STF tem dever de acabar com emenda do relator
O Globo
Depois de suspense, Rosa Weber marcou para
amanhã votação que deveria pôr fim ao orçamento secreto
Depois de meses de suspense, a ministra
Rosa Weber, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), pautou enfim para
amanhã o julgamento das ações que contestam a constitucionalidade das emendas
do relator do Orçamento, conhecidas pela sigla RP9. Apelidado orçamento
secreto, trata-se de instrumento fisiológico, opaco, que não leva em conta
critérios técnicos e incentiva a corrupção. Espera-se que a maioria do plenário
varra para o lixo esse expediente, criado em 2019 pelo governo Bolsonaro para
comprar apoio político e blindar o presidente de investigações e pedidos de
impeachment.
É função do STF impedir que o Congresso estabeleça qualquer regra orçamentária contrária aos princípios constitucionais de moralidade, impessoalidade, publicidade, isonomia e equidade. É exatamente o caso do orçamento secreto. O dinheiro distribuído a quem apoia o governo é controlado pelos caciques do Centrão, em particular os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). As verbas são destinadas a projetos de retorno político aos parlamentares governistas, em geral em seus redutos eleitorais, e não onde façam sentido social ou econômico.
Se o problema se restringisse a isso, já
seria um escândalo. São gigantescos os desafios do Brasil. Das periferias das
capitais ao interior, é evidente a necessidade de investimento em diversas
áreas, da habitação à infraestrutura, da saúde ao combate à miséria. Por isso é
inaceitável o critério imoral e personalista do orçamento secreto. Outros
defeitos são constitucionalmente imperdoáveis. A distribuição continua opaca
mesmo um ano depois que Rosa Weber determinou que o Congresso lhe desse
transparência, com divulgação do volume de recursos e dos beneficiários das
verbas. Ainda é possível ocultar a identidade deles. Por que o sigilo?
Na previsão para o ano que vem, o orçamento
secreto foi estimado em R$ 19,4 bilhões. Desde 2020, já foi gasta uma fábula
por meio desse expediente: ao redor de R$ 55 bilhões. Sem saber o nome dos
beneficiados, fica difícil ligar os pontos entre quem decide o investimento e
suas conexões com os empresários locais que tocam as obras, nem sempre de
maneira republicana. Não faltam fortes indícios de corrupção em vários lugares,
a começar pelas maracutaias denunciadas na Companhia de Desenvolvimento dos
Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf).
Emendas parlamentares são um mecanismo
comum, mas problemático em vários países. Entre 2011 e 2021, o Congresso dos
Estados Unidos barrou a prática depois de anos de escândalos, como a construção
de “pontes para lugar nenhum” no estado do Alasca. Batizadas de “financiamento
de projetos comunitários”, as emendas voltaram neste ano, mas de maneira mais
transparente, regrada e igualitária. Preveem verbas também para a oposição, num
sistema parecido com as emendas individuais e de bancada do Parlamento brasileiro,
cuja distribuição foi disciplinada por emendas constitucionais e outros
mecanismos de transparência adotados ao longo do tempo.
A excrescência do orçamento secreto, criada
pelo Congresso com apoio da base governista, é um arbítrio do Legislativo que o
STF tem o dever de extinguir. Será tarefa do governo que toma posse em janeiro
formar maioria no nosso presidencialismo de coalizão sem apelar a novos
esquemas de roubalheira em segredo com o Parlamento.
PT deveria desistir de modificar o plano de
investimentos da Petrobras
O Globo
Equipe de transição repete ideias
equivocadas que levaram estatal à bancarrota no governo Dilma
O plano de negócios da Petrobras para o
período de 2023 a 2027 aparentemente já nasceu morto. A proposta da estatal é
manter o foco nas áreas mais lucrativas, produção e exploração, com
investimentos no período de US$ 78 bilhões. Ficam em segundo plano as refinarias
(duas das quais já foram vendidas) e as fontes renováveis de energia. A
intenção do próximo governo, porém, é inverter as prioridades, e não se afasta
a possibilidade de refazer todo o plano. A partir de janeiro, a busca pelo
retorno financeiro aos acionistas — a União, o maior deles — daria lugar ao uso
da empresa pelo Planalto para pôr em marcha projetos políticos. É o caso das
refinarias e de estender a área de atuação da empresa a novas fontes de
energia.
No centro da mudança de rumo está a promessa
do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, de “abrasileirar” o preço dos
combustíveis. Nisso não há diferença entre Lula e Bolsonaro, que passou o
mandato às turras com a Petrobras, para que a estatal não repassasse
integralmente aos preços internos as variações do mercado internacional.
Se levar o plano adiante, o PT cometerá o
mesmo erro do governo Dilma Rousseff. Para tentar debelar a inflação resultante
do desequilíbrio fiscal gerado pela Nova Matriz Econômica, Dilma congelou o
preço dos combustíveis e levou a Petrobras a acumular dívidas de US$ 100
bilhões. Se fosse uma empresa privada, teria falido.
Na visão simplória, primitiva e limitada do
futuro governo, se a Petrobras passasse a ser autossuficiente em refino, o
preço em real dos derivados não se subordinaria mais às cotações do mercado
global. E, como o Brasil é autossuficiente na produção de petróleo, o mercado
interno de combustíveis estaria blindado contra choques externos. Trata-se de
um equívoco.
Primeiro, o refino no Brasil sempre
consumiu investimentos absurdos, sem jamais ter dado o retorno esperado. O país
torrou bilhões em projetos hoje às moscas. Há produção de petróleo de vários
tipos. Não compensa refinar todos aqui. Melhor exportar para financiar a
importação de derivados que faltam, sobretudo diesel.
Segundo, não faz sentido voltar a investir
em refinarias no momento em que o mundo procura reduzir o consumo de
combustíveis fósseis. Todo esse dinheiro teria melhor destino se fosse aplicado
na descarbonização da economia, incluindo investimentos em energia limpa pela
própria Petrobras.
Na contramão do que seria necessário fazer
para o mercado interno ter preços competitivos, a equipe de transição pediu à
Petrobras para suspender o programa de venda de oito refinarias (os recursos
serviriam também para abater o endividamento da empresa). Só foi concluída a
venda de duas, pouco para trazer o dinamismo de que o mercado necessita.
Por fim, o PT não deveria esquecer que só criou problemas a si mesmo e ao país quando usou a Petrobras para alavancar investimentos segundo critérios políticos. Os resultados foram a baixa qualidade no uso do capital, os prejuízos à estatal e a corrupção desmascarada pela Operação Lava-Jato.
Calcanhar de Aquiles
Folha de S. Paulo
Bolsonarista para a Segurança paulista
expõe flanco frágil da gestão Tarcísio
Desde a campanha eleitoral, a segurança
pública se configura como calcanhar de Aquiles do agora governador eleito de
São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Enquanto trabalhava a imagem de um
tecnocrata de centro-direita moderado, Tarcísio saiu-se muito bem e abocanhou o
eleitorado conservador que manteve o PSDB por três décadas no poder.
Quando se mostrou bolsonarista, como no
debate da segurança, escorregou. Apesar de problemas como os sequestros
associados a saques pelo Pix, a área teve notável avanço recente em
indicadores.
Ainda assim, Tarcísio defendeu inicialmente
rever o programa de emprego de câmeras nos uniformes dos policiais militares,
iniciado por João Doria (então PSDB). Nos batalhões
em que foi implementada, a iniciativa reduziu a letalidade policial em 85%.
O então candidato tomava emprestado o
raciocínio bolsonarista segundo o qual o PM seria constrangido pela câmera, o
que não faz nenhum sentido se ele estiver dentro da lei. Pressionado, recuou e
disse que iria ouvir especialistas.
Eleito, o ex-ministro da Infraestrutura,
sacado por Jair Bolsonaro (PL) para a disputa sem experiência prévia, buscou
consolidar a imagem de moderação ao indicar Gilberto Kassab —líder do PSD, um
de seus fiadores políticos— como homem-forte do governo
Só que há uma conta a pagar ao grupo ligado
a Bolsonaro, a quem deve carona na votação vitoriosa em São Paulo, tendo unido
moderados e radicais à direita.
Assim, o futuro governador indicou para a
Segurança um bolsonarista, Capitão Derrite, recém-reeleito deputado pelo PL-SP.
Surgido das entranhas digitais apoiadoras do presidente, o jovem de 38 anos fez
fama como um bombeiro de postagens incendiárias.
Sua nomeação
gerou controvérsia, não apenas pela visão linha-dura que inclui a oposição às
câmeras. Oriundo dos estratos subalternos da PM, ele altera o
equilíbrio de poder com a Polícia Civil ao defender que os militares também
tenham poder de investigação, o que é vetado pela Constituição.
Isso provocou reações de integrantes do
Judiciário e de policiais civis, que Tarcísio busca contornar ao convidar o
atual delegado-geral para ser o número 2 da secretaria.
Além disso, o episódio acirra a polarização
política. Nêmesis do bolsonarismo, o ministro do STF Alexandre de Moraes retém
influência entre os grupos agastados com a escolha de Derrite —herança de sua
passagem pela Segurança paulista em 2015-16.
A crispação agita uma área em que manejo
técnico é primordial, algo ameaçado por anos de tentativa do bolsonarismo de insuflar
a tropa com o golpismo de seu líder.
Vitória gay
Folha de S. Paulo
Em rara aliança de democratas e
republicanos, união homoafetiva avança nos EUA
Numa vitória de enorme significado prático
e simbólico para a comunidade gay dos Estados Unidos, o Senado americano aprovou na
semana passada um projeto de lei que reconhece o casamento entre pessoas do
mesmo sexo.
Trata-se de um avanço notável não apenas em
razão do conteúdo mas também pela forma como se deu. Com 61 votos a favor e 36
contra, o diploma contou com um acordo à primeira vista improvável entre os
partidos Democrata e Republicano, cujas diferenças só vêm se acentuando nos
últimos anos.
O texto agora voltará para a Câmara, onde
sua aprovação é dada como certa, e seguirá para a sanção do presidente Joe
Biden.
A norma revoga a Lei de Defesa do
Casamento, de 1996, que negava a casais do mesmo sexo direitos em âmbito federal.
Depois de cumprir todos os ritos, a nova legislação proibirá os estados de
negarem a validade de um matrimônio com base em sexo, raça ou etnia.
Em imposição dos republicanos, as
organizações religiosas estarão dispensadas de fornecer bens ou serviços para a
celebração de casamentos homoafetivos e não poderão ser penalizadas por se
recusarem a legitimá-los.
Até agora, o reconhecimento do matrimônio
entre pessoas de mesmo sexo vinha se dando com base em decisões da Suprema
Corte, que em 2013 derrubou um dos dispositivos da lei de 1996 e, dois anos
depois, estendeu o direito a todas as 50 unidades federativas.
Mas a recente mudança de
entendimento do tribunal em relação ao aborto, revertendo, depois de 49 anos,
esse direito, alterou o panorama e fez crescer a pressão para que o
casamento homoafetivo fosse consagrado em lei.
Um dos juízes chegou a afirmar, em seu
voto, que a mesma lógica empregada pela corte para permitir que os estados
proibissem o procedimento deveria ser usada para anular a igualdade no
casamento.
Eis um risco que não pode ser desprezado no
Brasil. Por aqui, tal direito começou a ser garantido em 2011, quando o STF
entendeu que casais do mesmo sexo constituem uma família e podem, assim como os
heterossexuais, viver legalmente em regime de união estável. Em 2013, o
Conselho Nacional de Justiça obrigou cartórios a registrar casamentos homossexuais.
O melhor, portanto, é que o Congresso aprove uma lei explícita sobre o tema. Que a decisão do Senado dos EUA sirva de inspiração para os legisladores brasileiros.
Incerteza generalizada
O Estado de S. Paulo.
Insegurança sobre evolução das contas do governo reforça temor de juros mais altos, enquanto presidente eleito continua silenciando sobre como cuidará das finanças do poder central
A incerteza cresce entre empresários de
todos os setores, enquanto o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva mantém
silêncio sobre sua equipe econômica e sobre como pretende tratar as contas
públicas. Ele já indicou algumas prioridades, como a sustentação das políticas
de transferência de renda, de elevação real do salário mínimo e de recuperação
do setor da saúde, mas tem evitado falar sobre responsabilidade fiscal. Quando
interrogado sobre o assunto, evoca sua experiência do primeiro mandato, quando
houve um claro esforço de geração de superávits primários, isto é, de contas
federais com saldos positivos, excluída a conta de juros. Mas a resposta é
insuficiente. Este ano se encerra com as finanças da União devastadas, o Orçamento
do próximo ano é incompatível com as promessas dos dois principais candidatos,
o vencedor e o derrotado, e as projeções econômicas para 2023 são todas
sombrias. O silêncio, neste momento, só aumenta a insegurança, refletida nas
estimativas de evolução dos juros.
Há um mês os juros básicos previstos para
2023 estavam em 11,25%, segundo o boletim Focus, baseado em consultas do Banco
Central (BC) ao mercado. Há uma semana a projeção havia subido para 11,50%. O
boletim divulgado nesta segunda-feira mostra uma expectativa pior: pela mediana
das apostas, a taxa básica ficará em 11,75% no próximo ano, num cenário de
pressões inflacionárias ainda consideráveis e de muita insegurança quanto à
saúde financeira do governo central. Novos desajustes poderão elevar o
endividamento do Tesouro Nacional, já bem superior ao padrão observado em
outras economias emergentes e de renda média.
Pelo critério oficial brasileiro, a dívida
do governo geral, formado pelos três níveis da administração, está abaixo de
80% do Produto Interno Bruto (PIB). Pelo critério do Fundo Monetário
Internacional (FMI), essa relação está próxima de 90%, poderá subir nos
próximos anos e até alcançar 100%. Nos cálculos do FMI, diferentes daqueles
adotados em Brasília, o endividamento inclui os papéis do Tesouro em poder do
BC.
Economistas do setor privado têm razões
ponderáveis para se inquietar em relação à dívida pública. Nenhuma fonte
vinculada ao presidente eleito esclareceu, até agora, se algum novo padrão de
controle substituirá o teto de gastos, já perfurado na atual gestão. Não há
indicação de uma nova âncora para dar alguma segurança às contas do poder
central. A incerteza sobre as finanças do governo federal afeta imediatamente a
expectativa dos juros.
Sem um claro padrão estabilizador das
finanças governamentais, ficará para o BC a função de evitar um desarranjo
maior no sistema financeiro. Juros mais altos serão um efeito provável desse
jogo.
Essa expectativa ocorre em todos os setores
empresariais, mas de forma bem mais visível no mercado financeiro. Novas altas
de juros, segundo comentam executivos da Faria Lima, poderão retardar por até
dois trimestres novas operações de abertura de capital. Com o dinheiro mais
caro, as aplicações de recursos irão preferencialmente para ativos de renda
fixa. Mas os sinais de inquietação se multiplicam também fora do setor
financeiro.
Já no terceiro trimestre, antes, portanto,
das eleições, o temor de crédito mais caro chegou ao primeiro lugar nas
preocupações da indústria da construção, segundo a Confederação Nacional da
Indústria (CNI). Em outro levantamento, a Confederação identificou os juros
altos no quarto lugar entre os principais problemas apontados pela indústria de
transformação. Com 24,2% das indicações, os juros ficaram praticamente empatados
com a demanda interna insuficiente. Este item, apontado por 24,3% dos
consultados, ocupou a terceira posição. Nos dois primeiros lugares apareceram
“falta ou alto custo de matérias-primas” e “elevada carga tributária”. Dinheiro
caro continuará sendo uma preocupação importante por muito tempo, mas poderá
tornar-se mais suportável se o presidente eleito anunciar um programa confiável
de responsabilidade fiscal e de contenção da dívida pública.
A banalidade da ‘rachadinha’
O Estado de S. Paulo
Justiça leva 12 anos para punir deputado
que se apropriou de salários de funcionários; a prática, que Bolsonaro já
qualificou como ‘meio comum’, é perversão da atividade parlamentar
O conhecimento das chamadas “rachadinhas” –
alcunha que transmite uma ideia de brandura para um crime que, na realidade, é
muito grave – ganhou amplitude nacional após o Estadão revelar, no fim de 2018,
que a família do presidente Jair Bolsonaro era useira e vezeira desse esquema
de apropriação ilegal de parte dos salários de servidores lotados em gabinetes
de políticos do Legislativo e do Executivo. A prática, no entanto, é antiga e
“meio comum”, como o próprio presidente da República fez questão de admitir
durante uma entrevista concedida em agosto passado.
O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo
Tribunal Federal (STF), acaba de homologar um Acordo de Não Persecução Criminal
(ANPC) com o deputado federal Silas Câmara (Republicanosam), acusado de
praticar “rachadinhas” no seu gabinete na Câmara dos Deputados entre janeiro de
2000 e dezembro de 2001. Passaram-se 12 anos desde o recebimento da denúncia,
em dezembro de 2010, até que a instância máxima do Poder Judiciário, enfim,
resolvesse punir o parlamentar pelo crime. E ainda assim na undécima hora e com
bastante benevolência.
No dia 1.º de dezembro, faltando apenas 24
horas para a prescrição do caso, o ministro Barroso homologou os termos do ANPC
com Silas Câmara, no qual o deputado confessa a prática do crime de peculato
(art. 312 do Código Penal), que até então ele sempre negara, e se compromete a
pagar uma multa de R$ 242 mil. Por incrível que pareça, embora o acordo tenha
saído barato para o parlamentar, essa módica quantia diante da gravidade do
delito é alguma forma de compensação à sociedade. O ANPC foi proposto, homologado
e assinado um dia antes da prescrição do crime. Ou seja, por muito pouco Silas
Câmara não passou totalmente impune.
O próprio ministro Barroso reconheceu que
nem sequer caberia a celebração do ANPC na fase em que se encontrava o processo
contra o parlamentar no STF, haja vista que esse tipo de acordo é oportuno
apenas na fase pré-processual, ou seja, antes da aceitação da denúncia
oferecida pelo Ministério Público à Justiça. No entanto, o magistrado admitiu
que, diante da iminência da prescrição do crime, a celebração do ANPC era “a
via mais adequada para minimizar os prejuízos ao erário”.
Essa extrema lentidão da Justiça para punir
o crime e a naturalidade com que ninguém menos do que o presidente da
República, ele mesmo um dos implicados, admite que “essa coisa de rachadinha é
meio comum” são sintomas de que o País trata a prática como algo banal, uma
espécie de pecadilho inerente à própria atividade política, algo aceitável,
portanto. Ora, “rachadinha” é inaceitável. E é espantoso que assim não seja
vista.
Em que pese a dificuldade de tipificar a
conduta delitiva – o Código Penal não descreve exatamente um crime de
“rachadinha” –, a apropriação de parte dos salários de servidores lotados em
gabinetes sobretudo de parlamentares é, inequivocamente, uma prática grave: é
desvio de recursos públicos e forma de enriquecimento ilícito.
Ademais, o parlamentar que nomeia para o
seu gabinete funcionários desqualificados para as funções de assessoria, gente
que aceita participar do esquema por alguns trocados sem trabalhar, mostra que
seu objetivo não é trabalhar por seus eleitores, e sim aproveitar-se das
nomeações para engordar a conta bancária.
O caso envolvendo o deputado Silas Câmara
levou mais de 20 anos para ter alguma punição. Tal procrastinação é exatamente
o que buscam os que não conseguem responder às acusações de “rachadinha”, como
os enrolados integrantes do clã Bolsonaro. Até agora, eles têm se valido de
filigranas jurídicas para suspender ou atrasar o andamento dos processos que
correm contra eles na Justiça, em que pese a profusão de indícios de
enriquecimento ilícito – pagamentos sistemáticos de contas em dinheiro vivo,
compra de dezenas de imóveis em espécie e cheques inexplicáveis depositados na
conta da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, só para citar os mais evidentes.
Do Legislativo e do Executivo, obviamente,
seria ocioso esperar medidas que ponham fim às “rachadinhas”. Cabe ao
Judiciário sistematizar a punição de um crime que, como dito, representa a
transformação da representação parlamentar em negócio privado.
Mais arrocho global de juros
O Estado de S. Paulo
Maior aperto é indicado por EUA e Europa e
o futuro governo precisa preparar-se para mais essa pressão
Além de enfrentar os próprios desafios, o
Brasil e dezenas de outros países continuarão expostos por longo tempo às
consequências do aperto monetário adotado contra a inflação nos Estados Unidos
e na União Europeia. Juros altos são o remédio mais empregado, no mundo
capitalista, para conter a demanda, esfriar os negócios e frear a alta de
preços. Aplicada em grandes economias, essa terapia acaba afetando os fluxos de
capitais e o comércio internacional. O aperto ainda poderá aumentar,
estender-se por 2023 e talvez chegar a 2024, segundo autoridades monetárias do
mundo rico. Juros elevados no exterior dificultarão o afrouxamento no Brasil,
onde o Banco Central (BC) já confronta pressões inflacionárias persistentes, em
um ambiente de incertezas sobre a evolução das contas federais e da dívida
pública.
O Federal Reserve (Fed, o banco central
americano) talvez deva adotar uma política mais agressiva no próximo ano para
derrubar mais prontamente a inflação, disse na segunda-feira o presidente do
Fed de Saint Louis, James Bullard, membro do comitê responsável, em nível
nacional, pela política monetária.
“Ainda há trabalho a fazer”, comentou no
mesmo dia o presidente do Fed de Nova York, John Williams, também membro do
comitê federal. Mesmo com a desaceleração dos preços, argumentou, a inflação
ainda poderá ficar em 2023 na faixa de 3% a 3,5%, bem acima, portanto, da meta
de 2%.
Diante desse risco, um aperto maior poderá
ser necessário, indicou Williams. Essa observação reforça a hipótese de um
aumento de 0,5 ponto porcentual na taxa básica, na próxima reunião do comitê de
política monetária, prevista para dezembro. No início de novembro, uma alta de
0,75 ponto porcentual levou os juros básicos ao intervalo de 3,75% e 4%. Foi o
quarto aumento consecutivo. A alta de preços tem sido menos vigorosa, nos
últimos dois meses, mas a convergência para a meta ainda é incerta.
Espalhada por dezenas de países, a inflação
tem sido impulsionada por choques de oferta associados, em grande parte, a
desarranjos ocasionados pela pandemia, à política de covid zero aplicada na
China e às consequências comerciais da invasão da Ucrânia por tropas da Rússia.
Normalmente usadas para conter pressões inflacionárias alimentadas pela
demanda, as políticas de aperto monetário têm-se revelado menos eficientes nos
últimos tempos. As dificuldades têm sido atribuídas em parte a falhas das
cadeias de oferta e às limitações da oferta de produtos básicos em momentos de
tensão.
De toda forma, políticas de restrição monetária são as principais ferramentas para a contenção da alta de preços e continuarão sendo usadas. Também na Europa o aperto poderá aumentar. A presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, reafirmou nesta semana o compromisso de levar a inflação à meta (2%) e indicou novas altas de juros. Os efeitos colaterais obviamente serão sentidos em outros países, como no caso dos juros americanos. No Brasil, preparar-se para essa pressão deve ser uma das tarefas da equipe do futuro governo.
PEC do Quinquênio, nova ameaça ao controle
fiscal
Valor Econômico
Entre outros absurdos, a PEC permite
contabilizar para o cálculo do quinquênio o tempo de trabalho na advocacia no
setor privado, anterior ao posto público
Enquanto universidades federais contavam
centavos na semana passada para pagar contas de água e luz, em meio a mais um
bloqueio orçamentário, que ameaça até o pagamento de aposentadorias, o Senado
preparava-se para votar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 63/2013, a
PEC do Quinquênio, que concede um subsídio automático de 5% a cada cinco anos
nos vencimentos de juízes e promotores, uma das categorias mais bem pagas do
país. A votação foi adiada.
Como parece que virou praxe em Brasília, a
proposta não identifica de onde sairá o dinheiro necessário para o pagamento de
tal benesse e sequer qual será seu custo - as estimativas vão de R$ 2 bilhões a
quase R$ 100 bilhões, dependendo da lista de beneficiados, que não para de
crescer.
Originalmente, a PEC 63, que tramita desde
2013, tinha como objetivo dar o subsídio de 5% para membros do Ministério
Público e magistratura da União e dos Estados e Distrito Federal. Horas antes
da votação, marcada para quarta-feira da semana passada, o relator, senador
Eduardo Gomes (PL-TO), incluiu entre os beneficiários ministros e conselheiros
dos Tribunais de Contas, e membros da Defensoria Pública, sem quantificar o
impacto das mudanças.
A votação acabou sendo adiada. O presidente
do Senado, Rodrigo Pacheco, defensor da PEC, apelou para um acordo de
lideranças para que a proposta seja votada ainda este ano, sob o risco de ser
arquivada. A preocupação fiscal do momento que conturba a posse do futuro
governo, o embate em torno da aprovação da PEC da Transição e os apertos
orçamentários que afetam gastos básicos nas áreas de educação e saúde são fortes
argumentos para colocar o assunto na geladeira. No entanto, é forte a pressão
do Judiciário para a aprovação da medida.
O quinquênio do funcionalismo foi extinto
na reforma administrativa de 1998 de Fernando Henrique, e o dos magistrados e
do Ministério Público em 2005, nas mudanças no Judiciário feitas por Lula, por
representar favorecimento inaceitável em relação aos demais trabalhadores. Em
2013, o então senador Gim Argello elaborou a PEC que restaura o quinquênio aos
juízes e promotores, mas foi arquivada no ano seguinte. Oito anos depois, em
março passado, ela voltou à pauta como alternativa para ajustar o salário dos
juízes, atualmente de R$ 39,3 mil, o teto do funcionalismo.
Diante da crise fiscal, os ministros do
Supremo Tribunal Federal (STF) acharam que seria melhor restaurar o quinquênio
do que correr o risco de desgaste de imagem do tribunal ao enviar um projeto de
lei propondo um reajuste de 18% para a categoria para o Congresso, e
convenceram Pacheco disso, nas articulações de bastidores que ocorrem desde o
início deste ano.
As despesas com a categoria já são muito
altas. O Justiça em Números de 2022 informa que o Judiciário teve um gasto
mensal com cada magistrado de R$ 60,3 mil no ano passado, incluindo não só a
remuneração, mas também indenizações, encargos sociais, previdenciários,
Imposto de Renda e viagens a serviço. Segundo a PEC, o quinquênio seria uma
“parcela indenizatória” o que significa, como explica o colunista Bruno
Carazza, que o valor recebido não se submete ao teto do funcionalismo e nem
recolhe Imposto de Renda (Valor,
25/3). O quinquênio é assim mais um penduricalho, como o auxílio-moradia, que
burla os limites estabelecidos.
Entre os argumentos de defesa da volta do
quinquênio estão o excesso de trabalho e o fato de não haver diferenciação
entre o salário de juízes e promotores que acabam de entrar e o dos mais
antigos no cargo. No setor privado, o problema seria resolvido com o plano de carreiras
e metas para justificar as promoções. Entre outros absurdos, a PEC permite
contabilizar para o cálculo do quinquênio o tempo de trabalho transcorrido
inclusive em advocacia no setor privado, anterior ao posto público, e estende o
pagamento do benefício a aposentados e pensionistas.
Houve diversas emendas para estender a
regalia. Uma delas é do partido de Lula, do senador Humberto Costa (PT-PE), que
a concede também a delegados da Polícia Federal e permite que os Estados criem
o benefício para a Polícia Civil. Para especialistas, é o primeiro passo para a
volta do quinquênio para todo o funcionalismo público, com impacto inclusive
nos cofres estaduais e municipais. Como se tudo isso não bastasse, não está
esquecida a proposta de aumento de 18% do salário dos juízes, que alterará o
teto para todo o funcionalismo.
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