quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

William Waack - A volta por cima do injustiçado

O Estado de S. Paulo

Lula parece convencido de que pode fazer o que quiser, mas o único vencedor é o Centrão

Lula é um velho político que sabe usar palavras e se esmera em falar o que diversas audiências querem ouvir. Mas já em seu terceiro mandato, parece ignorar que algumas plateias desenvolveram um sentido para diferenciar palavras de fatos. Especialmente as plateias formadas por pessoas preocupadas com o dinheiro no bolso – no mínimo.

A responsabilidade fiscal que Lula prometeu em muitas palavras está sendo avaliada em função de dois fatos. O primeiro é o tamanho do espaço pretendido para gastar sem dizer de onde virá o dinheiro para financiar. O segundo foi a articulação para esvaziar a Lei das Estatais, instrumento criado para, pelo menos, se tentar bloquear o loteamento político de empresas públicas.

A combinação desses dois acontecimentos é mais eloquente do que os últimos discursos. O novo governo quer gastar na crença de que garanta ou segure índices de popularidade e faça a economia crescer, enquanto reocupa empresas públicas por meio do mesmo tipo de esquema que lembra algo que não deu certo – vide o que aconteceu com o loteamento da Petrobras.

Lula parece ter lido o resultado das eleições de acordo com a expressão “winner takes all”. No momento, o único vencedor que está levando tudo é o Centrão, que trabalha com Lula para manter suas ferramentas de poder. Leia-se orçamento secreto e liberdade para gastar.

É um fato da política bastante eloquente (muito mais do que palavras) que o “consórcio” Lira-bolsonaro-pacheco tornou-se sem sobressalto o “consórcio” Lira-lula-pacheco.

Lula está convencido de ser uma “esperteza” começar o governo com uma acelerada de arrumação, em vez da esperada “freada de arrumação”. Economistas que emprestaram prestígio entre o primeiro e o segundo turnos falam que mal foram ouvidos. O mesmo com Simone Tebet, que se queixa do governo que começa equivocado: a prometida frente ampla está com cara de ampla frente de siglas com o velho PT no comando.

A postura do “faço o que eu quero”, que faz agentes econômicos enxergarem apenas Lula acima de tudo, é uma aposta de alto risco, dados os duros fatos da realidade política. A oposição fora do Parlamento é formidável e só na minoria composta de vândalos e radicais bolsonaristas. Mais ainda: está levando para o plano da ação política a convicção de que foi um injustiçado que conseguiu numa espetacular reviravolta dar a volta por cima. Sente-se ocupando o balcão elevado da superioridade moral que lhe daria condição de conduzir o País rumo ao passado, no qual, na sua imaginação, tudo foi melhor. O problema é o tamanho da plateia que não vê palavras combinando com a realidade.

 

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