sábado, 17 de dezembro de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Lula não deveria se associar à ditadura de Nicolás Maduro

O Globo

Quem se elegeu proclamando a defesa da democracia não pode tratar o venezuelano como parceiro

O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, não esconde querer se reaproximar do ditador Nicolás Maduro. Enviou carta ao venezuelano informando a intenção de reatar relações entre os dois governos e de repudiar o interino de Juan Guaidó. Encarregou o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, de garantir a presença de Maduro em sua posse, driblando a proibição de entrada no Brasil decretada pelo governo Jair Bolsonaro. Por fim, atribuiu ao embaixador Mauro Vieira a missão de reabrir a embaixada e os sete consulados brasileiros na Venezuela. “O governo que foi eleito é o governo do presidente Maduro”, disse Vieira em uma de suas primeiras declarações como futuro chanceler.

A eleição de Maduro e os demais pleitos venezuelanos têm sido sistematicamente condenados por observadores independentes. Seu poder ditatorial deriva da convocação, em 2017, da Assembleia Constituinte aparelhada por representantes biônicos para esvaziar o Legislativo controlado pela oposição, única instituição independente que restava na Venezuela depois de quase duas décadas de chavismo. Violações repugnantes de direitos humanos estão documentadas por entidades independentes e pela insuspeita relatora das Nações Unidas, a chilena Michelle Bachelet. A tragédia econômica chavista levou metade da população para a pobreza e afugentou 7 milhões dos 30 milhões de venezuelanos (maior população deslocada do mundo). Em vez de condenar a ditadura de Maduro, como faz até o governo esquerdista chileno, Lula tenta se reaproximar.

É certo que há argumentos para o Brasil repensar as relações com a Venezuela. O isolamento internacional a que Maduro foi submetido arrefeceu depois da eclosão da guerra na Ucrânia, em fevereiro. Com as sanções impostas à Rússia, os Estados Unidos mudaram a política em relação ao país sul-americano que detém a maior reserva de petróleo do mundo. Numa decisão simbólica, a americana Chevron foi autorizada a explorar e exportar óleo venezuelano. Na COP27, em Sharm el-Sheikh, no Egito, Maduro foi chamado de “presidente” pelo francês Emmanuel Macron e conversou com John Kerry, enviado ambiental americano.

Os americanos, porém, condicionaram o descongelamento das relações ao reinício das negociações entre os chavistas e a oposição. O histórico é desencorajador. Até agora, elas serviram apenas para o regime ganhar tempo e tentar diminuir a pressão externa. A oposição, dividida, tornou tudo mais fácil para Maduro. O governo venezuelano sabe que os americanos, mesmo interessados no petróleo, não aceitarão derrubar todas as sanções sem contrapartidas.

A diplomacia lulista aposta que o Brasil poderá ter um papel preponderante nessa negociação, mesmo que longe dos holofotes. Isso seria aceitável. Mas não é esse o sinal que Lula transmite com seus gestos. Reatar relações com Maduro tem, para ele, mais a ver com ideologia que com os interesses brasileiros. A Venezuela chavista é um fetiche inexplicável da esquerda retrógrada. Lula deveria enxergar o óbvio: quem se elegeu como defensor da democracia ameaçada jamais deveria associar-se a quem corroeu as instituições democráticas de seu país — exatamente da forma como Bolsonaro tentava fazer aqui — até transformá-lo em ditadura.

Governo já deveria ter começado a vacinar crianças de até quatro anos

O Globo

Vacina para Covid está aprovada há meses, e Ministério da Saúde insiste em estapafúrdia consulta pública

Faz mais de três meses que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou o uso da vacina contra Covid-19 para crianças de 6 meses a 4 anos. A recomendação é que seja aplicada em três doses, as duas primeiras com intervalo de três semanas, a última com oito semanas. Mas até agora o Ministério da Saúde só liberou as doses para crianças com comorbidades. As outras estão à mercê da burocracia do governo.

A decisão de protelar a vacinação é inaceitável. A vacina, aplicada nos Estados Unidos e na Europa, foi aprovada pela Anvisa depois de análise criteriosa que durou mais de um mês. As doses específicas da Pfizer para essa faixa etária já chegaram ao Brasil. O Ministério da Saúde cria, porém, obstáculos incompreensíveis sob o pretexto de que o uso emergencial precisa ser submetido a comissões e órgãos técnicos. Há discussões intermináveis, sem sentido.

No dia 5 de dezembro, o Ministério da Saúde abriu consulta pública para analisar a incorporação das novas vacinas para crianças ao Sistema Único de Saúde (SUS). Repete o despropósito cometido em 2021 depois da aprovação da vacinação para crianças de 5 a 11 anos. Nunca houve tamanho absurdo no Ministério da Saúde. Essas consultas públicas são feitas apenas para dar voz a grupos antivacina, que, contra todas as evidências científicas, demonizam as doses que salvam vidas.

A vacinação das crianças menores é importante para completar a proteção da população em todas as faixas etárias, reduzindo hospitalizações e mortes. Embora as crianças não sejam o grupo mais vulnerável, não estão livres de contrair a doença. Houve neste ano aumento de 26% nas internações de doentes com até 5 anos vítimas da Covid-19.

Nos dois primeiros anos da pandemia no Brasil, 1.439 crianças de até 5 anos morreram em consequência da doença (599 em 2020 e 840 em 2021). Nos momentos mais críticos, o coronavírus matou duas crianças de até 5 anos por dia. Quase metade das mortes ocorreu no Nordeste. Tais números não podem ser desprezados.

Uma pesquisa da Fiocruz mostrou que os esforços para neutralizar a desinformação e aumentar os índices de vacinação não têm sido em vão. Entre os entrevistados, 73% reconheceram que as vacinas ajudam a acabar com a pandemia de Covid-19. Ainda que 13% tenham declarado que não pretendem tomar doses de reforço e que 8% não tenham intenção de vacinar os filhos, o quadro não chega a ser alarmante.

Faltando dias para terminar um governo que maltratou a ciência, o Ministério da Saúde prestaria grande serviço se divulgasse logo o calendário para vacinação das crianças menores. Convém lembrar que, mesmo iniciada a vacinação, o efeito não é imediato, pois três doses são indicadas. A letalidade da Covid-19 diminuiu graças à vacinação, mas a doença não acabou. Mata em torno de cem brasileiros de todas as idades por dia. Se existem as vacinas e elas estão aprovadas, por que deixar crianças morrerem sem proteção?

2023 segundo o BC

Folha de S. Paulo

Desaceleração prevista da economia pode se agravar com ações do novo governo

Com a permanência dos juros em nível muito elevado —o que pode se prolongar a depender das ações do novo governo— e o esgotamento do impulso dos serviços depois do impacto da pandemia, a perspectiva para 2023 é de desaceleração da economia. É o que se ratifica no relatório trimestral de inflação divulgado pelo Banco Central.

O desempenho do Produto Interno Bruto neste ano foi uma surpresa positiva, que deve resultar em uma expansão próxima de 3%.

A forte retomada da demanda, com ascensão do consumo das famílias projetada em mais de 4%, é o principal vetor. Mas investimentos também foram bem, inclusive na infraestrutura favorecida por avanços na regulação setorial.

A melhora mais palpável se dá na retomada dos empregos e da renda. A massa de salários, métrica do poder de compra que multiplica a renda média pelo número de pessoas empregadas, subiu 11,7% no trimestre encerrado em outubro, ante o ano anterior.

Entretanto essa dinâmica está em risco. Os dados preliminares apontam para redução da atividade no quarto trimestre. Em seu relatório, o BC aponta tais tendências.

A projeção para 2023 é de redução do crescimento para 1%, com base ainda em algum incremento do consumo e no agronegócio.

Fora isso, a perspectiva é de estagnação da indústria e do investimento. Não se trata de algo surpreendente, tendo em vista o aperto da política monetária necessário para controlar a inflação.

Os juros reais (que descontam a variação de preços) estão em 7,8% ao ano e devem cair para ainda elevados 6,4% no final de 2023, segundo o BC. Muito acima do patamar perto de 4% considerado neutro para a inflação e a atividade.

Mesmo assim, o retorno do IPCA para as metas deve ser lento —nas projeções da autoridade monetária, ocorreria apenas em 2024.

Até lá, o custo do arrocho para o país é menos produção e emprego. Por isso os sinais do novo governo se mostram ainda mais perigosos.

Antes do flerte com a gastança, que na melhor hipótese ainda pode ser revisto, o mercado considerava que a taxa Selic cairia para 11% anuais no final de 2023. Essa perspectiva foi agora abandonada, e já há quem espere novas altas, caso se confirme a ampliação desmesurada do déficit orçamentário.

O ambiente internacional, além disso, não é favorável. Cresce o risco de recessão nos EUA e na Europa, enquanto a China busca a difícil saída das restrições sanitárias.

Toda a prudência agora é recomendável. Sinalizar compromisso de responsabilidade com as contas públicas e que não haverá reversão dos avanços regulatórios dos últimos anos é essencial para não abortar a retomada.

Nova Cultura

Folha de S. Paulo

Área volta a ter ministério, que não pode focar no mero assistencialismo estatal

O convite feito à cantora Margareth Menezes para comandar a pasta da Cultura no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem duplo significado simbólico. Além da escolha de uma mulher negra e nordestina para ocupar cargo no primeiro escalão, volta-se a conceder ao setor cultural um ministério.

Após anos de ataques do governo Bolsonaro, seria natural que Lula desse um sinal ao meio cultural que, em grande parte, o apoiou.

Motivações políticas explicam o aspecto simbólico, que não é suficiente. A nova ministra deve apresentar e pôr em prática um plano que embase a atuação do ministério.

Não será difícil retomar um padrão mínimo de normalidade numa área que primou por aberrações. Para dirigir a Fundação Palmares, por exemplo, foi nomeado Sérgio Camargo, notório opositor a pautas do movimento negro. Sem esquecer a pantomima na qual o secretário Roberto Alvim emulou Goebbels, ministro de Hitler.

Margareth Menezes tem qualidades para ocupar o cargo. Como artista, ganhou reconhecimento nacional e internacional com a recriação e divulgação de gêneros musicais da tradição afro-brasileira e baiana.

Fundou, em 2004, a Associação Fábrica de Cultura, uma instituição social para os moradores do bairro do Ribeira, em Salvador. Também é embaixadora brasileira na Unesco, órgão das Nações Unidas para a preservação cultural.

A indicação de Menezes foi contestada por alguns membros do partido e agentes culturais. Para conquistar o cargo, contou com o apoio de Rosângela Lula da Silva, a Janja, futura primeira-dama.

Mas esse respaldo também trouxe inconvenientes. Esta Folha revelou que o escolhido pela futura ministra para a secretaria executiva do MinC acabou afastado em favor de uma preferência de Janja.

A cultura é um setor profissionalizado, que mobiliza investimentos vultosos e passa por uma revolução tecnológica digital. Ademais, é responsável pela preservação da memória erudita e folclórica do país —com apoio a bibliotecas, museus, orquestras etc. Não pode, portanto, ter caráter ornamental.

O ministério deve estar atento à necessidade de aperfeiçoamento e regulamentações atualizadas. Será bem-vinda uma visão aberta à interação com instituições privadas, considerando mecanismos de mercado, para não privilegiar gastos públicos e assistencialismo estatal. São desafios que Margareth Menezes terá de enfrentar.

Irresponsabilidade em nome dos pobres

O Estado de S. Paulo

Mais uma vez, Lula sugere que responsabilidade fiscal é incompatível com a responsabilidade social, como se a primeira não fosse precondição para concretizar a última

Lula nunca desce do palanque. Ao discursar no Natal dos Catadores em São Paulo, não foi diferente. Além de chavões novos, como um governo com “um olhar humanista com o povo humilde”, poderia ter reeditado os velhos, como “incluir o pobre no orçamento”, “tirar milhões da miséria” ou até, por que não, o “churrasquinho com picanha”. Quem se oporia a essas promessas? Mais uma vez, porém, o presidente eleito antagonizou justiça social e responsabilidade fiscal. “A gente não cuida do pobre se ficar vendo estatística. Se ficar olhando para o orçamento, se ficar olhando para a política fiscal do governo, sempre haverá uma prioridade acima dos pobres.”

Ora, presidente, é precisamente o contrário. Para cuidar dos pobres, ou, melhor, tirá-los de vez da pobreza, é essencial olhar para o orçamento e a política fiscal. A razão é óbvia. Para fazer políticas sociais, sobretudo a mais eficaz e duradoura delas, a geração de empregos, é preciso ter dinheiro para distribuir e investir.

Lula deveria saber que a irresponsabilidade fiscal não é a solução, mas a raiz de todos os males. Afinal, foi ela que mergulhou o País na mais profunda recessão de sua história, dizimando empregos e recolocando o Brasil no Mapa da Fome. De fato, ele sabe. Tão bem que durante a campanha fez o diabo para esconder aquela que foi a responsável pelo descalabro das contas públicas, a sua criatura, Dilma Rousseff, a qual, por sua vez, fez o diabo para maquiar esse descalabro, nas chamadas “pedaladas fiscais”, que levaram ao seu impeachment. Mesmo eleito, Lula insiste em novas pedaladas eleitorais. O que eles sabem o povo brasileiro não esqueceu. Mas não custa lembrar.

Em seu primeiro mandato, Lula foi brindado com uma bonança perfeita: a herança bendita de FHC (o controle da inflação com o Plano Real, cimentado pelo tripé macroeconômico – meta para a inflação, câmbio flutuante e responsabilidade fiscal) – combinada a um superciclo das commodities. Nesse céu de brigadeiro, o governo ampliou programas assistenciais, impulsionou o consumo, ampliou gastos com os servidores e empregou bancos públicos para anabolizar empresas (os “campeões nacionais”), ao mesmo tempo que negligenciou as condições para um crescimento sustentável, como infraestrutura, produtividade e educação. Findo o ciclo, o PT dobrou a aposta: mais gastos, sem disciplina. O resto é história.

Segundo o FMI, no governo FHC e no governo Bolsonaro o crescimento da economia brasileira ficou cerca de 1 ponto porcentual ao ano abaixo da média dos países emergentes. Nos governos do PT ficou quase 2 pontos porcentuais abaixo, ou seja, um desempenho ainda mais medíocre do que a já medíocre média brasileira. Até agora, a única proposta econômica de Lula é um grande salto para trás: redobrar a aposta na “Nova Matriz Econômica”.

Sem equilíbrio entre receitas e despesas, o crédito público se esvai, a moeda se desvaloriza, a inflação sobe, os juros também, o consumo cai, a produção também e, finalmente, os empregos evaporam. Todo mundo empobrece, os pobres mais que os ricos, e falta dinheiro ao governo para ajudá-los. Por diversos que sejam os ingredientes das políticas econômicas populistas, a receita é sempre a mesma: vender uma satisfação instantânea e passageira sacrificando uma prosperidade estável e contínua. O que os demagogos dão com uma mão hoje, retiram em dobro com a outra amanhã.

Não há quem não se sensibilize com a miséria que se alastra a olhos vistos em um dos países mais desiguais do mundo. A população espera por programas sociais robustos e o contribuinte paga feliz por eles. Mas esses programas precisam ser sustentáveis. E essa sustentação depende de contas públicas equilibradas e de mais produtividade no mercado de trabalho. Mas, até agora, Lula e sua equipe não propuseram nenhuma política substancial nem em um sentido nem em outro. Gasto é “vida”, como dizia Dilma, mas só se for bem empregado, com recursos que existem, para gerar novos recursos. Senão, é miséria.

Responsabilidade social e responsabilidade fiscal não são, como sugere Lula, como água e óleo, mas só duas faces da mesma moeda.

Vem aí um ano de perigos, avisa o BC

O Estado de S. Paulo

Relatório trimestral de inflação alerta para o risco de desarranjo nas contas públicas, para a inflação persistente e para os perigos de um quadro internacional desfavorável

Baixo crescimento, inflação persistente e mais buracos nas contas públicas poderão marcar o primeiro ano do novo governo, segundo as perspectivas desenhadas pelo Banco Central (BC) em seu novo relatório trimestral de inflação. O alerta é muito claro e o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva agirá de forma prudente se levá-lo em conta. Este ano poderá terminar com um balanço pouco melhor que o estimado na avaliação anterior, mas o cenário de 2023 continua sombrio e preocupante. Segundo o relatório de setembro, o País encerraria 2022 com crescimento econômico de 2,7%. A nova estimativa aponta uma expansão de 2,9%, mas a atividade perde impulso. Em 2023 o Produto Interno Bruto (PIB) deverá aumentar apenas 1%, como estava previsto havia três meses. Mas a insegurança dessa previsão é maior que a usual, porque “as incertezas domésticas e no exterior permanecem elevadas”, segundo o documento.

O nível excepcional de incertezas tem sido apontado pelo Copom, o Comitê de Política Monetária do BC, como justificativa para a manutenção do crédito arrochado. Em novembro, o Copom sustentou em 13,75% a taxa básica de juros, sem dar indicação de quando poderá iniciar o afrouxamento. No mercado, as previsões de juros para o próximo ano têm sido revistas para cima e alguns analistas já consideram a hipótese de sustentação da taxa atual até dezembro de 2023.

A análise das condições e das perspectivas das contas públicas agora se concentra em 2023 e nos anos seguintes. Algumas medidas em discussão acarretam, segundo o relatório, incertezas importantes sobre despesas e receitas fiscais de 2023, “com impactos potencialmente duradouros ou permanentes”.

Do lado das despesas, o documento ressalta o possível pagamento do Auxílio Brasil fora do teto, com abertura de espaço para gastos equivalentes a 1% do PIB. Do outro lado, projetos de revisão da tabela do Imposto de Renda e dos limites do Simples podem resultar em “perda substancial de arrecadação”. Além disso, o crescimento recente da receita foi ocasionado pela alta de preços de commodities. Esses preços são voláteis e seus efeitos fiscais, portanto, são instáveis.

Não há referência direta ao atual governo ou ao próximo, mas a mensagem é clara, tanto na advertência quanto na cobrança de esclarecimentos do presidente eleito e do futuro ministro da Fazenda. O futuro ministro criticou o teto de gastos, prometeu propor uma nova âncora fiscal e chegou a acenar com a obtenção de superávits primários – receitas maiores que despesas sem contar os juros da dívida pública. Não indicou, no entanto, como serão administradas as contas públicas nem apontou características possíveis da nova âncora.

O presidente eleito e o companheiro indicado para a Fazenda asseguram que têm compromisso com a responsabilidade fiscal, mas Lula insiste em dizer que o controle das contas não pode prevalecer sobre os programas sociais (ver o editorial acima).

Ademais, desajustes podem ocorrer tanto pelo uso direto de verbas do Tesouro quanto pelos chamados estímulos parafiscais. Esses estímulos podem ser produzidos, por exemplo, por meio de instituições financeiras controladas pelo Estado, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Dificilmente – espera-se – o governo petista reeditará a desastrosa política dos campeões nacionais, uma farra de benefícios financeiros a quem menos necessitava. Mas o mercado já mostrou temor de novos desmandos.

Mesmo sem as dúvidas motivadas pelo currículo petista, incertezas marcariam os cenários esboçados no relatório do BC. A economia global perde impulso e o aperto financeiro deve continuar. O Federal Reserve (Fed, o banco central americano) acaba de elevar de novo os juros básicos. O aumento foi de 0,50 ponto porcentual, depois de quatro altas de 0,75 ponto. Mas a inflação, apesar de algum recuo, continua perigosa e novos ajustes podem ser necessários, advertiu o presidente do Fed, Jerome Powell. O desarranjo internacional deveria bastar para o futuro governo brasileiro escolher o caminho da prudência.

FGV mostra baixo dinamismo do PIB

O Estado de S. Paulo

Arrastada pelos serviços, a economia cresce, mas o setor industrial continua fraco e dependente

Sustentada pelo consumo e pelos serviços, a economia avançou 0,1% em outubro, mas sem compensar o recuo de 0,8% em agosto e o de 0,2% em setembro, segundo o Monitor do PIB-FGV. Ainda há sinais de crescimento, portanto, apesar do aperto monetário causado pelo aumento de juros, comentou a coordenadora da pesquisa, Juliana Trece. Publicado mensalmente, o Monitor é a prévia mais detalhada do Produto Interno Bruto (PIB) calculado a cada três meses pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. O crescimento acumulado em 12 meses chegou a 3,1% em outubro, com evidente perda de ritmo a partir do segundo trimestre. A taxa acumulada superou 5% em cada um dos primeiros três meses, declinou e a partir de maio foi sempre inferior a 4%.

Duramente atingido nos primeiros meses da pandemia, quando as atividades presenciais foram muito reduzidas, o setor de serviços foi o mais dinâmico na fase seguinte, com a reativação do turismo, das viagens profissionais, da hotelaria, dos salões de beleza e de outros tipos de atendimento pessoal. O volume de serviços cresceu 0,4% em outubro e 4,5% em 12 meses, liderando com folga a retomada econômica. Nesse período, a produção industrial aumentou apenas 1,4%, enquanto a agropecuária diminuiu 1,4%, prejudicada principalmente por problemas meteorológicos em vários Estados.

O avanço dos serviços, o setor de maior peso na composição do PIB, é especialmente importante por seus efeitos na geração de empregos. Mas o setor inclui atividades muito diferenciadas em suas características tecnológicas e de organização. Há funções para pessoas altamente qualificadas, em alguns segmentos, mas boa parte das ocupações na área dos serviços é informal e de baixa remuneração.

A indústria produziu em outubro 0,1% mais que no mês anterior. Também na comparação mensal, o volume produzido havia diminuído 1,5% em agosto e 0,3% em setembro. O desempenho do setor industrial, principalmente da indústria de transformação, produtora da maior parte dos bens utilizados no dia a dia das famílias, tem sido medíocre há cerca de dez anos e piorou nos últimos quatro.

Com baixo dinamismo, a atividade fabril tem perdido peso na produção global e essa tendência se agravou a partir de 2014. Nos últimos anos, o Brasil foi superado, no ranking da atividade industrial, por vários países, incluídos México, Indonésia, Taiwan, Rússia e, em 2021, Turquia, segundo estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Neste ano, a participação brasileira foi de 1,28%, a menor da série iniciada em 1990. O modesto crescimento mostrado pelos números oficiais e também pelo Monitor é mais um reflexo da estagnação setorial – ou mesmo do retrocesso observado há vários anos.

Em 2017 a economia brasileira começou a recuperar-se do tombo de 2015-2016, façanha da presidente Dilma Rousseff. A retomada perdeu impulso em 2019, continua incompleta no final do mandato do presidente Jair Bolsonaro e a indústria permanece carente de uma política dinamizadora, nunca esboçada, sequer, pelo atual governo.l

 

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