, e a ele se somará o extra de R$ 150 por criança. Em termos anuais, o custo do programa foi multiplicado por cinco desde 2019 e deve atingir R$ 175 bilhões em 2023. No mesmo período, o número de famílias alcançadas subiu de pouco mais de 14 milhões para 21,6 milhões. Em suma, o País nunca teve tantas famílias cadastradas e jamais gastou tanto com uma política de transferência de renda, uma combinação que, em tese, tinha tudo para acabar com as filas e reduzir a pobreza extrema. Mas o que se vê na prática é o contrário disso, o que sugere que o programa social tem falhas sérias de concepção, acesso, alcance e fiscalização.

Especialistas em políticas sociais do País são unânimes em apontar a falta de foco do Auxílio Brasil. O crescimento exponencial de famílias unipessoais nos últimos anos é uma evidência disso, como apontou uma recente auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU). A Corte de contas suspeita que 3,5 milhões de famílias se tenham dividido artificialmente para auferir mais de um benefício. Por isso, a equipe de transição pretende sugerir ao governo eleito que convoque 5 milhões de pessoas a comparecer aos Centros de Referência de Assistência Social (Cras) para comprovar sua situação e evitar o bloqueio dos pagamentos.

Se essa é a falha mais evidente do Auxílio Brasil, certamente não é a única. No livro Diretrizes para o Desenho de uma Política para a Superação da Pobreza, lançado neste ano, os professores do Insper Laura Muller Machado e Ricardo Paes de Barros apontam que o caminho para o combate à miséria passa por priorizar os mais vulneráveis, mas, também, por criar condições para que as famílias atinjam a autonomia. Isso requer que o governo trate cada situação com a especificidade que ela enseja, com profissionais que acompanhem as famílias de perto e ofereçam o necessário para assegurar a elas uma cesta de direitos sociais e a garantia do direito ao trabalho.

Para as mães de crianças pequenas, vagas em creches são fundamentais para manter um emprego em tempo integral. Para homens e mulheres que exercem funções que já não mais existem no mercado de trabalho, é necessária uma requalificação profissional. “A gente tem de chegar perto da pobreza. Ela se supera olho no olho, frente a frente, fazendo um acompanhamento humanizado e presente. Não é algo a distância, como um depósito numa conta bancária”, disse Laura, em entrevista ao Estadão.

Diante de um país ainda tão dividido, entende-se a pressa do governo eleito em garantir o cumprimento das promessas de campanha referentes ao renomeado Bolsa Família, por meio da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição. Mas o gigantismo que o programa social atingiu torna inevitável que ele seja avaliado com mais pragmatismo a partir de janeiro e reavaliado de forma periódica para que cumpra seus objetivos.

O dinheiro precisa ser mais bem aplicado e trazer resultados efetivos no combate à miséria. Pela recorrência com que as filas retornam, fica claro que impedir o avanço da desigualdade social demanda muito mais que depósitos na conta dos beneficiários. Requer, também, um alinhamento com políticas públicas transversais que garantam a inserção produtiva dos adultos e universalizem o acesso a serviços básicos de saúde e educação, para que seja possível oferecer às crianças algumas das oportunidades que seus pais nunca tiveram.

Para não condenar inocentes

O Estado de S. Paulo

Urge implantar os novos parâmetros do CNJ para o reconhecimento de suspeitos, fonte de muitos erros judiciais

Em agosto de 2021, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criou um grupo de trabalho destinado a elaborar proposta de diretrizes para o reconhecimento pessoal em processos criminais. Coordenado pelo ministro Rogerio Schietti Cruz, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o trabalho buscava responder à seguinte questão: quais cuidados e protocolos devem ser aplicados no reconhecimento pessoal para evitar a condenação de pessoas inocentes?

Trata-se de um tema delicado. Em muitíssimos processos criminais, o reconhecimento pessoal – uma testemunha dizendo que se lembra de ter visto determinada pessoa praticando tal crime – é o principal meio de prova. Muitas vezes, o único. A realização correta do reconhecimento é, portanto, fundamental para que os verdadeiros autores dos crimes sejam identificados.

A explicitar a gravidade do tema e a necessidade de diretrizes, estudo da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro mostrou que, na grande maioria dos casos com reconhecimento fotográfico equivocado (83%), as pessoas injustamente tratadas pela Justiça eram negras. Ou seja, além de ser altamente falho – quando realizado sem parâmetros mínimos –, o reconhecimento pessoal é também muitas vezes instrumento do racismo e da seletividade do sistema penal.

Em setembro de 2022, o grupo de trabalho do CNJ concluiu um longo relatório com um diagnóstico dos elementos catalisadores da prisão de inocentes, uma proposta de procedimento para o reconhecimento em sede policial, uma sugestão de regulamentação do tema pelo CNJ e uma proposta de melhoria do Código de Processo Penal. “O dispositivo (art. 226), que não sofreu qualquer alteração legislativa desde 1941, pode ser bastante melhorado com a adoção de algumas medidas adicionais e relativamente simples”, dizia o relatório, que, desde sua publicação, é referência obrigatória sobre o tema. Não é possível discutir combate à impunidade ou melhoria do sistema de justiça penal sem levar em conta os pontos ali discutidos.

Recentemente, o CNJ aprovou uma resolução com diretrizes para o reconhecimento de pessoas em processos criminais e para sua avaliação pelo Poder Judiciário. Entre os pontos destaca-se a necessidade de não ser apresentado à testemunha um único suspeito – “apresentação isolada da pessoa, de sua fotografia ou imagem”. A resolução prevê o “alinhamento presencial de quatro pessoas”. Também se exige a investigação prévia para colheita de indícios de participação da pessoa investigada no delito antes de submetê-la a procedimento de reconhecimento. Na impossibilidade do reconhecimento nessas condições, outros meios de prova devem ser utilizados. Além disso, todo o procedimento de reconhecimento deve ser gravado.

Segundo a presidente do CNJ, ministra Rosa Weber, o ato normativo, “passo histórico de confiabilidade de prova, (...) evita a prisão e condenação de inocentes, reduz a impunidade e amplia o respaldo do sistema de justiça perante a comunidade”. Que as delegacias e as varas criminais o apliquem o quanto antes.

PIB cai em 2023, com juros altos e inflação resistente

Valor Econômico

A evolução da política fiscal no próximo governo preocupa o Banco Central

O comportamento da economia em 2023 estará sob o signo dos juros altos e da desaceleração do crescimento. O Banco Central, em seu relatório de inflação de dezembro, prevê um PIB 1% maior no ano que vem. Tudo isso pode mudar, se o governo eleito decidir estimular as atividades, na contramão do aperto da política monetária, cujos efeitos defasados se farão sentir plenamente nos próximos meses.

A economia se afastará um pouco mais de seu crescimento potencial com o torniquete dos juros. O BC estima que o hiato do produto, a diferença entre o que o PIB está crescendo e o que tem potencial para crescer, encerrará o ano em -1,1%, e a defasagem será maior no fim do próximo ano, -1,8%. A indústria não terá expansão em 2023, ao contrário do forte comportamento da agricultura (7%) e atrás dos 0,9% do setor de serviços. A expansão tímida será fruto, pelo lado da demanda, do avanço de 1,2% do consumo das famílias, com grande recuo em relação a 2022 (4,2%) e perda de ritmo da formação bruta de capital fixo, de 0,3% (ante 0,7% este ano).

Com a menor atividade econômica e elevado custo do dinheiro, o crédito terá um desempenho bem inferior ao de 2022, mas ainda assim positivo. A taxa nominal de aumento do crédito segue robusta, de 8,3% em doze meses, mas, descontada a inflação, aponta acentuadamente para baixo - 3,2%. Como a trajetória da inflação é de queda, os empréstimos poderão até avançar. O BC projeta aumento de 8,3% do crédito total e inflação, ao fim de 2023, de 5%.

O amortecimento econômico é resultado de uma taxa de juros real que atingiu seu valor máximo neste quarto trimestre, de 7,8%, estima o relatório. 2023 será diferente, mas não muito, com taxa real de 6,4% no fim do ano, o que sinaliza a resistência da inflação em se adequar às metas e taxa Selic ao redor de 11,5%. Em 2024 (5,1%) e 2025 (4,9%), o juro real ainda estará um pouco acima da taxa real neutra (a que nem estimula nem restringe o crescimento) de 4%, ou seja, a política monetária ainda será ligeiramente contracionista até lá.

O aumento da ociosidade da economia, forçada por juros elevados, levará ao esfriamento dos preços do setor de serviços, que evoluíram 7,95% nos doze meses encerrados em novembro, parte de um IPCA de 5,9% no período. No relatório, o BC fez exercícios sobre a influência da inércia inflacionária no setor, que empurra os preços para cima, e da ociosidade, que os força para baixo. Nos doze meses até outubro, os preços de serviços mais sensíveis à ociosidade aumentaram 8,3%, abaixo dos mais sensíveis à inércia, que subiram 9,6%.

A evolução do IPCA de novembro mostra que os índices de difusão estão caindo, embora o recuo inflacionário siga muito dependente do encolhimento dos preços administrados, em especial gasolina, diesel, gás e, em menor proporção, energia elétrica. Ainda assim, os números do BC indicam que há um bom caminho até que o IPCA se aconchegue à meta de inflação. As chances de que o índice seja superior aos 4,75% do teto da meta de 3,25% em 2023 é de 57%. A média dos núcleos do IPCA, que expurgam de várias maneiras itens voláteis, continua perto dos dois dígitos, em 9,38%. Outra medida, o IPCA de serviços subjacentes, que elimina fatores temporários da alta de preços, é de 9,27%.

A evolução da política fiscal no próximo governo preocupa o BC. A situação é mais desconfortável do que indica a possibilidade de que o governo geral obtenha um superávit de 1,29% do PIB, projeção anterior à aprovação pelo Senado da PEC de transição. O relatório observa que esse resultado foi fortemente influenciado pelo pagamento de dividendos das estatais e por receitas advindas da exploração mineral (petróleo, principalmente). A exuberante posição das receitas estaduais esmoreceu. Os Estados, que acumularam R$ 57 bilhões de superávit até julho, tiveram déficit de R$ 4 bilhões no trimestre encerrado em outubro, em decorrência da redução das alíquotas de ICMS de combustíveis, energia e telecomunicações.

As projeções de endividamento público pioraram muito, segundo apurado no Questionário Pré-Copom enviado aos participantes do boletim Focus. Em dezembro, 91% dos pesquisados apontaram piora da situação fiscal, com déficit primário de R$ 130 bilhões em 2023, e elevação da dívida bruta do governo geral de 77% para 81% do PIB, e da dívida líquida, de 58% para 62% do PIB. O BC faz um alerta sobre as receitas, que podem ter redução importante caso sejam aprovados projetos de lei que revisam a tabela do IR e os limites do Simples.

 

7 comentários:

  1. "Nem tudo são flores na mata atlântica." Também há as pteridófitas, briófitas, os fungos, liquens...

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  2. "Luiz Inácio Lula da Silva, aumentou a temperatura e mentiu ao declarar que Bolsonaro “continua incentivando os ativistas fascistas que estão nas ruas se movimentando”.

    Bolsonaro pode ser acusado de omissão — e isso também é grave —, mas não de incentivo"

    Mentira sua, Globo. Omitir-se é, inegavelmente, uma forma de incentivo. Não reconhecer o resultado da urnas é incentivo. Tecer comentários enigmáticos, que dão margem a interpretações golpistas é incentivo. Não desautorizar o golpista mourão é incentivo.
    Não seja leviano, Globo!

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  3. "Quanto a golpistas e vândalos, o melhor a fazer é deixá-los se imolar, enquanto são alvo do escárnio da população e do rigor da lei."

    Essa é sua opinião, claro. Pra mim, cobro punições. Pra que tentativas de golpe nunca mais ocorram. Escárnio só não basta. E a Lei, sua aplicação, demanda força de vontade. Até agora não foi cumprida na extensão necessária.

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  4. "Barrar a compra dos blindados não resolveria o problema da Educação e só agravaria o sucateamento da frota do Exército, comprometendo a defesa nacional."

    Defesa contra quem, contra o quê? Como serão usados tais blindados?

    Não há resposta. Aliás, há. Tais blindados são inúteis, assim como nossas FA.

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  5. Como esses anônimos são ingênuos. Já estou me preparando para mais 4 anos perdidos. Pior que os tolos brasileiros acham que estão com tudo e que tudo sabem. Ilusão, são facílimos se serem tapeado e nem se dão conta disso.

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  6. O segundo anônimo tem razão, a Globo mente muito mais que o Lula! Este editorial é uma demonstração disto.

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  7. Concordo cem por cento com o segundo comentário.

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