Valor Econômico
Serviços prestados equivalem a cerca de 10%
do consumo das famílias, ou cerca de R$ 600 bilhões por ano
Será que as atividades religiosas são
impulsionadas somente por crenças a respeito de estados espirituais, da vida
após a morte ou medo da punição de Deus? Ou será que a religiosidade é motivada
também por retornos em vida?
Alguns economistas racionalizam a devoção
religiosa como um investimento em redes de apoio social ou uma sinalização que
caracteriza atributos de uma pessoa, como benignidade e altruísmo, que a
sociedade valoriza. Entende-se que as religiões não sejam necessariamente
crenças sobre estados pós vida ou buscas por elevações espirituais.
Em países com Estado de bem-estar social limitado, as comunidades religiosas são importantes fontes de seguro contra diversos riscos que as pessoas se defrontam. Tais comunidades podem ajudar os fiéis em busca por postos de trabalho, auxiliar na procura de cuidados médicos, oferecer serviços de amparo a dependentes químicos e apoio emocional em períodos de dificuldades.
A interpretação de comunidades religiosas
como redes de apoio social não é recente e há evidências que corroboram essa
hipótese. O movimento de secularização em países europeus é associado ao
aumento do Estado de bem-estar social, que oferta importantes serviços para as
famílias que se defrontam com situações adversas. Vários desses apoios, antes
oferecidos pelas Igrejas e seus devotos, são hoje providos pelo Estado.
No Brasil, ao contrário dos países
europeus, a religião e as igrejas continuam com papel fundamental na vida das
pessoas. De acordo com a World Value Survey, tem aumentado no país a
participação da população nas cerimônias religiosas, no tempo dedicado a rezas
e no percentual dos que declaram a religião como fator muito importante em suas
vidas.
De fato, talvez uma das principais
transformações em nossa sociedade foi o crescimento dos evangélicos
neopentecostais. Três décadas atrás, 80% dos brasileiros se diziam católicos.
Recentemente, o percentual de católicos no país caiu para menos de 50%.
Enquanto isso, no mesmo período, o percentual de evangélicos cresceu em mais de
20 pontos percentuais e hoje representam 30% da população.
Com valores mais conservadores que o resto
da população e seguindo normas sociais que evitam vícios ligados ao álcool e a
drogas, o avanço do neopentecotalismo tem tido efeito em várias áreas de nossa
sociedade, inclusive na política.
Francisco Costa, Angelo Marcantonio e Rudi
Rocha mostram, em trabalho publicado no Journal of the European Economic
Association, que regiões brasileiras mais afetadas por crises econômicas
apresentam uma maior queda do catolicismo e forte crescimento de
neopentecostais. Além da transferência de capital político do grupo católico em
franco declínio para o outro grupo em potente ascensão.
Desenvolvi trabalho acadêmico recente em
conjunto com professores (Sriya Iyer e Christopher Rauh) e alunos de doutorado
(Christian Roerig e Maryam Vaziri) da Universidade de Cambridge sobre religião
no país (“A City of God: Afterlife Beliefs and Job Support in Brazil”).
Elaboramos pesquisa, com o auxílio do Instituto de Estudos da Religião, quando
coletamos dados primários junto a 1.200 indivíduos na região metropolitana do
Rio de Janeiro sobre religião, religiosidade e a percepção das pessoas com
respeito a importantes situações que podem enfrentar.
Usando cenários hipotéticos, em contextos
que ajustamos a sua intensidade e exploramos variações nas respostas do mesmo
indivíduo, mostramos que as pessoas acreditam que investimentos em tempo e
recursos financeiros com atividades religiosas aumentam significativamente a probabilidade
de receberem ajudas diversas das comunidades religiosas às quais pertencem.
Como, por exemplo, ajudas na busca por um emprego.
Fato curioso é que as pessoas não
religiosas têm percepções subjetivas semelhantes às dos devotos em relação ao
retorno de investimentos em organizações religiosas. O que indica que há uma
complementariedade da fé e no engajamento em atividades que expressam a crença,
que também oferecem seguro para os fiéis.
Com o objetivo de racionalizar as
evidências de nossa pesquisa, construímos um modelo típico usado em economia de
escolha intertemporal de consumo com ciclo de vida e com crença em um estado
após a morte. No nosso modelo matemático temos também serviços providos pelas
comunidades religiosas contra choques adversos de renda.
Mostramos que o suporte das comunidades
religiosas tem impacto relevante na transição de desemprego para emprego. E tal
efeito é heterogêneo para as diversas organizações, sendo mais importante para
os neopentecostais.
Demonstramos também que os investimentos em
termos de tempo e recursos em atividades religiosas estão unidos à forte crença
na vida após a morte, bem como retornos em vida. Quando em nosso modelo
desativamos o valor da vida após a morte, tais investimentos desaparecem nas
nossas simulações. Assim como nos dados da nossa pesquisa, no nosso modelo os
não religiosos não investem em comunidades religiosas, apesar de perceberem os
retornos em vida desses investimentos.
Através do nosso modelo é possível mensurar
algo que parece imensurável: o valor da religião em termos de serviços
prestados. Nos nossos cálculos, os serviços das comunidades religiosas
equivalem a aproximadamente 10% do consumo das famílias, ou cerca de R$ 600
bilhões por ano. Tal valor equivale a 80% do gasto do Brasil com o INSS, o que
me parece ser, em termos relativos, significativo. Vale ressaltar que o nosso
estudo acadêmico representa uma abstração da realidade, não incluindo diversos
outros serviços comunitários ofertados pelas igrejas e seus fiéis (como visitas
aos presos e orações para curas), e portanto nossa mensuração parece subestimar
sobremaneira o verdadeiro valor da religião.
*Tiago Cavalcanti é professor
de Economia da Universidade de Cambridge e da FGV-SP
A grande, enorme, imensa, ciclópica sacada protestante foi a introdução de técnicas capitalistas nas religiões.
ResponderExcluirÉ o dito: o q engorda o gado é o olho do dono.
E as igrejas passaram a ter dono. E claro, passaram a dar LUCRO.
Pouco, quase nada, pode fazer um padre ante a busca de lucro e expansão dos donos de igrejas.
A busca implacável de crescimento (e lucro, claro) vem acompanhada de ações inescrupulosas como vender feijões q salvam da covid.
Até a bíblia passa a ser interpretada de forma condizente com o lucro - de um deus humilde montado num jegue pra um pastor q passa férias em resort de luxo e mora em mansão - o capitalismo econtra justificativas no livro sagrado. Pra tudo nele se encontram justificativas. Até pro lucro.
Conclusão: os serviços religiosos têm valor econômico; mas o espiritual, não.
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