Folha de S. Paulo
Se o novo governo levar a uma trajetória
que garanta a solvência do Tesouro, a grande vitoriosa será a democracia
Lula iniciou seu governo negociando com o
Congresso Nacional um aumento
de gasto de R$ 150 bilhões, aproximadamente. A principal atribuição
de seu
ministro da Fazenda será construir as condições para que esse início
de governo com pé trocado não comprometa o mandato de Lula.
Há caminhos. A política fiscal tem dois
impactos diretos sobre a economia. O primeiro é o impacto do gasto e da receita
do setor público no equilíbrio entre a oferta e a demanda de bens e serviços. A
política pode ser expansionista ou contracionista.
Adicionalmente, o desenho de longo prazo da política econômica e a confiança (ou não) na capacidade da liderança de gerenciar o conflito distributivo na sociedade podem indicar (ou não) que a dívida pública será paga sem a necessidade da elevação da inflação. Esse é o segundo impacto da política fiscal na economia.
É importante que a política fiscal seja
contracíclica. Se há sinais de que a economia se encontra a plena carga com
baixo desemprego, salários subindo além da produtividade do trabalho e inflação
pressionada, a política fiscal precisa ser contracionista. Esse é o caso
para 2023.
O gasto primário da União em 2022 foi de
18,2% do PIB. Esse número considera as revisões recentes na série do PIB e que
o acerto da União com o município de São Paulo, por causa do campo de Marte,
não representa gasto primário.
O gasto primário em 2023, segundo o Projeto
de Lei Orçamentária anual (PLOA 2023), é, de acordo com nossas
estimativas, de 17,5% do PIB. Com a autorização de R$ 150 bilhões, irá para 19%
do PIB, 0,8 ponto percentual superior ao gasto de 2022.
Para que a política fiscal seja
contracionista, será necessário que Haddad não execute todo o espaço fiscal
aberto pela PEC e que, adicionalmente, haja elevação de impostos. A reoneração
do PIS/Cofins e do IPI, que foram oportunisticamente reduzidos
por Bolsonaro em ano eleitoral, elevará a receita em uns R$ 80 bilhões.
Esta será a primeira tarefa do ministro:
garantir o atendimento da principal promessa de campanha de Lula, bem como de
recursos para áreas do Estado que foram subfinanciadas no governo Bolsonaro, e,
simultaneamente, promover política fiscal contracionista em 2023.
A segunda tarefa do ministro será construir
com o Congresso Nacional uma
regra fiscal que substitua o teto dos gastos e que sinalize redução da
dívida pública como proporção da economia em um horizonte não muito longo.
O ingrediente necessário será a capacidade
da liderança do presidente Lula em negociar com a sociedade e com o Congresso
Nacional medidas que elevem os impostos e reduzam gastos e subsídios, de forma
a sinalizar solvência do Tesouro Nacional.
Se o ministro for bem-sucedido em sua
segunda tarefa, a percepção de risco cairá, e o câmbio buscará valores no
intervalo de R$ 4 a R$ 4,5 por dólar. A forte queda da inflação propiciada por
esses movimentos de mercado permitirá que o Banco Central corte rapidamente os
juros.
Faz dez anos que ocupo este espaço. A
principal agenda foi o contrato social da redemocratização e, a partir do
segundo mandato de Dilma, nossa crise fiscal, ou seja, nosso conflito
distributivo.
Se Lula conseguir produzir uma trajetória
da política fiscal que garanta a solvência do Tesouro Nacional, a grande
vitoriosa terá sido a democracia brasileira. Em geral, crises fiscais produzem
crises institucionais e rupturas políticas e, muitas vezes, recessão
democrática. Oxalá a liderança de Lula escreva nova página de nossa
história.
*Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP.
Lendo e aprendendo.
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