terça-feira, 6 de dezembro de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

STF tem dever de acabar com emenda do relator

O Globo

Depois de suspense, Rosa Weber marcou para amanhã votação que deveria pôr fim ao orçamento secreto

Depois de meses de suspense, a ministra Rosa Weber, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), pautou enfim para amanhã o julgamento das ações que contestam a constitucionalidade das emendas do relator do Orçamento, conhecidas pela sigla RP9. Apelidado orçamento secreto, trata-se de instrumento fisiológico, opaco, que não leva em conta critérios técnicos e incentiva a corrupção. Espera-se que a maioria do plenário varra para o lixo esse expediente, criado em 2019 pelo governo Bolsonaro para comprar apoio político e blindar o presidente de investigações e pedidos de impeachment.

É função do STF impedir que o Congresso estabeleça qualquer regra orçamentária contrária aos princípios constitucionais de moralidade, impessoalidade, publicidade, isonomia e equidade. É exatamente o caso do orçamento secreto. O dinheiro distribuído a quem apoia o governo é controlado pelos caciques do Centrão, em particular os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). As verbas são destinadas a projetos de retorno político aos parlamentares governistas, em geral em seus redutos eleitorais, e não onde façam sentido social ou econômico.

Se o problema se restringisse a isso, já seria um escândalo. São gigantescos os desafios do Brasil. Das periferias das capitais ao interior, é evidente a necessidade de investimento em diversas áreas, da habitação à infraestrutura, da saúde ao combate à miséria. Por isso é inaceitável o critério imoral e personalista do orçamento secreto. Outros defeitos são constitucionalmente imperdoáveis. A distribuição continua opaca mesmo um ano depois que Rosa Weber determinou que o Congresso lhe desse transparência, com divulgação do volume de recursos e dos beneficiários das verbas. Ainda é possível ocultar a identidade deles. Por que o sigilo?

Na previsão para o ano que vem, o orçamento secreto foi estimado em R$ 19,4 bilhões. Desde 2020, já foi gasta uma fábula por meio desse expediente: ao redor de R$ 55 bilhões. Sem saber o nome dos beneficiados, fica difícil ligar os pontos entre quem decide o investimento e suas conexões com os empresários locais que tocam as obras, nem sempre de maneira republicana. Não faltam fortes indícios de corrupção em vários lugares, a começar pelas maracutaias denunciadas na Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf).

Emendas parlamentares são um mecanismo comum, mas problemático em vários países. Entre 2011 e 2021, o Congresso dos Estados Unidos barrou a prática depois de anos de escândalos, como a construção de “pontes para lugar nenhum” no estado do Alasca. Batizadas de “financiamento de projetos comunitários”, as emendas voltaram neste ano, mas de maneira mais transparente, regrada e igualitária. Preveem verbas também para a oposição, num sistema parecido com as emendas individuais e de bancada do Parlamento brasileiro, cuja distribuição foi disciplinada por emendas constitucionais e outros mecanismos de transparência adotados ao longo do tempo.

A excrescência do orçamento secreto, criada pelo Congresso com apoio da base governista, é um arbítrio do Legislativo que o STF tem o dever de extinguir. Será tarefa do governo que toma posse em janeiro formar maioria no nosso presidencialismo de coalizão sem apelar a novos esquemas de roubalheira em segredo com o Parlamento.

PT deveria desistir de modificar o plano de investimentos da Petrobras

O Globo

Equipe de transição repete ideias equivocadas que levaram estatal à bancarrota no governo Dilma

O plano de negócios da Petrobras para o período de 2023 a 2027 aparentemente já nasceu morto. A proposta da estatal é manter o foco nas áreas mais lucrativas, produção e exploração, com investimentos no período de US$ 78 bilhões. Ficam em segundo plano as refinarias (duas das quais já foram vendidas) e as fontes renováveis de energia. A intenção do próximo governo, porém, é inverter as prioridades, e não se afasta a possibilidade de refazer todo o plano. A partir de janeiro, a busca pelo retorno financeiro aos acionistas — a União, o maior deles — daria lugar ao uso da empresa pelo Planalto para pôr em marcha projetos políticos. É o caso das refinarias e de estender a área de atuação da empresa a novas fontes de energia.

No centro da mudança de rumo está a promessa do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, de “abrasileirar” o preço dos combustíveis. Nisso não há diferença entre Lula e Bolsonaro, que passou o mandato às turras com a Petrobras, para que a estatal não repassasse integralmente aos preços internos as variações do mercado internacional.

Se levar o plano adiante, o PT cometerá o mesmo erro do governo Dilma Rousseff. Para tentar debelar a inflação resultante do desequilíbrio fiscal gerado pela Nova Matriz Econômica, Dilma congelou o preço dos combustíveis e levou a Petrobras a acumular dívidas de US$ 100 bilhões. Se fosse uma empresa privada, teria falido.

Na visão simplória, primitiva e limitada do futuro governo, se a Petrobras passasse a ser autossuficiente em refino, o preço em real dos derivados não se subordinaria mais às cotações do mercado global. E, como o Brasil é autossuficiente na produção de petróleo, o mercado interno de combustíveis estaria blindado contra choques externos. Trata-se de um equívoco.

Primeiro, o refino no Brasil sempre consumiu investimentos absurdos, sem jamais ter dado o retorno esperado. O país torrou bilhões em projetos hoje às moscas. Há produção de petróleo de vários tipos. Não compensa refinar todos aqui. Melhor exportar para financiar a importação de derivados que faltam, sobretudo diesel.

Segundo, não faz sentido voltar a investir em refinarias no momento em que o mundo procura reduzir o consumo de combustíveis fósseis. Todo esse dinheiro teria melhor destino se fosse aplicado na descarbonização da economia, incluindo investimentos em energia limpa pela própria Petrobras.

Na contramão do que seria necessário fazer para o mercado interno ter preços competitivos, a equipe de transição pediu à Petrobras para suspender o programa de venda de oito refinarias (os recursos serviriam também para abater o endividamento da empresa). Só foi concluída a venda de duas, pouco para trazer o dinamismo de que o mercado necessita.

Por fim, o PT não deveria esquecer que só criou problemas a si mesmo e ao país quando usou a Petrobras para alavancar investimentos segundo critérios políticos. Os resultados foram a baixa qualidade no uso do capital, os prejuízos à estatal e a corrupção desmascarada pela Operação Lava-Jato.

Calcanhar de Aquiles

Folha de S. Paulo

Bolsonarista para a Segurança paulista expõe flanco frágil da gestão Tarcísio

Desde a campanha eleitoral, a segurança pública se configura como calcanhar de Aquiles do agora governador eleito de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Enquanto trabalhava a imagem de um tecnocrata de centro-direita moderado, Tarcísio saiu-se muito bem e abocanhou o eleitorado conservador que manteve o PSDB por três décadas no poder.

Quando se mostrou bolsonarista, como no debate da segurança, escorregou. Apesar de problemas como os sequestros associados a saques pelo Pix, a área teve notável avanço recente em indicadores.

Ainda assim, Tarcísio defendeu inicialmente rever o programa de emprego de câmeras nos uniformes dos policiais militares, iniciado por João Doria (então PSDB). Nos batalhões em que foi implementada, a iniciativa reduziu a letalidade policial em 85%.

O então candidato tomava emprestado o raciocínio bolsonarista segundo o qual o PM seria constrangido pela câmera, o que não faz nenhum sentido se ele estiver dentro da lei. Pressionado, recuou e disse que iria ouvir especialistas.

Eleito, o ex-ministro da Infraestrutura, sacado por Jair Bolsonaro (PL) para a disputa sem experiência prévia, buscou consolidar a imagem de moderação ao indicar Gilberto Kassab —líder do PSD, um de seus fiadores políticos— como homem-forte do governo

Só que há uma conta a pagar ao grupo ligado a Bolsonaro, a quem deve carona na votação vitoriosa em São Paulo, tendo unido moderados e radicais à direita.

Assim, o futuro governador indicou para a Segurança um bolsonarista, Capitão Derrite, recém-reeleito deputado pelo PL-SP. Surgido das entranhas digitais apoiadoras do presidente, o jovem de 38 anos fez fama como um bombeiro de postagens incendiárias.

Sua nomeação gerou controvérsia, não apenas pela visão linha-dura que inclui a oposição às câmeras. Oriundo dos estratos subalternos da PM, ele altera o equilíbrio de poder com a Polícia Civil ao defender que os militares também tenham poder de investigação, o que é vetado pela Constituição.

Isso provocou reações de integrantes do Judiciário e de policiais civis, que Tarcísio busca contornar ao convidar o atual delegado-geral para ser o número 2 da secretaria.

Além disso, o episódio acirra a polarização política. Nêmesis do bolsonarismo, o ministro do STF Alexandre de Moraes retém influência entre os grupos agastados com a escolha de Derrite —herança de sua passagem pela Segurança paulista em 2015-16.

A crispação agita uma área em que manejo técnico é primordial, algo ameaçado por anos de tentativa do bolsonarismo de insuflar a tropa com o golpismo de seu líder.

Vitória gay

Folha de S. Paulo

Em rara aliança de democratas e republicanos, união homoafetiva avança nos EUA

Numa vitória de enorme significado prático e simbólico para a comunidade gay dos Estados Unidos, o Senado americano aprovou na semana passada um projeto de lei que reconhece o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Trata-se de um avanço notável não apenas em razão do conteúdo mas também pela forma como se deu. Com 61 votos a favor e 36 contra, o diploma contou com um acordo à primeira vista improvável entre os partidos Democrata e Republicano, cujas diferenças só vêm se acentuando nos últimos anos.

O texto agora voltará para a Câmara, onde sua aprovação é dada como certa, e seguirá para a sanção do presidente Joe Biden.

A norma revoga a Lei de Defesa do Casamento, de 1996, que negava a casais do mesmo sexo direitos em âmbito federal. Depois de cumprir todos os ritos, a nova legislação proibirá os estados de negarem a validade de um matrimônio com base em sexo, raça ou etnia.

Em imposição dos republicanos, as organizações religiosas estarão dispensadas de fornecer bens ou serviços para a celebração de casamentos homoafetivos e não poderão ser penalizadas por se recusarem a legitimá-los.

Até agora, o reconhecimento do matrimônio entre pessoas de mesmo sexo vinha se dando com base em decisões da Suprema Corte, que em 2013 derrubou um dos dispositivos da lei de 1996 e, dois anos depois, estendeu o direito a todas as 50 unidades federativas.

Mas a recente mudança de entendimento do tribunal em relação ao aborto, revertendo, depois de 49 anos, esse direito, alterou o panorama e fez crescer a pressão para que o casamento homoafetivo fosse consagrado em lei.

Um dos juízes chegou a afirmar, em seu voto, que a mesma lógica empregada pela corte para permitir que os estados proibissem o procedimento deveria ser usada para anular a igualdade no casamento.

Eis um risco que não pode ser desprezado no Brasil. Por aqui, tal direito começou a ser garantido em 2011, quando o STF entendeu que casais do mesmo sexo constituem uma família e podem, assim como os heterossexuais, viver legalmente em regime de união estável. Em 2013, o Conselho Nacional de Justiça obrigou cartórios a registrar casamentos homossexuais.

O melhor, portanto, é que o Congresso aprove uma lei explícita sobre o tema. Que a decisão do Senado dos EUA sirva de inspiração para os legisladores brasileiros.

Incerteza generalizada

O Estado de S. Paulo.

Insegurança sobre evolução das contas do governo reforça temor de juros mais altos, enquanto presidente eleito continua silenciando sobre como cuidará das finanças do poder central

A incerteza cresce entre empresários de todos os setores, enquanto o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva mantém silêncio sobre sua equipe econômica e sobre como pretende tratar as contas públicas. Ele já indicou algumas prioridades, como a sustentação das políticas de transferência de renda, de elevação real do salário mínimo e de recuperação do setor da saúde, mas tem evitado falar sobre responsabilidade fiscal. Quando interrogado sobre o assunto, evoca sua experiência do primeiro mandato, quando houve um claro esforço de geração de superávits primários, isto é, de contas federais com saldos positivos, excluída a conta de juros. Mas a resposta é insuficiente. Este ano se encerra com as finanças da União devastadas, o Orçamento do próximo ano é incompatível com as promessas dos dois principais candidatos, o vencedor e o derrotado, e as projeções econômicas para 2023 são todas sombrias. O silêncio, neste momento, só aumenta a insegurança, refletida nas estimativas de evolução dos juros.

Há um mês os juros básicos previstos para 2023 estavam em 11,25%, segundo o boletim Focus, baseado em consultas do Banco Central (BC) ao mercado. Há uma semana a projeção havia subido para 11,50%. O boletim divulgado nesta segunda-feira mostra uma expectativa pior: pela mediana das apostas, a taxa básica ficará em 11,75% no próximo ano, num cenário de pressões inflacionárias ainda consideráveis e de muita insegurança quanto à saúde financeira do governo central. Novos desajustes poderão elevar o endividamento do Tesouro Nacional, já bem superior ao padrão observado em outras economias emergentes e de renda média.

Pelo critério oficial brasileiro, a dívida do governo geral, formado pelos três níveis da administração, está abaixo de 80% do Produto Interno Bruto (PIB). Pelo critério do Fundo Monetário Internacional (FMI), essa relação está próxima de 90%, poderá subir nos próximos anos e até alcançar 100%. Nos cálculos do FMI, diferentes daqueles adotados em Brasília, o endividamento inclui os papéis do Tesouro em poder do BC.

Economistas do setor privado têm razões ponderáveis para se inquietar em relação à dívida pública. Nenhuma fonte vinculada ao presidente eleito esclareceu, até agora, se algum novo padrão de controle substituirá o teto de gastos, já perfurado na atual gestão. Não há indicação de uma nova âncora para dar alguma segurança às contas do poder central. A incerteza sobre as finanças do governo federal afeta imediatamente a expectativa dos juros.

Sem um claro padrão estabilizador das finanças governamentais, ficará para o BC a função de evitar um desarranjo maior no sistema financeiro. Juros mais altos serão um efeito provável desse jogo.

Essa expectativa ocorre em todos os setores empresariais, mas de forma bem mais visível no mercado financeiro. Novas altas de juros, segundo comentam executivos da Faria Lima, poderão retardar por até dois trimestres novas operações de abertura de capital. Com o dinheiro mais caro, as aplicações de recursos irão preferencialmente para ativos de renda fixa. Mas os sinais de inquietação se multiplicam também fora do setor financeiro.

Já no terceiro trimestre, antes, portanto, das eleições, o temor de crédito mais caro chegou ao primeiro lugar nas preocupações da indústria da construção, segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI). Em outro levantamento, a Confederação identificou os juros altos no quarto lugar entre os principais problemas apontados pela indústria de transformação. Com 24,2% das indicações, os juros ficaram praticamente empatados com a demanda interna insuficiente. Este item, apontado por 24,3% dos consultados, ocupou a terceira posição. Nos dois primeiros lugares apareceram “falta ou alto custo de matérias-primas” e “elevada carga tributária”. Dinheiro caro continuará sendo uma preocupação importante por muito tempo, mas poderá tornar-se mais suportável se o presidente eleito anunciar um programa confiável de responsabilidade fiscal e de contenção da dívida pública.

A banalidade da ‘rachadinha’

O Estado de S. Paulo

Justiça leva 12 anos para punir deputado que se apropriou de salários de funcionários; a prática, que Bolsonaro já qualificou como ‘meio comum’, é perversão da atividade parlamentar

O conhecimento das chamadas “rachadinhas” – alcunha que transmite uma ideia de brandura para um crime que, na realidade, é muito grave – ganhou amplitude nacional após o Estadão revelar, no fim de 2018, que a família do presidente Jair Bolsonaro era useira e vezeira desse esquema de apropriação ilegal de parte dos salários de servidores lotados em gabinetes de políticos do Legislativo e do Executivo. A prática, no entanto, é antiga e “meio comum”, como o próprio presidente da República fez questão de admitir durante uma entrevista concedida em agosto passado.

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), acaba de homologar um Acordo de Não Persecução Criminal (ANPC) com o deputado federal Silas Câmara (Republicanosam), acusado de praticar “rachadinhas” no seu gabinete na Câmara dos Deputados entre janeiro de 2000 e dezembro de 2001. Passaram-se 12 anos desde o recebimento da denúncia, em dezembro de 2010, até que a instância máxima do Poder Judiciário, enfim, resolvesse punir o parlamentar pelo crime. E ainda assim na undécima hora e com bastante benevolência.

No dia 1.º de dezembro, faltando apenas 24 horas para a prescrição do caso, o ministro Barroso homologou os termos do ANPC com Silas Câmara, no qual o deputado confessa a prática do crime de peculato (art. 312 do Código Penal), que até então ele sempre negara, e se compromete a pagar uma multa de R$ 242 mil. Por incrível que pareça, embora o acordo tenha saído barato para o parlamentar, essa módica quantia diante da gravidade do delito é alguma forma de compensação à sociedade. O ANPC foi proposto, homologado e assinado um dia antes da prescrição do crime. Ou seja, por muito pouco Silas Câmara não passou totalmente impune.

O próprio ministro Barroso reconheceu que nem sequer caberia a celebração do ANPC na fase em que se encontrava o processo contra o parlamentar no STF, haja vista que esse tipo de acordo é oportuno apenas na fase pré-processual, ou seja, antes da aceitação da denúncia oferecida pelo Ministério Público à Justiça. No entanto, o magistrado admitiu que, diante da iminência da prescrição do crime, a celebração do ANPC era “a via mais adequada para minimizar os prejuízos ao erário”.

Essa extrema lentidão da Justiça para punir o crime e a naturalidade com que ninguém menos do que o presidente da República, ele mesmo um dos implicados, admite que “essa coisa de rachadinha é meio comum” são sintomas de que o País trata a prática como algo banal, uma espécie de pecadilho inerente à própria atividade política, algo aceitável, portanto. Ora, “rachadinha” é inaceitável. E é espantoso que assim não seja vista.

Em que pese a dificuldade de tipificar a conduta delitiva – o Código Penal não descreve exatamente um crime de “rachadinha” –, a apropriação de parte dos salários de servidores lotados em gabinetes sobretudo de parlamentares é, inequivocamente, uma prática grave: é desvio de recursos públicos e forma de enriquecimento ilícito.

Ademais, o parlamentar que nomeia para o seu gabinete funcionários desqualificados para as funções de assessoria, gente que aceita participar do esquema por alguns trocados sem trabalhar, mostra que seu objetivo não é trabalhar por seus eleitores, e sim aproveitar-se das nomeações para engordar a conta bancária.

O caso envolvendo o deputado Silas Câmara levou mais de 20 anos para ter alguma punição. Tal procrastinação é exatamente o que buscam os que não conseguem responder às acusações de “rachadinha”, como os enrolados integrantes do clã Bolsonaro. Até agora, eles têm se valido de filigranas jurídicas para suspender ou atrasar o andamento dos processos que correm contra eles na Justiça, em que pese a profusão de indícios de enriquecimento ilícito – pagamentos sistemáticos de contas em dinheiro vivo, compra de dezenas de imóveis em espécie e cheques inexplicáveis depositados na conta da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, só para citar os mais evidentes.

Do Legislativo e do Executivo, obviamente, seria ocioso esperar medidas que ponham fim às “rachadinhas”. Cabe ao Judiciário sistematizar a punição de um crime que, como dito, representa a transformação da representação parlamentar em negócio privado.

Mais arrocho global de juros

O Estado de S. Paulo

Maior aperto é indicado por EUA e Europa e o futuro governo precisa preparar-se para mais essa pressão

Além de enfrentar os próprios desafios, o Brasil e dezenas de outros países continuarão expostos por longo tempo às consequências do aperto monetário adotado contra a inflação nos Estados Unidos e na União Europeia. Juros altos são o remédio mais empregado, no mundo capitalista, para conter a demanda, esfriar os negócios e frear a alta de preços. Aplicada em grandes economias, essa terapia acaba afetando os fluxos de capitais e o comércio internacional. O aperto ainda poderá aumentar, estender-se por 2023 e talvez chegar a 2024, segundo autoridades monetárias do mundo rico. Juros elevados no exterior dificultarão o afrouxamento no Brasil, onde o Banco Central (BC) já confronta pressões inflacionárias persistentes, em um ambiente de incertezas sobre a evolução das contas federais e da dívida pública.

O Federal Reserve (Fed, o banco central americano) talvez deva adotar uma política mais agressiva no próximo ano para derrubar mais prontamente a inflação, disse na segunda-feira o presidente do Fed de Saint Louis, James Bullard, membro do comitê responsável, em nível nacional, pela política monetária.

“Ainda há trabalho a fazer”, comentou no mesmo dia o presidente do Fed de Nova York, John Williams, também membro do comitê federal. Mesmo com a desaceleração dos preços, argumentou, a inflação ainda poderá ficar em 2023 na faixa de 3% a 3,5%, bem acima, portanto, da meta de 2%.

Diante desse risco, um aperto maior poderá ser necessário, indicou Williams. Essa observação reforça a hipótese de um aumento de 0,5 ponto porcentual na taxa básica, na próxima reunião do comitê de política monetária, prevista para dezembro. No início de novembro, uma alta de 0,75 ponto porcentual levou os juros básicos ao intervalo de 3,75% e 4%. Foi o quarto aumento consecutivo. A alta de preços tem sido menos vigorosa, nos últimos dois meses, mas a convergência para a meta ainda é incerta.

Espalhada por dezenas de países, a inflação tem sido impulsionada por choques de oferta associados, em grande parte, a desarranjos ocasionados pela pandemia, à política de covid zero aplicada na China e às consequências comerciais da invasão da Ucrânia por tropas da Rússia. Normalmente usadas para conter pressões inflacionárias alimentadas pela demanda, as políticas de aperto monetário têm-se revelado menos eficientes nos últimos tempos. As dificuldades têm sido atribuídas em parte a falhas das cadeias de oferta e às limitações da oferta de produtos básicos em momentos de tensão.

De toda forma, políticas de restrição monetária são as principais ferramentas para a contenção da alta de preços e continuarão sendo usadas. Também na Europa o aperto poderá aumentar. A presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, reafirmou nesta semana o compromisso de levar a inflação à meta (2%) e indicou novas altas de juros. Os efeitos colaterais obviamente serão sentidos em outros países, como no caso dos juros americanos. No Brasil, preparar-se para essa pressão deve ser uma das tarefas da equipe do futuro governo.

PEC do Quinquênio, nova ameaça ao controle fiscal

Valor Econômico

Entre outros absurdos, a PEC permite contabilizar para o cálculo do quinquênio o tempo de trabalho na advocacia no setor privado, anterior ao posto público

Enquanto universidades federais contavam centavos na semana passada para pagar contas de água e luz, em meio a mais um bloqueio orçamentário, que ameaça até o pagamento de aposentadorias, o Senado preparava-se para votar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 63/2013, a PEC do Quinquênio, que concede um subsídio automático de 5% a cada cinco anos nos vencimentos de juízes e promotores, uma das categorias mais bem pagas do país. A votação foi adiada.

Como parece que virou praxe em Brasília, a proposta não identifica de onde sairá o dinheiro necessário para o pagamento de tal benesse e sequer qual será seu custo - as estimativas vão de R$ 2 bilhões a quase R$ 100 bilhões, dependendo da lista de beneficiados, que não para de crescer.

Originalmente, a PEC 63, que tramita desde 2013, tinha como objetivo dar o subsídio de 5% para membros do Ministério Público e magistratura da União e dos Estados e Distrito Federal. Horas antes da votação, marcada para quarta-feira da semana passada, o relator, senador Eduardo Gomes (PL-TO), incluiu entre os beneficiários ministros e conselheiros dos Tribunais de Contas, e membros da Defensoria Pública, sem quantificar o impacto das mudanças.

A votação acabou sendo adiada. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, defensor da PEC, apelou para um acordo de lideranças para que a proposta seja votada ainda este ano, sob o risco de ser arquivada. A preocupação fiscal do momento que conturba a posse do futuro governo, o embate em torno da aprovação da PEC da Transição e os apertos orçamentários que afetam gastos básicos nas áreas de educação e saúde são fortes argumentos para colocar o assunto na geladeira. No entanto, é forte a pressão do Judiciário para a aprovação da medida.

O quinquênio do funcionalismo foi extinto na reforma administrativa de 1998 de Fernando Henrique, e o dos magistrados e do Ministério Público em 2005, nas mudanças no Judiciário feitas por Lula, por representar favorecimento inaceitável em relação aos demais trabalhadores. Em 2013, o então senador Gim Argello elaborou a PEC que restaura o quinquênio aos juízes e promotores, mas foi arquivada no ano seguinte. Oito anos depois, em março passado, ela voltou à pauta como alternativa para ajustar o salário dos juízes, atualmente de R$ 39,3 mil, o teto do funcionalismo.

 

Diante da crise fiscal, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) acharam que seria melhor restaurar o quinquênio do que correr o risco de desgaste de imagem do tribunal ao enviar um projeto de lei propondo um reajuste de 18% para a categoria para o Congresso, e convenceram Pacheco disso, nas articulações de bastidores que ocorrem desde o início deste ano.

As despesas com a categoria já são muito altas. O Justiça em Números de 2022 informa que o Judiciário teve um gasto mensal com cada magistrado de R$ 60,3 mil no ano passado, incluindo não só a remuneração, mas também indenizações, encargos sociais, previdenciários, Imposto de Renda e viagens a serviço. Segundo a PEC, o quinquênio seria uma “parcela indenizatória” o que significa, como explica o colunista Bruno Carazza, que o valor recebido não se submete ao teto do funcionalismo e nem recolhe Imposto de Renda (Valor, 25/3). O quinquênio é assim mais um penduricalho, como o auxílio-moradia, que burla os limites estabelecidos.

Entre os argumentos de defesa da volta do quinquênio estão o excesso de trabalho e o fato de não haver diferenciação entre o salário de juízes e promotores que acabam de entrar e o dos mais antigos no cargo. No setor privado, o problema seria resolvido com o plano de carreiras e metas para justificar as promoções. Entre outros absurdos, a PEC permite contabilizar para o cálculo do quinquênio o tempo de trabalho transcorrido inclusive em advocacia no setor privado, anterior ao posto público, e estende o pagamento do benefício a aposentados e pensionistas.

Houve diversas emendas para estender a regalia. Uma delas é do partido de Lula, do senador Humberto Costa (PT-PE), que a concede também a delegados da Polícia Federal e permite que os Estados criem o benefício para a Polícia Civil. Para especialistas, é o primeiro passo para a volta do quinquênio para todo o funcionalismo público, com impacto inclusive nos cofres estaduais e municipais. Como se tudo isso não bastasse, não está esquecida a proposta de aumento de 18% do salário dos juízes, que alterará o teto para todo o funcionalismo.

 

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