terça-feira, 11 de janeiro de 2022

Eliane Cantanhêde: A bem da verdade

O Estado de S. Paulo.

Após meses submersos, militares voltam à tona contra o negacionismo, a favor da verdade

Depois de um mergulho temerário no bolsonarismo, dos solavancos que levaram à demissão de toda a sua cúpula e dos vexames do general Eduardo Pazuello e seus coronéis na Saúde, as Forças Armadas submergiram e saíram do foco e do noticiário por um bom tempo. Voltam à tona agora afirmativas e sob aplausos de boa parte da opinião pública que andava ressabiada com os militares.

Não é trivial que na mesma semana um contra-almirante da Marinha reaja a acusações levianas do presidente e o Exército emita diretrizes em perfeita discordância com o que o presidente prega o tempo todo na pandemia. Até os militares estão perdendo a paciência com o capitão insubordinado Jair Bolsonaro.

A comparação é inevitável e leva a uma reflexão: o que se espera dos nossos militares? Agir com a sabujice do general da ativa Pazuello a favor do chefe e contra a saúde, ou com a altivez e responsabilidade do contraalmirante da reserva Antônio Barra Torres a favor da ciência?

Luiz Carlos Azedo: A tragédia do Capitólio é a alegoria de um desastre nacional

Correio Braziliense

O apagão de dados do SUS, que impossibilita uma avaliação precisa da propagação da variante ômicron da covid-19, não impede que as pessoas fiquem doentes

Muito usada por pensadores gregos, como Platão, autor da mais famosa delas, o Mito da Caverna, uma alegoria pode ter vários significados, que transcendem ao seu sentido literal. Representa uma coisa por meio da aparência de outra, uma metáfora ampliada. Com 10 pessoas mortas — todas já identificadas, a maioria da mesma família, ocupantes da lancha Jesus, atingida pelo desmoronamento de parte de uma das escarpas do grande cânion da represa de Furnas —, a tragédia do Capitólio (MG) é a alegoria de um desastre nacional anunciado.
Registrado por meio de vídeos e fotos de turistas que presenciaram a tragédia, o flagrante do acidente do Capitólio é chocante. Em circunstâncias normais, um passeio de lancha no local contrastaria fortemente com as imagens de desespero e dor de milhares de famílias desabrigadas pelas enchentes em diversas cidades mineiras, muitas das quais ainda submersas, repetindo o que ocorreu na Bahia há duas semanas. O que era para ser uma tarde de sábado magnífica se transformou na tragédia que comove o país, enquanto chuvas torrenciais castigam Minas Gerais.

Hélio Schwartsman: Homens e instituições

Folha de S. Paulo

Blindagem permitiu a diretor da Anvisa peitar Bolsonaro

Um país se faz com homens e instituições. Os primeiros sem as segundas são impotentes; as segundas sem os primeiros, idem. Prova-o a nota pública que o diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, assinou cobrando uma retratação do presidente Jair Bolsonaro por ter feito insinuações contra a agência.

Torres só pôde tomar essa atitude e continuar no cargo porque a Anvisa está legalmente blindada de interferências políticas. Seus diretores têm mandato fixo e só podem ser mandados embora antes do prazo se cometerem falta grave. Já tivemos casos de diretores de órgãos que peitaram Bolsonaro e suas sandices, mas perderam o posto. O mais notório talvez tenha sido o do físico Ricardo Galvão, que comandava o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), e rebateu acusações infundadas do presidente sobre os dados de desmatamento da Amazônia aferidos pelo órgão em 2019.

Cristina Serra: Militares, golpismo e oportunismo

Folha de S. Paulo

Não dá para considerar que Barra Torres e Bolsonaro estão em campos opostos

Alcançou grande repercussão a carta do diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, cobrando de Bolsonaro uma retratação diante de suspeitas infundadas a respeito de decisões da agência sobre vacinas. Barra Torres vem se afastando do presidente, mas daí a considerar que estão em campos opostos vai uma longa distância.

O comando da agência é uma posição estratégica para o agronegócio, esteio do atual governo. Pela Anvisa passam as análises de todos os agrotóxicos usados no Brasil. Vejamos o exemplo do paraquate, associado à incidência da doença de Parkinson em trabalhadores que o manipulam.

Alvaro Costa e Silva: De esparros e esbirros

Folha de S. Paulo

Governo Bolsonaro é o habitat perfeito para esses tipos

Em recente coluna, Ruy Castro tratou dos esbirros de Bolsonaro. Antes definiu a palavra, cujo uso tinha sido guardado numa cristaleira desde os tempos da ditadura Vargas, para que não houvesse confusão com espirro. Em seus muitos sinônimos, esbirro é um guarda-costas, um capanga, um jagunço, um quadrilheiro e, modernamente, seu significado pode definir milicianos de Rio das Pedras com conexões em Brasília.

Na explicação, Ruy lembrou que um esbirro é diferente de um esparro. Este é "aquele que dá um esbarro na vítima para o punguista bater-lhe a carteira". Segundo o dicionário Caldas Aulete, a expressão tem origem no lunfardo, o subsistema linguístico gerado no meio marginal de Buenos Aires que nos deu otário, mina, farra, fajuto, gatuno, bronca, calote, afanar, estrilar —todas assimiladas, via praça Mauá, pelos malandros do Rio.

Já usei aqui o termo esparro, mas com outra acepção: aquele que ocupa posição subalterna e é obrigado a cumprir ordens. Nas brincadeiras de garoto, quase um sinônimo de escravo. Dei como exemplo o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, que agiu para retardar a vacinação infantil agradando o chefe. O bom esparro obedece às cegas e ainda se esforça para puxar o saco, como fez Queiroga ao dizer que a primeira-dama Michelle Bolsonaro "é a mãe de todos os brasileiros".

Joel Pinheiro da Fonseca: A tentação dos cristãos brasileiros

Folha de S. Paulo

Igrejas prostram-se perante Bolsonaro para ocupar o poder

Na semana passada ocorreu a "Governe Conference", organizada pela Igreja Batista Lagoinha em Orlando, na Flórida. É raro ver uma instituição religiosa ser tão explicitamente instrumentalizada para um projeto político.

No evento, estavam presentes, entre outros, o ministro Fabio Faria e o jornalista foragido Allan dos Santos. A mensagem era clara: os cristãos têm que ocupar o poder e, no presente, isso significa apoiar Bolsonaro. Mas o que explica essa sede de poder justo num evento de igreja?

Afinal, ao contrário de líderes religiosos como Moisés ou Maomé, Jesus não fundou um Estado nem promulgou leis. Ele dizia que seu reino não era deste mundo. Segundo os evangelhos, ele foi acusado de fomentar a rebelião política, mas as acusações eram falsas.

Ademais, uma das três tentações a que o diabo submeteu Jesus foi justamente a do poder: "O diabo transportou [Jesus] a um monte muito alto; e mostrou-lhe todos os reinos do mundo, e a glória deles. E disse-lhe: 'Tudo isto te darei se, prostrado, me adorares'." Jesus, previsivelmente, recusou a proposta.

Carlos Andreazza: Taí, eu fiz tudo pra você gostar de mim

O Globo

O Congresso — o Congresso reformista (não era isso?) de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco — cortou mais de 50% da verba originalmente destinada ao Ministério da Economia no Orçamento de 2022. Cerca de R$ 2,5 bilhões. Nenhum outro sofreu perda de recursos maior.

Registre-se, para ilustrar o esculacho, que a dotação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) foi reduzida a menos da metade, o que, a permanecer, prejudicará o trabalho de acompanhamento do (próximo) meteoro dos precatórios; gestão cujas falhas no passado criariam as circunstâncias oportunistas à aprovação de uma PEC que, por meio da constitucionalização das pedaladas fiscais e de exceções à Lei de Responsabilidade Fiscal, destelhou o teto de gastos e desbastou terreno ao modelo de Orçamento sonhado por Bolsonaro e seus ciros nogueiras em ano de eleições, com fundão eleitoral recorde e orçamento secreto formalizado: corporativista e eleitoreiro.

Assim, temos o Orçamento de 22 — viabilizado pela instrumentalização da necessidade real de assistir os mais pobres — forjando as condições, sob o potencial apagão de órgãos como a PGFN, para novas PECs dos Precatórios. Seria piada, não fosse letal. Ou não estará a peste — de combate mais uma vez não priorizado — ainda entre nós?

O orçamento da Saúde — a persistir o arranjo do Parlamento — cairá acima de 30%.

Zuenir Ventura: A Anvisa contra-ataca

O Globo

Enquanto entidades da sociedade civil — e agora até o Exército — se mobilizam para combater a Covid-19, que acaba de atingir recordes de casos, o presidente Bolsonaro segue em pregação aberta contra a vacinação, inclusive a infantil, baseando-se em fake news, ao afirmar que a letalidade nessa faixa etária é “quase zero”, quando seu próprio Ministério da Saúde contabiliza 308 mortes de crianças brasileiras entre 5 e 11 anos desde o início da pandemia.

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) pediu que o Supremo Tribunal Federal (STF) proíba o presidente Jair Bolsonaro (PL) de fazer “campanha de desinformação” sobre a vacinação infantil contra a Covid-19. Em caso de descumprimento, solicitou a aplicação de multa diária de R$ 200 mil. O pedido foi enviado ao ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito das fake news. O presidente foi incluído no inquérito em agosto de 2021 por declarações contra o processo eleitoral.

Bolsonaro dá como exemplo orgulhoso de sua irresponsabilidade a negação de vacinar-se e a sua filha de 11 anos. Xinga os defensores da imunização de “tarados por vacina”, fingindo desconhecer que 39 países do mundo já adotam a iniciativa. Dá a entender que “sarados” são os que preferem o vírus. Ao contrário do que ensina a Sociedade Brasileira de Pediatria, que recomenda temer a doença, não o remédio. Enquanto isso, deputados do Centrão, incluindo os do PL, dizem meio a sério, meio de brincadeira, que o motivo de Bolsonaro pregar contra a vacinação em crianças é menos por ideologia e mais por economia orçamentária.

Maria Clara R. M. do Prado: Instabilidade persiste em 2022

Valor Econômico

O pior inimigo de Bolsonaro nas eleições será a inflação, que se junta às sandices relacionadas à pandemia

No limiar de 2022, dois anos depois da humanidade ter sido assolada pelo coronavírus, o horizonte econômico mundial permanece instável. A variante ômicron jogou um balde de água fria nas previsões que contavam com a continuidade do processo de recuperação visível ao longo do ano passado.

Muitos acreditavam que apesar do rápido ressurgimento da inflação, o equilíbrio entre oferta e demanda tenderia a ser gradualmente restabelecido, na medida em que caísse o nível de contaminação da covid-19. No meio do caminho, porém, surgiu uma pedra, algo imprevisível como tem sido a gangorra do ora melhor, ora pior, prevalecente desde que o virulento “inimigo” começou a espalhar-se por todos os cantos.

Ontem, em seu relatório mensal, o Purchasing Managers’ Index (PMI) - ou Índice de Compras dos Gerentes de empresas, em tradução livre - atribuiu à ômicron os problemas que ainda comprometem as projeções. O setor de serviços, cuja trajetória no ano passado registrou uma retomada acima do crescimento do setor manufatureiro, voltou a ser impactado pela rápida contaminação da nova variante.

Reforma trabalhista retirou direitos e gerou desemprego

Folha de S. Paulo

Michel Temer mostra desapego à verdade ao enumerar 'conquistas' das novas regras

No artigo "Reforma trabalhista é injustamente atacada" (9/1), publicado nesta FolhaMichel Temer afirma que "a campanha eleitoral não pode pautar-se pelo desapego à verdade". Parece-nos contraditória essa preocupação com a verdade em um artigo recheado de mentiras.

Em primeiro lugar, não é verdade que o projeto da reforma trabalhista resultou de um "intenso diálogo entre as forças produtivas da nação: empregados e empregadores". As centrais sindicais propuseram ao então ministro do Trabalho que fosse criada uma mesa de diálogo social tripartite para tratar da meia dúzia de propostas sobre negociação coletiva que o governo nos apresentava, o que, evidentemente, o governo não criou. Conversa não é diálogo social tripartite. Assim mesmo, fizemos propostas para o projeto que o Executivo encaminharia ao Congresso. Propostas que não foram incorporadas.

relator do projeto na Câmara, deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), usou a iniciativa do governo para produzir o projeto da mais ampla mudança trabalhista e sindical da legislação laboral. Mais de três centenas de mudanças, desconhecidas, foram aprovadas em poucos dias sem nenhum debate. A nova legislação traduziu na íntegra as propostas patronais.

Por isso, em segundo lugar, é uma grande mentira que nenhum direito trabalhista foi atingido. A reforma autorizou estender as jornadas e criou até contrato com jornada de zero hora sem salário (o intermitente); facilitou e incentivou a contratação com menos direitos; liberou o trabalho de mulheres grávidas em ambientes considerados insalubres; desobrigou o pagamento do piso ou salário mínimo na remuneração por produção; autorizou a homologação sem a assistência sindical, sendo que a maior parte das ações na Justiça são justamente questionando as verbas trabalhistas; eliminou a gratuidade da Justiça do Trabalho e obrigou o trabalhador, no caso de perda da ação, arcar com as custas do processo; determinou que acordos coletivos podem prevalecer sobre a legislação, determinou o fim da ultratividade das cláusulas de negociações coletivas; e alijou os sindicatos da proteção dos trabalhadores, entre outras medidas nefastas.

Nada disso foi apresentado ou tratado com os representantes sindicais. Pelo contrário: desde o advento da reforma, fazemos reiteradas denúncias contra ela. E não fomos apenas nós, sindicalistas, que nos indignamos com as descaradas distorções da reforma. Ela também foi, e continua sendo, muito criticada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e por entidades de classe.

O que pensa a mídia: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Chefe da Anvisa deu resposta precisa e certeira a Bolsonaro

O Globo

Foi, antes de tudo, precisa a resposta do presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres, às provocações do presidente Jair Bolsonaro a respeito da aprovação da vacina contra a Covid-19 para crianças entre 5 e 11 anos. Precisa e certeira diante da irresponsabilidade de Bolsonaro.

Em entrevista à TV Nova Nordeste na semana passada, em meio às imprecações ofensivas e desrespeitosas à dor alheia já costumeiras na fala presidencial, Bolsonaro insinuou haver interesses escusos na aprovação da vacinação infantil. “O que está por trás disso?”, perguntou. “Qual o interesse da Anvisa por trás disso aí? Qual o interesse daquelas pessoas taradas por vacina?”

Já é absolutamente inaceitável um presidente da República, movido tão somente pelo interesse de insuflar uma plateia fiel a seus despropósitos, desprezar o sofrimento das famílias que perderam suas crianças para a maior pandemia em mais de um século — no Brasil, a Covid-19 tem matado aproximadamente uma criança a cada dois dias. É ainda mais grave ele insinuar haver algum tipo de irregularidade ou interesse escuso da Anvisa sem exibir provas.

Qualquer um que acusa sem apresentar provas incorre no crime de calúnia, previsto no Código Penal. Se um gestor público toma conhecimento de provas de corrupção e não leva a denúncia adiante, aí incorre em prevaricação. Foi justamente esse o ponto destacado por Barra Torres na nota que emitiu em resposta a Bolsonaro. “Se o senhor dispõe de informações que levantem o menor indício de corrupção sobre este brasileiro, não perca tempo nem prevarique”, escreveu. “Determine imediata investigação policial sobre minha pessoa, aliás sobre qualquer um que trabalhe na Anvisa, que com orgulho tenho o privilégio de integrar. Agora, se o senhor não possui tais informações ou indícios, exerça a grandeza que seu cargo demanda e, pelo Deus que o senhor tanto cita, se retrate.”

Poesia | Carlos Drummond de Andrade: Não deixe que prendam Nara Leão

Poema escrito por Carlos Drummond de Andrade ao marechal Humberto Castelo Branco, chefe da ditadura militar no Brasil, em 1966, pedindo que o regime não prendesse a cantora Nara Leão. A irmã de Danuza Leão e musa da Bossa Nova dera entrevista para os jornais na qual fez críticas aos militares, autores do golpe de 1964, que mudou pela força o sistema político brasileiro. Temendo a prisão de Nara, o poeta fez esse primor de apelo:


Não deixe que prendam Nara Leão

“Meu honrado marechal
dirigente da nação,
venho fazer-lhe um apelo:
não prenda Nara Leão (…)
A menina disse coisas
de causar estremeção?
Pois a voz de uma garota
abala a Revolução?
Narinha quis separar
o civil do capitão?
Em nossa ordem social
lançar desagregação?
Será que ela tem na fala,
mais do que charme, canhão?
Ou pensam que, pelo nome,
em vez de Nara, é leão? (…)
Que disse a mocinha, enfim,
De inspirado pelo Cão?
Que é pela paz e amor
e contra a destruição?
Deu seu palpite em política,
favorável à eleição
de um bom paisano – isso é crime,
acaso, de alta traição?
E depois, se não há preso
político, na ocasião,
por que fazer da menina
uma única exceção? (…)
Nara é pássaro, sabia?
E nem adianta prisão
para a voz que, pelos ares,
espalha sua canção.
Meu ilustre marechal
dirigente da nação,
não deixe, nem de brinquedo,
que prendam Nara Leão.”