Jamais haverá ninguém que se compare a Pelé
O Globo
Não apenas pelas estatísticas que fizeram
dele Rei do Futebol, mas pelo exemplo que deu ao Brasil
Não houve, não há, nem haverá jamais
ninguém que se lhe compare. Nas estatísticas, óbvio, mas também — e sobretudo —
no exemplo. Foi Pelé — com a marca insuperável de 1.282 gols em 1.364 jogos
(479 antes dos 21 anos), três Copas do Mundo antes dos 30 (a primeira aos 17),
bicampeonato mundial e dez títulos pelo Santos, além da carreira que lhe rendeu
o título de “atleta do século” —, foi Pelé quem mostrou ao brasileiro ser
possível livrar-se do rodriguiano “complexo de vira-lata”.
Foi rei no esporte mais popular do planeta, projetando o Brasil como potência. O menino negro, engraxate que jogava com bola de meia em Três Corações, não suportou ver o pai chorar depois da derrota do Brasil na final da Copa de 1950. Prometeu aos 9 anos que traria o caneco— e cumpriu. Quem o viu jogar sabe quão ocioso é compará-lo a outros que tentaram reivindicar (ou usurpar) sua coroa. Não apenas porque suas estatísticas permanecem imbatíveis ou por ter transformado o futebol em arte, com lances desconcertantes, imitados e repetidos à exaustão. Não apenas pela capacidade de enxergar o jogo em três (até quatro...) dimensões, de saber quando chutar a gol e quando driblar, quando fazer uma finta e quando dar um chapéu na defesa e no goleiro — ou apenas quando deixar a bola passar para que um Jairzinho ou Carlos Alberto desferisse a bomba fatídica nas redes. Não apenas por ter dado origem à expressão “gol de placa”, por ter gerado a mística em torno da camisa 10 ou por ter virado substantivo, sinônimo de “o melhor” em qualquer área. Mas sobretudo porque não haveria Maradona, Cruijff, Messi, Neymar ou Mbappé não tivesse havido antes um Pelé.
Seu jogo projetou-o ao mundo quando as
imagens da televisão tornavam o futebol global. Conquistou o planeta num
momento em que o esporte começava a se transformar no negócio que hoje atrai
bilhões e movimenta trilhões. Foi a primeira estrela futebolística reconhecida
no mundo todo — e abriu caminho aos que vieram depois. Mesmo idoso, era seguido
por fãs ávidos por uma foto ou autógrafo. Desde 1958, Pelé nunca saiu de moda.
Ao referir-se a si mesmo na terceira
pessoa, hábito visto por muitos como cabotino, também demonstrava uma sabedoria
incomum entre esportistas que alcançam riqueza e sucesso antes da maturidade.
Uma coisa era a majestade do Rei Pelé, a figura pública. Outra o cidadão Edson
Arantes do Nascimento, um ser humano comum, capaz de se envolver em trapalhadas
nos negócios e nos amores, de se negar a reconhecer a filha fora do casamento e
de nem sempre corresponder à expectativa de perfeição projetada sobre os heróis.
Errou, mas quase sempre teve a dignidade de reconhecer suas falhas.
Ainda que tenha aceitado ocupar o
Ministério dos Esportes no governo Fernando Henrique, teve também a sabedoria
de se manter distante da política partidária. Num país com uma história
horrenda de escravidão, combateu o racismo não com declarações militantes, mas
pelo exemplo. Era um defensor contumaz de melhorias na educação. Dedicou às
crianças o gol de 1969 considerado seu milésimo. Valorizava a perseverança,
dizia que era preciso empenho no treinamento para não desperdiçar talento. Para
a glória dos brasileiros e dos amantes do futebol, ele não desperdiçou nem um
milímetro do seu. Morreu o Edson. Pelé, todos sabemos, é eterno.
Revogar liquidação da estatal de chips
Ceitec seria erro injustificável
O Globo
Empresa custou R$ 800 milhões sem trazer
retorno. Apesar disso, futura ministra quer mantê-la
Como engenheira, a futura ministra da
Ciência e Tecnologia, Luciana Santos, deveria saber que é uma insanidade fazer
sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes. A valerem suas
declarações recentes, ela pretende revogar a liquidação do Centro Nacional de
Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec), estatal criada em 2008 com a missão de
produzir semicondutores no Brasil. Se for adiante, será um erro injustificável.
Por mais de uma década, o Ceitec consumiu
R$ 800 milhões em aportes públicos sem jamais ter conquistado relevância nem
mesmo no mercado interno. Trabalha com tecnologias ultrapassadas, num setor
hoje dominado por Taiwan e Coreia do Sul, onde até Estados Unidos e países
europeus têm dificuldades para penetrar. Não há nenhuma evidência de que continuar
a despejar milhões no Ceitec resultará em algo além de desperdício.
Mesmo reconhecendo que o Estado pode, em
certos casos, sanar imperfeições do mercado, é difícil argumentar em favor do
Ceitec. Países com recursos financeiros e humanos muito superiores aos
brasileiros estão numa corrida insana para fabricar chips de todo tipo. Depois
da escassez provocada pela pandemia, que elevou a demanda por computadores e
smartphones e, ao mesmo tempo, sobrecarregou as cadeias globais de suprimento,
a oferta se recuperou. Olhando para a frente, a tendência é o domínio de países
que já comandam a produção. O chip desenvolvido no Ceitec é trivial perto do
que fabricam os centros avançados e do que a indústria eletrônica exige. É um
despropósito achar que basta gastar mais para conquistar um pedaço desse mercado.
O que existe é apenas um fetiche do nacional-desenvolvimentismo.
O Brasil deveria se preocupar em dominar
tecnologias que lhe darão chance de competir, não despender energia numa
corrida que perdeu há mais de 30 anos. O discurso nacional-desenvolvimentista,
que produz aberrações como a reserva de mercado de informática ou o Ceitec,
fornece uma explicação simplória para não sermos um país desenvolvido: desde a
Colônia, exportamos produtos primários e importamos manufaturados. A receita
para mudar isso, segue o argumento, é o Estado intervir para fomentar a
produção em setores que não dominamos. A realidade, claro, é mais complexa.
Nenhum país pode tudo, por maior que seja. A melhor forma de gerar riqueza para
desenvolver-se é apostar nos setores em que há vantagens comparativas, mesmo
que isso signifique importar todo o resto.
Nossas mazelas têm outras razões: educação deficiente, impostos bizantinos, serviço público caro e sofrível, empresas locais improdutivas, superprotegidas da competição. Não faltaram intervenções estatais na nossa História, das plataformas de petróleo à indústria automotiva. Os raros casos de sucesso — como Embrapa e Embraer — resultam de investimentos estratégicos em conhecimento no momento adequado e do respeito aos sinais do mercado. A nova ministra faria bem em estudá-los a fundo, em vez de insistir no fetiche da fábrica de chips.
Ele
Folha de S. Paulo
Pelé foi a pessoa certa na hora certa; seu
nome confundiu-se com o do país
Resultaria difícil para qualquer ser humano
dimensionar com precisão o que significava ser Pelé. Trata-se de nome e rosto
reconhecidos de imediato ao longo de seis décadas em qualquer lugar do mundo,
algo virtualmente impossível para outras pessoas, incluídos aí monarcas,
líderes políticos e religiosos, artistas e outros esportistas.
Superexposto muito antes da era da
superexposição, Edson Arantes do Nascimento, mineiro de Três Corações morto nesta
quinta-feira (29) aos 82 anos, praticamente transmutou-se numa
entidade à parte, como ele próprio gostava de dizer, em tom de blague.
A importância dessa entidade atravessou em
muito as quatro linhas do campo de futebol.
Do ponto de vista de um país com influência
fortemente limitada no plano internacional, é preciso apontar de pronto: Pelé
foi o brasileiro que maior notoriedade e importância mundial alcançou em
qualquer época. Seu nome confundiu-se com o do Brasil, por vezes
impulsionando-o em reconhecimento, quando não o superando.
Para o futebol, criação humana de alcance
singular, Pelé foi a pessoa certa na hora certa. Seu período de maior fama
coincidiu com um momento de expansão acelerada do esporte por fronteiras de
todos os continentes, estimulada pela evolução tecnológica das transmissões
pela televisão e pela ação da Fifa, entidade que controla a modalidade.
Afável, ambicioso, inteligente, cidadão do
mundo, ele desempenhou com gosto o papel de estrela. Abriu o caminho do então
mais importante mercado consumidor do planeta, o norte-americano, para o
futebol.
Tornou-se rosto frequente em muitas formas
de mídia: nas transmissões esportivas, no jornalismo, na publicidade, no
cinema, na música, nos quadrinhos, nas artes plásticas.
Adentrou o terreno da política e ocupou o
posto de ministro extraordinário do Esporte de 1995 a 1998, no primeiro mandato
do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Data desse período a chamada
Lei Pelé, que, entre outras coisas, atualizou no Brasil a relação trabalhista
entre clubes e jogadores, pondo fim ao instrumento conhecido como passe.
Na política da bola, Pelé jogou o jogo que
lhe interessava, recebendo por isso merecidas críticas. Aliou-se a um outro
brasileiro, João Havelange, que engatava um projeto de poder sobre o futebol
mundial que durou 24 anos e serviu a extensa e documentada corrupção. Em troca,
o atleta mítico recebeu guarida na propagação de sua imagem mundo afora.
Pelé fez negócios. Envolveu-se num episódio
nebuloso com o Unicef, que teve como resultado um montante de US$
700 mil desviados para uma conta privada, dinheiro que ele prometeu devolver,
depois voltou atrás. Ensaiou lançar uma liga independente de futebol no Brasil,
frustrada como tantas outras tentativas. Negociou direitos de TV com cartolas.
Foi criticado por desempenhar papel
acanhado contra o racismo. Embora legítima, a escolha não ficou imune ao
lamento, sobretudo sendo ele oriundo do país que recebeu a maior população de
escravos negros nas Américas.
Outro flanco frequente de questionamentos
teve origem em opções da vida pessoal, em que Edson viveu amores públicos e
dramas conhecidos com filhos.
Nada do acima apaga um fato:
esportivamente, Pelé não foi, jamais, uma criação de marketing. Seus feitos
falam por si. Único jogador a ganhar três Copas do Mundo e também o mais jovem
campeão, com 17 anos em 1958.
Autor de 1.283 gols em 1.365 jogos —e de
outros não gols que só ele poderia transformar em históricos. Executor dos
fundamentos à perfeição. Criador de jogadas. O esporte simplesmente nunca mais
foi o mesmo depois dele.
As frases sobre Pelé são inúmeras, famosas,
eloquentes. Três delas, de personalidades de países e profissões diferentes,
ajudam a definir uma pessoa tão incomum.
Encarregado de marcá-lo na final de 1970, o
italiano Tarcisio Burgnich diria após o jogo: "Pensei: Ele é feito de
carne e osso como eu. Eu me enganei". O poeta brasileiro Carlos Drummond
de Andrade sentenciou: "O difícil, o extraordinário não é fazer mil gols,
como Pelé. É fazer um gol como Pelé".
Em uma de suas várias visitas à Casa
Branca, o tricampeão mundial de futebol ouviu do morador: "Meu nome é Ronald
Reagan, sou o presidente dos Estados Unidos da América. Mas você não precisa se
apresentar, porque todo mundo sabe quem é Pelé".
A frase de Reagan deriva de um relato do
próprio Pelé. Quem a achar exagerada pode conferir, em vídeo, quando os dois saem
para o jardim da Casa Branca, que o americano reformula o chiste para uma
plateia de crianças. Mas pouco importaria se fosse invenção.
As lendas sobre o brasileiro são tantas e de tal monta que se misturam a uma realidade também inacreditável, de modo que tanto faz. Afinal, é incontestável que todo mundo sabe quem foi Pelé.
Os dois corpos do Rei
O Estado de S. Paulo.
Como os deuses do Olimpo, Pelé não
envelhece nem falece. Estará para sempre vivo, marcado na memória mundial como
o brasileiro que usou o futebol para fazer a humanidade sonhar
Edson Arantes do Nascimento, soubemos há
pouco, era mortal. Mas Pelé não. Como os deuses do Olimpo, Pelé não envelhece,
não enruga, não falece. Até o fim dos tempos, Pelé estará vivo, marcado na
memória mundial como o homem – o brasileiro – que usou o futebol para fazer a
humanidade sonhar.
Desde os 17 anos, idade em que ainda não se
distingue muito bem a realidade das fantasias juvenis, esse gênio generoso
estimulou as ilusões de bilhões de pessoas (súditos seria a palavra mais
adequada) com sua arte. Os idiotas da objetividade, diria Nelson Rodrigues, se
apegam aos mil e tantos gols de Pelé, marca até hoje intocada, como o principal
argumento para qualificá-lo como o maior jogador de futebol de todos os tempos.
Isso é o mesmo que dizer que se um norueguês qualquer, com bom faro de gol,
superar esse recorde, então haverá um novo “rei do futebol”. Ora, Pelé poderia
ter feito 3 mil gols, mas definitivamente não seria isso o que o distinguiria,
e sim sua capacidade inesgotável de emocionar torcedores de todos os times e
seleções, em todas as latitudes, mesmo depois de sua aposentadoria. O gol, que
ele buscava com incrível obsessão, era apenas a modesta recompensa para esse
virtuose inigualável.
Se o futebol, o maior esporte planetário,
transcende nacionalidades e culturas, Pelé era sua língua franca. Com domínio
pleno de todos os fundamentos do jogo, estava livre para ir muito além dele.
Ali não estava um jogador, no sentido estrito da palavra, mas o senhor do jogo.
Nelson Rodrigues certamente não foi o primeiro a perceber sua majestade, mas
foi o primeiro a coroá-lo formalmente: Pelé, menino, foi chamado de “rei do
futebol” numa crônica de 1958 em que Nelson escreveu que o craque “leva sobre
os demais jogadores uma vantagem considerável: a de se sentir rei, da cabeça
aos pés”. E continua, em seu estilo: “Quando ele apanha a bola e dribla um
adversário, é como quem enxota, quem escorraça um plebeu ignaro e piolhento”.
Pelé, de fato, parecia saber que não era
deste mundo, razão pela qual costumava se referir a si mesmo em terceira
pessoa, como se estivesse falando de uma entidade mística que sobreviveria ao
atleta que a representava nos gramados. Tal como os reis medievais descritos
pelo historiador alemão Ernst Kantorowicz 1957), que tinham um corpo físico e
mortal e um corpo imutável no tempo, Pelé dissociou-se de Édson Arantes do
Nascimento e se tornou, desde que assombrou o mundo pela primeira vez, na Copa
de 1958, um receptáculo de utopias coletivas, um ponto de comunhão de valores
universais num mundo marcado pelo conflito e a mesquinhez. Poucas
personalidades na história atingiram esse grau de unanimidade – algo que já
seria extraordinário em si mesmo, mas que é ainda mais notável quando se
recorda que sua coroação se deu numa época em que a comunicação global ainda
engatinhava e em que não se produziam ídolos instantâneos como nestes tempos de
internet e redes sociais.
E isso tudo sendo brasileiro. Não é algo trivial para este país, que oscila tanto entre o otimismo eufórico e o pessimismo atávico em relação às suas capacidades. Pelé encarnou, como nenhum outro, um Brasil que é naturalmente potente. Os idiotas da objetividade (eles, mais uma vez) costumam menosprezar essa potência por se tratar apenas de futebol. Mas não é apenas futebol. É identidade nacional. Quando um brasileiro é reverenciado como uma divindade em todo o mundo, sendo reconhecido como o maior de todos os tempos numa atividade que mobiliza tantas paixões, é o Brasil que se projeta e se distingue. Se o País não aproveita esse (poder brando) como deveria, é outra história.
Nos próximos dias, o mundo certamente vai
parar para se despedir do corpo físico e mortal de Pelé. Espera-se que as
autoridades brasileiras compreendam a dimensão excepcional desse acontecimento
e dediquem às exéquias reais seus melhores esforços. Não cabem, neste momento,
nenhuma divergência ideológica e nenhuma objeção de caráter político: o funeral
de Pelé deve simbolizar a união e o orgulho dos brasileiros, como ele
simbolizou o melhor deste país quando encantou o mundo com a sua arte.l
Remendos constitucionais
O Estado de S. Paulo.
Emendas à Constituição se tornaram banais.
Que os próximos congressistas sejam mais comedidos e façam da Lei Maior um
marco de estabilidade, não a ermida de interesses ocasionais
A Constituição de 1988 já nasceu inchada,
com 245 artigos, além dos outros 70 artigos constantes do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias. O fim da ditadura militar, a premente necessidade
de restabelecer direitos e garantias fundamentais tirados à força dos cidadãos
e uma nova concepção do Estado explicam a prolificidade dos constituintes
originários. A mudança da ordem política levou a sociedade a optar, por meio de
seus representantes, por dar guarida constitucional a muitas questões que, em
tempos normais, deveriam ser reguladas por leis ordinárias.
Ocorre que mais de três décadas se passaram
desde a promulgação da Constituição. Todo esse tempo de amadurecimento da Lei
Maior, além da própria compreensão dos cidadãos sobre seus termos, deveria ter
servido para suscitar revisões que levassem a uma reacomodação normativa, no
sentido de restringir ao máximo o que, de fato, haveria de estar consagrado na
Constituição e o que poderia ser rebaixado à legislação infraconstitucional. O
que se observou nesses últimos 34 anos, porém, foi o movimento contrário: a
hipertrofia da Constituição.
O Congresso já promulgou nada menos que 140
emendas constitucionais (a rigor, 128, se excluídas as emendas de revisão e os
tratados internacionais com status de emenda). Desse total, 29 (23%) foram
promulgadas na atual legislatura. Particularmente, 2022 foi um ano recorde: os
parlamentares aprovaram 14 emendas constitucionais, mais de uma por mês, o
maior número para um único ano desde 1988. O recorde anterior, de 2014, era de
8 emendas constitucionais aprovadas, pouco mais que a metade.
Há muitas explicações para essa sucessão de
remendos ao texto constitucional, cujas consequências, em vários casos, são
péssimas para o País. No que concerne à banalização da Constituição pela atual
legislatura, sobretudo este ano, o movimento pode ser explicado pelo
empoderamento do Poder Legislativo em detrimento do Poder Executivo durante o
governo Bolsonaro. Nos últimos três anos, a harmonia entre os Poderes se
converteu numa espécie de rendição do Palácio do Planalto à uma relação de
captura pelo Congresso.
A debilidade moral, política e
administrativa do presidente da República o tornou refém de parlamentares que,
para não fustigá-lo diante da miríade de crimes de responsabilidade que
Bolsonaro cometeu, exigiram – e obtiveram – recursos políticos e financeiros
inauditos na história republicana. O Congresso se tornou o grande formulador da
agenda política nacional, nem sempre tendo como norte o interesse público.
Nesse afã, a promulgação de emendas constitucionais aos borbotões foi uma forma
de burla do sistema de freios e contrapesos, na medida em que os parlamentares
passaram a se esquivar, a um só tempo, dos vetos do Poder Executivo e do
controle de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal (STF) pela via da
hiperconstitucionalização.
Uma Constituição obesa traz muitos
problemas para a saúde institucional do País. A consequência mais óbvia dessa
hiperconstitucionalização é o aumento do protagonismo do STF, responsável
último pela guarda do texto constitucional. O STF tem sido muito criticado por
agir na direção de uma suposta “judicialização da política”. Mas, ora, como a
Corte haveria de permanecer inerte diante do fato de que os mais variados – e
miúdos – assuntos da vida nacional têm chegado à Constituição com tanta
frequência?
Outro problema é o engessamento do Estado.
A própria Constituição previu os mecanismos para sua alteração. Contudo, por
meio da exigência de um quórum qualificado em dois turnos de votação em ambas
as Casas Legislativas, os constituintes originários evidenciaram que essas
alterações não deveriam ser banais. Logo, se é difícil aprovar uma emenda à
Constituição – sobretudo quando versa sobre direitos, e não deveres –,
naturalmente, também é extremamente difícil retirar do texto constitucional os
seus excessos.
Uma nova legislatura sempre traz uma nesga
de esperança por mudanças positivas. Que os próximos congressistas sejam mais
comedidos ao mexer na Constituição e contribuam, assim, para que a Lei Maior
seja um marco de estabilidade para o País, não a ermida de interesses ocasionais.
Lei premia a irresponsabilidade
O Estado de S. Paulo.
Aprovado pela Alesp, veto à exigência de
vacinação contra covid é retrocesso civilizatório e jurídico
O governo do Estado de São Paulo foi
exemplar no enfrentamento da pandemia, em especial por seu pioneirismo e
protagonismo na obtenção da vacina contra a covid. Frente ao desleixo e às
confusões do governo Bolsonaro, a administração paulista foi referência segura,
em tempos especialmente conturbados, de compromisso com a saúde pública. No
entanto, a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) parece determinada a
manchar o histórico de responsabilidade do Estado de São Paulo. Recentemente,
os deputados estaduais aprovaram o Projeto de Lei (PL) 668/2021 que proíbe a
exigência de cartão de vacinação contra a covid para acesso a locais públicos e
privados no Estado, incluindo escolas do ensino fundamental e médio, cursos
técnicos e faculdades.
De autoria da deputada estadual Janaina
Paschoal (PRTB-SP), o PL 668/2021 reflete uma compreensão rigorosamente
equivocada sobre o Estado e a própria vida em sociedade, como se o cuidado com
a saúde pública não pudesse gerar restrições a quem não queira se vacinar
contra a covid. O texto aprovado pela Alesp, que merece veto integral do
governador, não tem nada de defesa da liberdade individual. O que se pretende é
algo inteiramente diferente. O PL 668/2021 almeja uma liberdade sem
consequências, o que é uma aberração. Não nega apenas a ciência e a legislação
federal (em especial, a Lei 13.979/2020), mas a própria dimensão social da vida
humana.
O sofisma pretensamente liberal - em nome
da liberdade, o poder público não poderia fixar restrições a quem não quer se
vacinar contra a covid - produz a antítese do liberalismo: toda a coletividade
torna-se refém de quem optou por um comportamento de risco. É sintomático da
confusão dos tempos atuais que a ignorância e a indiferença com o coletivo
sejam apresentadas como virtudes cívicas, merecendo lei estadual específica
para seu pleno exercício.
Mais do que expressar uma efetiva
preocupação coletiva – afinal, os paulistas foram exemplares na vacinação
contra a covid –, o PL 668/2021 parece orientado a enfrentar uma portaria da
reitoria da Universidade de São Paulo (USP), que exige comprovação do esquema
vacinal completo contra a covid para o acesso de professores e alunos aos campi
da universidade. Trata-se, como já dissemos neste espaço (USP acerta ao cobrar
vacina, 5/10/22), de uma medida correta, que visa a enviar uma mensagem
claríssima à comunidade acadêmica e, por extensão, ao resto da sociedade: a
saúde de todos será realmente protegida se todos se vacinarem. O mínimo que se
pode esperar de quem pretende participar da vida acadêmica é respeito à ciência
e cuidado com a comunidade.
O Estado de São Paulo tem muitos desafios,
que exigem atenção da Alesp. Brigar com a ciência e com a civilidade não é um
deles. Não faz nenhum sentido, especialmente agora – quando são evidentes os
resultados positivos da responsabilidade paulista no enfrentamento da pandemia
–, que a atual legislatura estadual gaste seu tempo com leis que são puro
retrocesso civilizatório, jurídico e sanitário. A liberdade merece melhor
compreensão.
Mudanças incentivarão decisões colegiadas no STF
Valor Econômico
Protelar indefinidamente processos é
expediente danoso para a Justiça
Com as mudanças anunciadas nesta semana em
seu regimento interno, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que há falhas
importantes em seu funcionamento e que não é imune a críticas - elas foram
especialmente abundantes, e por motivos errados, durante o governo de Jair
Bolsonaro. As alterações poderão reduzir os atritos decorrentes de atuação
personalistas de seus ministros e darão mais racionalidade na decisão de
medidas que protejam tempestivamente os direitos constitucionais. Maior
colegialidade nas deliberações tenderá a minimizar episódios em que decisões
tomaram rumos inesperados e incongruentes.
Não por acaso, a reforma exposta na emenda
regimental 58/22 foi encaminhada pela presidente do Supremo, a ministra Rosa
Weber, a mais discreta, menos personalista e mais afeita a deliberações
coletivas da Corte. A unanimidade com que a emenda foi aceita sugere que as
modificações agora propostas poderiam ter vindo bem antes. Elas ainda precisam
ser formalizadas, o que ocorrerá em janeiro. Sua direção é correta. A começar
pela limitação objetiva aos pedidos de vista por ministros do tribunal, uma
prerrogativa adequada para que possam indicar soluções fundamentadas sobre
questões sobre as quais não estejam devidamente informados.
Hoje há 437 processos parados por esses
pedidos, o que não chegaria a ser um problema desde que tivessem prazo para a
devolução. Prazo há, de 30 dias, mas eles não são cumpridos e esse
descumprimento fica por isso mesmo. Há processos aguardando voto de ministro
que pediu vistas desde 2011.
A emenda estabelece que 90 dias úteis após
o pedido de vistas, caso o ministro não tenha tomado uma decisão, o processo
será liberado automaticamente para seguir seu curso de deliberação da Corte.
“Sentar em cima” de processos cujo desfecho podem não estar de acordo com
interpretações pessoais ou afinidades políticas e ideológicas de ministros é um
expediente fácil e danoso para a Justiça.
Abortar na prática um processo em seu curso
normal é uma forma de decidir monocraticamente, por omissão. Mas há monocratismo,
e ele hoje é predominante, nas decisões exaradas por apenas um ministro, sem
que haja na prática outra instância que as ratifiquem ou corrijam. Assim, nada
menos que 85% das 89.813 decisões tomadas em 2022 o foram dessa forma (O Globo,
28-12). Com as mudanças propostas, o poder unipessoal é relativizado quando
disser respeito a “medidas cautelares necessárias para evitar grave dano ou
garantir a eficácia de decisão anterior”, ou ainda envolverem a prisão de
cidadãos.
Um despacho de liminar, nestes casos,
deverá ser submetido imediatamente para confirmação, segundo a competência,
para uma das turmas do Supremo ou para o plenário, em ambiente virtual. Em caso
de prisão, no entanto, ele deverá ser encaminhado necessariamente e de imediato
ao julgamento de todos os ministros, em ambiente presencial. Caso a decisão
liminar seja mantida, ela precisará ser referendada a cada 90 dias, pelo
relator ou colegiado, conforme o caso.
Ações individuais de ministros criaram
grandes tensões na história recente da República. Um ministro (Gilmar Mendes)
decidiu impedir que Lula fosse nomeado ministro do governo de Dilma Rousseff, e
ganhasse foro pivilegiado, enquanto outro ministro, mais tarde, permitiu que
outro político às voltas com a Justiça fizesse parte do governo de Michel
Temer. Teori Zavascki repreendeu Sergio Moro por sua ação ilegal ao divulgar
gravações feitas ilegalmente, justamente as que deram base à decisão de Mendes
para barrar Lula, que não foi revogada.
A ausência de estabilidade nas decisões, em
parte fruto de conveniências ou convicções pessoais, fez estragos. Lula ficou
preso por 570 dias porque o STF firmara entendimento de permitir o cumprimento
de sentença a partir de condenação em segunda instância. Sem esse expediente a
Lava-Jato dificilmente teria obtido as dezenas de confissões e acordos de
leniência que arrebatou. A maré do STF voltou-se contra Moro, o tribunal voltou
a exigir o trânsito em julgado da sentença e Lula saiu da prisão.
As mudanças propostas podem não tornar os
ministros mais sábios, mas incentivarão o debate, o confronto de posições
divergentes e, mais importante, a formação de um consenso, em vez da
prevalência de apenas uma opinião sobre as demais. Talvez o STF se torne mais
moroso - o tempo médio de decisão colegiada é de 359 dias -, mas também mais
justo e menos errático.
O que eu mais admiro no nosso Rei, a integridade de caráter e sobretudo sua humildade. Nunca mais existirá no Brasil alguém que
ResponderExcluirnos orgulhasse tanto, ser predestinado e raro. Meu coração sangra por ELE.
"Quem o viu jogar sabe quão ocioso é compará-lo a outros que tentaram reivindicar (ou usurpar) sua coroa."
ResponderExcluirQUANTA BOBAGEM! Poucos jogadores ousaram se comparar a Pelé! Na verdade, a imprensa e centenas de jornalistas é que sempre tentaram fazer comparações de jogadores com Pelé, fabricando notícias ou requentando matérias de outros tempos! Ou provocando jogadores para que estes se comparassem de algum modo ao REI... A imprensa esportiva consegue ser pior que a imprensa política!