Folha de S. Paulo
Objetivo deve ser colocar o pobre no
Orçamento e o rico no Imposto de Renda
A equipe
de transição discute uma emenda
constitucional que retira algumas despesas do teto
de gastos. A emenda é necessária, pois viabiliza gastos com o Bolsa Família,
o adicional do benefício por criança e investimentos. Tão importante quanto
essa emenda que autoriza gastos públicos essenciais é estabelecer um novo
regime fiscal no país. O teto de gastos vigente é uma obra de ficção. Ele se
mostrou inviável por sua rigidez operacional e negligência com a desigualdade
brasileira.
Não por menos houve uso indevido das emendas
de relator para se fazer o orçamento
secreto, que feriu vários artigos da Constituição, conforme relatório
recente do Tribunal de Contas da União. O Executivo precisa retomar para si a
responsabilidade de definir o Orçamento no âmbito desse novo
regramento fiscal.
Discutiremos aqui princípios que entendemos fundamentais para o desenho de um bom regime fiscal.
O regime fiscal deve viabilizar uma estratégia de desenvolvimento, fomentando crescimento estável com distribuição de renda. Em vez de olhar o retrovisor, é crucial que o regime fiscal contemple metas para o desenvolvimento futuro do país. O Orçamento, peça central de qualquer regime fiscal, deve refletir essa estratégia de desenvolvimento, sendo organizado sob a lógica dos programas prioritários de governo. Hoje, a lógica orçamentária é inversa: criam-se programas que caibam nas despesas tradicionais do Orçamento.
É fundamental que a nova regra fiscal seja
realista, transparente e de operação simples e compreensível. Deve ter
uma meta
de gastos, que busque uma referência de patamar de dívida pública de médio
prazo. A trajetória da dívida é uma referência, não um teto; ela deve ser não
vinculante. A referência não é um limite intransponível, mas um ponto de chegada
desejado, como ocorre com a meta de inflação. O
gasto primário deve ser a variável operacional, pois o governo tem controle
sobre ele. A regra deve prever uma meta de crescimento real do gasto primário.
Gastos públicos não são todos iguais. Os
diversos grupos de despesas devem ter tratamento diferenciado. Investimentos e
despesas com ciência e tecnologia, por exemplo, integrariam rubricas
específicas e plurianuais, protegendo-os de oscilações. Políticas sociais e
investimentos devem ser anticíclicos, aumentando quando a recessão se aproxima
e caindo quando há crescimento robusto.
O novo regime precisa também de elementos
acessórios, como monitoramento, avaliação e revisão permanentes de gastos. A
adoção dessas ferramentas já pode colaborar, em muito, para garantir a evolução
do gasto primário compatível com uma referência de trajetória da dívida.
Esforços precisam ser feitos para mudar o
histórico de juros altos. Para tanto, juros não podem ser o único instrumento
de combate à inflação. Menores juros diminuem a despesa com serviço da dívida e
ainda estimulam o investimento privado e, assim, o crescimento. Menores juros e
maior crescimento contribuirão para melhor evolução
da relação dívida/PIB.
Só se propõe regrar o gasto primário; pouco se discute o impacto dos juros nas
contas públicas.
Justamente porque a questão fiscal não se
resume ao gasto primário, um novo regime requer uma reforma tributária, que
precisa simplificar a tributação e redistribuir o ônus tributário, implicando
cobrança condizente com a grande desigualdade do país. Tal reforma também
precisa garantir o financiamento contínuo de programas sociais e investimentos.
Por fim, o novo regime fiscal deve
substituir as mais de dez regras fiscais hoje vigentes no Brasil. A
Constituição, a Lei
de Responsabilidade Fiscal e a nova regra são suficientes.
O novo arcabouço fiscal, incluindo a reforma
tributária, precisa estar alinhado ao objetivo de colocar o pobre no
Orçamento e o rico no Imposto de
Renda. Esse não é o cenário que prevalece hoje, infelizmente.
Se nada for proposto e aprovado para
estabelecer fontes de receita e critérios perenes para a despesa, permanecerão
a indefinição e a incerteza em relação ao cenário fiscal.
O resultado será instabilidade política e
econômica, baixo crescimento, casuísmo fiscal e, pior, a perpetuação da pobreza
que há tempos impera no país.
*Débora
Freire
Professora do Cedeplar-UFMG
Monica de
Bolle
Professora da Johns Hopkins University
Fábio
Terra
Professor da UFABC e do PPGE-UFU
Flávio
Ataliba
Pesquisador associado do FGV-Ibre
Marco
Brancher
Mestrando em desenvolvimento econômico (Universidade Harvard)
Nelson
Marconi
Professor da FGV-Eaesp
Na lata!
ResponderExcluir(Apesar de tantas siglas)
A reforma tributária vem depois de uma revisão nos subsídios com mais de 25 anos
ResponderExcluirExcelente artigo! Adorei esta parte: "objetivo de colocar o pobre no Orçamento e o rico no Imposto de Renda." Durante 3 anos e meio, Jegues fez o contrário: tirou ao máximo o pobre do Orçamento, só mudando quando o GENOCIDA percebeu que não teria sucesso na disputa eleitoral presidencial se não abrisse o cofre pros miseráveis e pobres.
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