sábado, 1 de janeiro de 2022

Oscar Vilhena Vieira*: 2022, ano decisivo

Folha de S. Paulo

Apesar de ataques, há possibilidade real de reverter a erosão de nossa democracia

A democracia brasileira sobreviveu a mais um ano de ataques sistemáticos às suas instituições e aos direitos e valores destinados a promover o bem-estar da população. Não houve dia nos últimos três anos em que a saúde da população, a cultura e a educação, o meio ambiente, o mundo do trabalho, a liberdade de expressão ou os direitos humanos não tenham sido objeto de sabotagem por parte do presidente e seus auxiliares.

A absurda tentativa de impedir a vacinação de crianças, nas últimas semanas, é apenas mais uma manifestação do obscurantismo perverso que ocupa o centro do poder no Brasil. A opção pelo jet ski e pelo entretenimento infantilizado em um parque de diversões, ao invés demonstrar solidariedade e empenho para socorrer centenas de milhares de atingidos pelas enchentes na Bahia, dá a dimensão da estatura moral do presidente.

Demétrio Magnoli: Desejos impossíveis para 2022

Folha de S. Paulo

Novo ano não tem o direito de ser uma simples extensão do macabro 2021

Mandela acreditava que tantas coisas "sempre parecem impossíveis, até serem feitas". Neste Réveillon, desisti do fácil, até do possível. Busco o impossível.

1. Ao longo de 2022, a pandemia se reduzirá a uma endemia como outras. Antes disso, que as sociedades finalmente sigam a ciência, eliminando a espessa camada de superstições depositada sobre a vida cotidiana.

Basta de controles aleatórios de temperatura, luvinhas plásticas em restaurantes self-service, máscaras ao ar livre fora de aglomerações. Abaixo o teatro do sanitarismo.

Cristina Serra: Com esperança, Feliz Ano-Novo!

Folha de S. Paulo

Com os olhos na alvorada de 2023.

Escrevo este texto enquanto cai uma tempestade lá fora e penso nos mortos e desabrigados na Bahia e em Minas Gerais, consequência de uma combinação tão antiga quanto letal no Brasil: fenômenos climáticos, desigualdade social e agressões à natureza.

Não é a chuva em si que castiga os mais pobres, mas a falta de moradia segura e a ocupação de áreas de risco, provocada em grande parte pela especulação imobiliária e pelo poder público omisso e/ou conivente.

A morte e o padecimento de brasileiros, seja nas enchentes, seja na pandemia, seja por causa da fome, são o retrato do país governado por um presidente dado à vadiagem e ao sadismo, que faz questão de exibir seu "e daí?" enquanto tantos sofrem.

Lembro do que escrevi neste espaço em primeiro de janeiro de 2020. Fui sincera quando disse aos leitores que não conseguia acreditar em um feliz ano novo, considerando o que Bolsonaro já havia feito em 2019.

Hélio Schwartsman: China, líder na produção científica

Folha de S. Paulo

E nada indica que um apagão esteja próximo.

Pela primeira vez, a China superou os EUA em produção científica. Em 2020, instituições chinesas publicaram 788 mil artigos contra 767 mil das americanas. É possível relativizar esse dado.

A China tem uma população quatro vezes maior que a americana, de modo que a produção per capita dos EUA ainda é superior. A China também não tem ganhado tantos prêmios Nobel quanto os EUA, o que faz supor que, nas áreas mais relevantes, os americanos liderem. Tudo isso é verdade, mas o fato, insofismável, é que a ciência chinesa vem evoluindo de forma robusta. Nada indica que um apagão esteja próximo.

A questão é relevante para os economistas liberais, particularmente os da escola institucionalista. Para eles, o crescimento sustentável só é possível quando as instituições políticas de um país são inclusivas e seus cidadãos gozam de liberdade para decidir o que farão de suas vidas e recursos. Isso ocorre porque a prosperidade duradoura depende de um fluxo constante de inovações, que resulte em ganhos de produtividade. Ainda segundo os institucionalistas, regimes autoritários, como o chinês, não asseguram a liberdade necessária para que o binômio ciência e tecnologia se desenvolva.

João Gabriel de Lima*: Como lidar com os cometas em 2022

O Estado de S. Paulo.

Na democracia, temos armas para combater os cometas. Elas se chamam mobilização e voto

O filme Não Olhe para Cima é literalmente sobre o fim do mundo. Na trama, um cometa entra em rota de colisão com a Terra, e a presidente dos Estados Unidos – vivida por Meryl Streep – pouco faz de concreto para evitar a tragédia. A produção da Netflix explodiu nas redes sociais e, como escreveu Eugênio Bucci no Estadão, promete incendiar as discussões em família no réveillon. Não foi por acaso. Neste ano, todos nos sentimos na mira de um cometa – fosse ele a pandemia, as enchentes, os preços subindo sem parar ou o descaso de alguns governantes com problemas tão graves.

Em alguns momentos de 2021 fomos capazes de enfrentar nossos cometas. A mobilização social triunfou sobre inimigos poderosos. Um exemplo foi o pavilhão que reuniu, em Glasgow, cientistas, empresários e representantes dos movimentos jovem, negro e indígena contra a mudança climática e em favor da Amazônia. O vídeo da ativista Txai Suruí, única brasileira a falar na abertura da COP-26, viralizou e se tornou emblema dessa mobilização.

Miguel Reale Júnior*: Alvissareira

O Estado de S. Paulo.

Boas notícias poderão ser as do dia 1.º de janeiro de 2023 no Brasil, obviamente, se não votar em Bolsonaro

É muito bom começar o ano lendo notícias boas. Então vamos a elas. O presidente da República reconduziu à presidência do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) o professor que o presidira, demitido por não se aceitarem as medições das queimadas na Amazônia apresentadas pelo instituto. Foi este ilustre físico homenageado pela prestigiosa revista Nature como um dos mais importantes cientistas do ano de 2019, tendo sido este mais um motivo para sua recondução.

Por falar em meio ambiente, o presidente da República restaurou no Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) sua anterior constituição, desfeita pelo Decreto n.º 9.806, de 28 de maio de 2020, que estabelecera uma maioria de representantes do governo no conselho, para agora garantir, como dantes, a presença equilibrada, na composição do órgão, da sociedade civil, do poder público e do setor econômico, restabelecendo a democracia participativa essencial ao nosso mundo plural.

Bolívar Lamounier*: Desordem e regresso?

O Estado de S. Paulo.

Outra rodada de Lula x Bolsonaro, com certeza, nos manterá afundados no atraso por muitos anos, talvez décadas

Tenho procurado, mas ainda não encontrei alguém tranquilo quanto à disputa presidencial em que nos iremos engajar dentro de dez meses.

Não tendo a “terceira via” até agora dito a que veio (ou virá), o enredo será igual ao de 2018. Teremos Lula pintando Bolsonaro como um desequilibrado, Bolsonaro pintando Lula como ladrão e milhões de brasileiros concordando em que ambos estarão certos. Nesse quadro, só os muito obtusos não percebem quão escassa é a chance de conservarmos o que nos resta de normalidade econômica, política e moral.

Relembremos que, décadas atrás – com mistificações ideológicas recobrindo um tênue fundo de verdade –, quisemos crer que nossa linha evolutiva seria mais no sentido da civilização que no da barbárie. Euclides da Cunha quis acreditar que éramos um país fadado a se civilizar. Que, no longo prazo, nosso destino seria um convívio político pacífico, não um país resvalando para a rispidez e a violência; para a ordem e o progresso, não para a desordem e o regresso. Hoje, se tivermos juízo, devemos olhar para trás com tristeza e para a frente com preocupação, muita preocupação, porque outra rodada de Lula x Bolsonaro, com certeza, nos manterá afundados no atraso por muitos anos, talvez décadas.

Pablo Ortellado: Retórica inflamada de Bolsonaro mascara vazio programático

O Globo

Com o fim do terceiro ano de governo, já é possível fazer um balanço amplo do que foi a gestão Bolsonaro. O que se destaca é quão pouco o governo realizou, a despeito do furacão de controvérsias.

O governo Bolsonaro foi eleito com um discurso antiestablishment e, para ser fiel, parece ter se empenhado em construir uma relação ruim com o Congresso.

Foi o governo que mais enviou medidas provisórias desde Lula e também o que menos as aprovou. Em 2021, de todas as medidas provisórias enviadas, apenas 42% foram aprovadas (para fins de comparação, a taxa de aprovação no governo Lula foi de 94%). Bolsonaro também foi o presidente que menos emplacou projetos de lei. Levantamento do Observatório do Legislativo Brasileiro da Uerj mostra que é o governante que menos aprovou projetos enviados ao Legislativo desde a redemocratização.

Eduardo Affonso: Nada de novo, tudo de novo

O Globo

Pena não termos traduzido para o português a palavra réveillon. Ela virou sinônimo de roupa branca e foguetório. Perdeu-se o sentido original contido no verbo réveiller: acordar.

Seria bonito receber o novo ano com uma manchete do tipo “Cariocas celebram o Despertar de 2022 com flores e oferendas”, em vez de com um Reveiôn que a gente nunca sabe exatamente como se escreve.

2022 acordaria de sonhos intranquilos (2021 foi um pesadelo), não transformado num artrópode asqueroso, mas revigorado, bem-disposto e de alma lavada (a crer na meteorologia, hoje tem chuva — e forte).

Sem a pequena morte / de toda noite / como sobreviver à vida / de cada dia?, escreveu o poeta José Paulo Paes. Para chegar medianamente sãos e relativamente salvos ao fim de mais um giro do planeta, é preciso enterrar o ano morto, elaborar o luto de tudo o que se perdeu e iniciar, hoje, a regeneração. Mais ou menos como quem adormece para que o corpo esqueça o cansaço e renasça na manhã seguinte. E começar de novo sem voltar ao marco zero, mas a outro ponto de partida, a que se terá incorporado o aprendizado de 365 dias — e mesmo número de pequenas mortes e renascimentos.

Marcus Pestana*: 2022: riscos, ameaças e oportunidades

Chamem as cartomantes. Joguem os búzios. Tragam as cartas do Tarot. Ativem a Bola de Cristal. Consultem os videntes. Está aberta a temporada de previsões para 2022.

O mistério do fatiamento do tempo como alavanca para a renovação da esperança é um mistério que nos acompanha há séculos. Como se a vida inaugurada no dia primeiro de janeiro fosse radicalmente diferente.

Infelizmente, o Ano Novo descortina para o Brasil um cenário nada promissor. A economia brasileira não poderia entrar de maneira pior em 2022. Inflação em alta corroendo o poder de compra dos salários. Juros subindo, inibindo o crédito e determinando mais recessão. Credibilidade em relação à política fiscal entre o taco e o carpete após a implosão da âncora fiscal, o teto dos gastos, e a pulverização dos gastos orçamentários sem bases sólidas e a consagração do princípio do calote em relação aos precatórios.

O real excessivamente desvalorizado, encarecendo os preços dos importados e de produtos como os combustíveis, realimentando a inflação. O emprego revelando uma leve reação mas ainda com mais de 12 milhões de brasileiros desempregados, e outros tantos, subempregados e desalentados. A economia não deverá crescer. Isso depois das severas recessões de 2014, 2015,2016 e 2020. Reformas estruturais em ano eleitoral, chance zero. Vamos empurrar com a barriga os desafios inadiáveis mais uma vez.

O que pensa a mídia: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

2022 traz oportunidade de recomeço

O Globo

O Ano-Novo é época de pensar em resoluções, sonhar e planejar as metas para 2022, refletir sobre os acertos e erros de 2021, tecer novos planos. É também tempo de projetar o que faremos conjuntamente, como sociedade, o que queremos como nação.

Em 2022 comemoraremos o bicentenário da data em que Dom Pedro I, às margens plácidas do Ipiranga, proclamou a Independência do Brasil. Nestes dois séculos, forjamos um país que evitou o esfacelamento territorial, acabou com a escravidão, recebeu imigrantes de todos os cantos do mundo, tornou-se plural, viu nascer polos de excelência em diferentes áreas do saber e da economia, criou e expandiu sistemas de educação, saúde e previdência. A partir dos anos 1980, consolidou a democracia, derrotou a hiperinflação e ampliou a rede de proteção aos mais pobres.

Mesmo em momentos de extrema dificuldade, o Brasil tem conseguido demonstrar sua força e resiliência. A magnitude dos desafios enfrentados nos últimos dois anos foi gigantesca. Bem quando sofremos a pior crise sanitária em pelo menos um século, o comando do Palácio do Planalto é exercido por uma figura negacionista, incompetente e autoritária. Com a saúde, o meio ambiente, a democracia, o crescimento econômico e o bom senso sob intenso ataque, o Brasil mostrou que conta com instituições capazes de resistir aos avanços do autoritarismo.

O Supremo Tribunal Federal e o comando das Forças Armadas deram inúmeras demonstrações de que não permitirão que a democracia seja atropelada. O Tribunal Superior Eleitoral respondeu à altura à campanha difamatória contra as urnas eletrônicas e à tentativa de deslegitimar o processo eleitoral. Parcela importante da sociedade civil, da classe política e do empresariado se manifestou publicamente em defesa da democracia quando a situação exigiu.

Mais recentemente, o Banco Central demonstrou ter independência para cumprir seu mandato de controlar a alta dos preços, apesar das pressões do governo. A sociedade tem dado exemplo de força na defesa da Amazônia, alvo de destruição acelerada no atual governo. Por fim, o povo brasileiro disse “não” ao negacionismo e foi em massa aos postos de saúde se vacinar contra a Covid-19. Mais uma vez o brasileiro demonstrou ser melhor que seu governo.

Poesia | Ferreira Gullar: Ano Novo

Meia-noite. Fim 

de um ano, início 

de outro. Olho o céu: 

nenhum indício. 

 

Olho o céu: 

o abismo vence o 

olhar. O mesmo 

espantoso silêncio 

da Via-Láctea feito 

um ectoplasma 

sobre a minha cabeça 

nada ali indica 

que um ano novo começa. 

 

E não começa 

nem no céu nem no chão 

do planeta: 

começa no coração. 

 

Começa como a esperança 

de vida melhor 

que entre os astros 

não se escuta 

nem se vê 

nem pode haver: 

que isso é coisa de homem 

esse bicho 

estelar 

que sonha 

(e luta).