terça-feira, 18 de janeiro de 2022

Miguel Caballero*: Errado por linhas tortas

O Globo

As pesquisas de intenção de voto mostram que parte do eleitorado de Jair Bolsonaro mudou de ideia e não pretende repetir a escolha em 2022. Sempre que um bolsonarista arrependido justifica a mudança com o argumento de que não era possível prever, em 2018, como seria o governo, a oposição de esquerda reage com indignação. São imediatamente lembrados episódios em que o deputado Jair Bolsonaro já defendia teses incivilizadas ou preconceituosas e expunha seu desapreço pelas instituições e pela democracia.

Várias das piores facetas do governo eram previsíveis — e foram mesmo previstas por quem já se opunha ao presidente. Não se pode alegar surpresa com o incentivo ao desmatamento da Amazônia ou com o isolacionismo na política externa. Os ataques antidemocráticos e o desmonte do aparelho estatal em várias áreas também não podem ser tidos como inesperados.

Apesar da gravidade, não são esses traços autoritários que fazem o presidente entrar no ano eleitoral como uma espécie de “favorito à derrota”. Bolsonaro já estimulava e fazia vista grossa às queimadas, já carbonizava o filme da diplomacia brasileira e já ameaçava romper com o sistema democrático quando ainda estava fortemente competitivo para se reeleger. No fim de 2020, mesmo um ano depois de encampar o negacionismo e combater o isolamento que previne a Covid-19, seus índices de aprovação eram satisfatórios. Naquele dezembro, o Datafolha mostrava que 37% dos brasileiros consideravam o governo “ótimo ou bom”, ante 32% de “ruim ou péssimo”.

Carlos Andreazza: O ganha-ganha de Ciro Nogueira

O Globo

Li o artigo de Ciro Nogueira neste GLOBO. O ministro avisa — ameaça: “Na economia, haverá um dia seguinte!”. E pergunta: “Como será?”.

Será com ele no volante.

O texto é a exposição alegre e segura — com delírios metodicamente ministrados — de quem foi consagrado regente do Orçamento no ano eleitoral.

Como será?

O Orçamento de 2022, que já pilota, é a melhor resposta. Uma peça que, mesmo ante os mais de R$ 115 bilhões de espaço fiscal arrombado pela PEC dos Precatórios, mesmo com quase R$ 17 bilhões para emendas do relator, mesmo com possivelmente R$ 5,7 bilhões em fundo eleitoral, ainda assim — dada a sanha da galera — precisará cavar R$ 10 bilhões para recompor gastos obrigatórios propositalmente subestimados pelo Parlamento no seu arranjo. Será assim.

Assim: “Um governo que mais do que duplicou o valor do antigo Bolsa Família (...) Tudo isso sem pedaladas fiscais (...)”. Tudo isso como se a PEC dos Precatórios não tivesse constitucionalizado as pedaladas fiscais.

E a turma quer mais. Quer e terá. Como será?

Está aí, valendo, a consagração de Nogueira, a nova expressão do contrato entre liras e governo, também o novo encolhimento do já minúsculo Paulo Guedes: o Decreto 10.937, por meio do qual Bolsonaro lista delegações (para manejo dos recursos orçamentários) ao ministro da Economia, em seguida ao que condiciona, em movimento sem precedentes, “a prática dos atos à manifestação prévia favorável do ministro da Casa Civil”; que passou a ter controle, o pulo do gato, sobre mudanças solicitadas pelo Congresso no fluxo das emendas do relator — fachada ao exercício do orçamento secreto.

Nogueira é o senhor do Orçamento e vai distribuir. Como será? Está sendo. Bolsonaro já declarou que “hoje em dia estão todos ganhando”. E não se referia a nós, roídos pela inflação — os que ainda têm emprego e alguma grana para ser comida. Falava de deputados e senadores, os que o apoiam, “todos ganhando” dinheiros públicos para suas paróquias: “O Parlamento está muito bem atendido conosco”.

Luiz Carlos Azedo: Bolsonaro perdeu a guerra porque contrariou o bom senso

Correio Braziliense

Para 59% da população, sabotou a imunização. Esse resultado, obviamente, terá sérias consequências eleitorais; 81% são a favor da exigência do “passaporte de vacina” em locais fechados

No começo do século passado, por uma série de razões, houve uma grande revolta popular no Rio de Janeiro contra a vacinação da população. O episódio, porém, é um marco contra a ignorância e o negacionismo da ciência. Àquela época, a antiga capital era uma cidade insalubre, em péssimas condições de saúde pública, na qual proliferavam doenças contagiosas: tuberculose, peste bubônica, febre amarela, varíola, malária, tifo, cólera etc. O presidente Rodrigues Alves resolveu realizar uma série de reformas urbanas para melhorar as condições de vida da então capital, a cargo do engenheiro Pereira Passo, que alargou ruas e removeu cortiços, desalojando a população; o mais miserável. Diretor-geral de Saúde Pública desde 1903, o médico Oswaldo Cruz assumiu o cargo com a missão de implementar o saneamento público e erradicar a febre amarela, a peste bubônica e a varíola, principalmente.

Com essa intenção, em 1904, o governo propôs a obrigatoriedade da vacinação, lei aprovada em 31 de outubro, apesar dos protestos, inclusive um abaixo-assinado com 18 mil assinaturas, muito para aquela época. A lei exigia comprovantes de vacinação para realizar matrículas nas escolas, assim como para obtenção de empregos, viagens, hospedagens e casamentos. Previa multas para quem não se vacinasse. O povo se revoltou, estimulado pelos políticos de oposição. A confusão começou no Largo do São Francisco e se espalhou de Copacabana ao Engenho Novo, com quebra-quebras, tiros, barricadas. O saldo foi de 945 pessoas na Ilha de Cobras, 30 mortos, 110 feridos e 461 deportações para o estado do Acre. Historiadores avaliam que a política higienista e a forma autoritária como foi imposta a vacinação causaram a revolta, além do fato de que a vacinação de mulheres era vista como uma ameaça à honra machista.

Eliane Cantanhêde: Num mato sem cachorro

O Estado de S. Paulo.

Militares, evangélicos e o ‘capital’ pulam do barco de Bolsonaro, mas não caem no de Lula

As reações à coluna de domingo (“Ainda tem jeito?”) confirmam que o melhor do mundo para bolsonaristas e petistas é manter a polarização entre o continuísmo e a volta ao passado. Tudo que o presidente Jair Bolsonaro sonha é disputar com o ex-presidente Lula. Tudo o que Lula pretende é ter Bolsonaro como adversário. Nenhum dos dois quer ouvir falar em terceira via.

Sim, se a eleição fosse hoje, daria Lula no primeiro turno ou ele e Bolsonaro no segundo. O problema é que a eleição não é hoje e há milhões de brasileiros incomodados e se sentindo emparedados entre as duas soluções – o que também surgiu, claramente, nas reações à coluna.

Andrea Jubé: Breve manual político do velho pescador

Valor Econômico

Com Alckmin à espera, PT e PSB reúnem-se na quinta-feira

Publicado há 70 anos, “O velho e o mar” traz o duelo eletrizante entre Santiago, um velho pescador, e um peixe gigante, de mais de cinco metros, que o desafiou em uma aparente centelha de sorte, após uma maré de revezes. “A sorte é uma coisa que vem de muitas formas, e quem é que pode reconhecê-la?”, refletiu a certa altura o personagem de Ernest Hemingway (1899-1961).

Quem conhece a obra, sabe que após uma luta que se estendeu por tortuosos dois dias e duas noites, a história chegou ao fim sem vencedor ou vencido, a não ser por um remoto “triunfo interior” que alguns críticos atribuem ao pescador. “O homem não foi feito para a derrota. Um homem pode ser destruído, mas nunca derrotado”, ensinou Santiago, em outro trecho do romance.

O embate entre o velho e o peixe serve de metáfora ao duelo de forças que se desdobra nos bastidores entre PT e PSB. Do desfecho depende a possível indicação do ex-governador Geraldo Alckmin para a vaga de vice do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na chapa petista.

Alvaro Costa e Silva: Bolsonaro nos debates

Folha de S. Paulo

Ninguém acredita que ele vá, mas bastaria uma pergunta para derrotá-lo

Como na fábula do menino pastor e o lobo, o dia chegou. Pressionado pela surra que está levando nas pesquisas, Bolsonaro disse que pretende comparecer a todos os debates da campanha presidencial. Nem a seita acreditou.

Ainda mais agora que ele arranjou uma desculpa perfeita para se ausentar: comer camarões sem mastigar, engolindo-os com cabeça e tudo, baixar no hospital e, deitado na cama, tirar aquela foto já clássica, exibindo a sonda nasogástrica. 

Cada internação por dores na barriga ressuscita o atentado sofrido em 2018. Os bolsonaristas acreditam que o episódio, já virado pelo avesso do avesso pela Polícia Federal, ainda pode ter influência no eleitor de 2022. O chato da narrativa é a realidade: o candidato sobreviveu à facada e foi eleito, sendo obrigado a ocupar o cargo e a fingir que governa há mais de três anos.

Cristina Serra: A campanha do ódio em ação

Folha de S. Paulo

Táticas usadas na campanha de 2018 serão agora brincadeira de criança

Reportagem de Jamil Chade e Lucas Valença, no UOL, mostra tratativas do "gabinete do ódio" para adquirir tecnologias de espionagem israelense. Uma das empresas procuradas, que atende pelo sugestivo nome de DarkMatter (em português significa "matéria escura"), desenvolveu dispositivos que podem invadir computadores e celulares, mesmo com os aparelhos desligados.

Essas movimentações prenunciam que os mecanismos de disparo em massa de mentiras por aplicativo, largamente utilizados em 2018, serão brincadeira de criança perto do que estará, agora, ao alcance das quadrilhas que apoiam o chefe miliciano. Indicam também como a campanha de reeleição de Bolsonaro poderá atuar totalmente fora do radar do TSE, deixando os concorrentes a comer poeira e as instituições a enxugar gelo.

Hélio Schwartsman: Testes de Covid no buraco negro

Folha de S. Paulo

Para cada teste computado pelo sistema, quase um passou abaixo do radar

Pelo Datafolha, 42 milhões de brasileiros acima de 16 anos já tiveram Covid-19, com diagnóstico confirmado por um teste laboratorial. Pelos registros oficiosos, foram, em todas as faixas etárias, 23 milhões.

É uma diferença brutal, especialmente quando se considera que, no Brasil, apenas serviços credenciados puderam aplicar testes e eles têm a obrigação de informar as autoridades de todos os resultados. O número de casos "perdidos" deveria, portanto, ser muito baixo ou mesmo zero. O que se vê, porém, é que, para cada teste computado pelo sistema, quase um passou abaixo do radar.

Pedro Fernando Nery: O progresso vetado

O Estado de S. Paulo.

Metas para redução da pobreza já foram implementadas por democracias desenvolvidas

O Congresso aprovou no final do ano a criação de um regime de metas para a pobreza no Brasil. Inspirado no regime de metas de inflação, previa que o País deveria mirar a queda das taxas de pobreza e de extrema pobreza. Caso as metas fossem descumpridas, o governo apresentaria ao Congresso as razões para o descumprimento e que medidas deveriam ser tomadas para ajustar a rota. Bolsonaro vetou.

A proposta, originalmente do projeto de Lei de Responsabilidade Social, do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), foi incluída no projeto do Auxílio

Brasil pelo deputado Marcelo Aro (PP-MG). Previa ainda que o governo publicaria periodicamente um relatório sobre a evolução dessas taxas, as medidas que vem tomando, os riscos e o que poderia ser feito no âmbito do gasto público e do sistema tributário para melhorar.

Poderia ser um norte para as reformas e um escudo que o governo poderia usar contra variadas pressões sobre o Orçamento. Não previa nenhuma punição para os gestores nem qualquer aumento de gasto.

Mas Bolsonaro vetou. Disse que o novo regime “contraria o interesse público” e alega que aumentaria o gasto público total, simplesmente porque o governo teria de reduzir a pobreza (a um nível que ele próprio escolheria!).

O veto impressiona também porque quedas na pobreza são em boa parte causadas pelo crescimento econômico. O governo, assim, sinaliza não apenas não ter compromisso com a redução da pobreza (um objetivo expresso da Constituição) como não confiar no seu próprio taco em relação à evolução do PIB. Reforça, ademais, a imagem do Auxílio Brasil como um programa para outubro, não para o futuro.

Felipe Salto: Nada a comemorar no front fiscal

O Estado de S. Paulo.

A deterioração das expectativas de mercado resulta de uma política fiscal que implodiu o teto de gastos

Mansueto Almeida é um dos especialistas em contas públicas mais respeitados do País. Temos um livro juntos, publicado pela Editora Record, em 2016, que documenta parte dos problemas da política fiscal no período da contabilidade criativa (2008 a 2014). Neste artigo, faço um contraponto ou complementação a algumas das posições que ele defendeu em recente entrevista ao Estado.

Não houve uma melhora estrutural nas contas públicas, exceto pela aprovação da reforma da previdência. É importante destacar, sim, que as projeções mais pessimistas para a dívida pública foram frustradas, mas também é essencial compreender que o fator preponderante a explicar o nível mais baixo da dívida bruta no fim de 2021 foi a inflação. Quando algo “positivo” deriva de algo ruim, como a alta descontrolada dos preços, não há o que aplaudir.

A dívida é sempre calculada como proporção do Produto Interno Bruto (PIB), normalmente referenciada como “dívidapib”. A intenção é avaliar o passivo do governo ou do setor público como um todo, mas sempre em relação a alguma variável que mensure a geração de renda e riqueza do País, o desempenho econômico.

Dizer que a dívida estava em R$ 6,8 trilhões, em novembro passado, não revela muito sobre a solvência do Estado. Mas, avaliar esse estoque de dívida em relação ao PIB, comparando-o com o mesmo cálculo para um momento passado, ajuda a analisar se o endividamento está subindo em ritmo maior ou menor que o do PIB, isto é, da economia, que afeta diretamente a arrecadação do governo e sua capacidade de pagamento, portanto.

O que pensa a mídia: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Rio precisa de um novo plano de recuperação fiscal

O Globo

É do interesse de todos os brasileiros o debate em curso sobre a saúde fiscal do Estado do Rio. O Rio, como outros entes da Federação, está quebrado. A despesa é maior que a receita, e o estado depende da União para refinanciar sua dívida gigantesca. A decisão que deverá ser tomada em breve a respeito terá impacto não apenas no futuro das finanças fluminenses, mas também na de outros estados em situação semelhante. É fundamental o governo estadual ter metas que promovam um ajuste fiscal com credibilidade — e que seja transmitido ao país um recado de responsabilidade.

Com a intenção de reingressar no Regime de Recuperação Fiscal da União, o governo fluminense apresentou um plano de ajuste reprovado ontem pelo Tesouro Nacional. Diante do resultado já esperado, o Palácio Guanabara dá sinais de que levará o caso ao Supremo Tribunal Federal (STF). Se isso ocorrer, a decisão será acompanhada de perto pelo precedente que abrirá.

É fundamental reconhecer os avanços alcançados pela administração estadual nos últimos anos. Mas também é preciso que as autoridades fluminenses tenham a honestidade de reconhecer as muitas e sérias limitações do plano reprovado pelo Tesouro.

Entre os pontos positivos, o mais importante foi o esforço para controlar as despesas com pessoal. Revelou-se um sucesso a concessão da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae). Foi registrada uma significativa redução no estoque de restos a pagar, dando fôlego ao caixa do estado para manter atividades essenciais. Como vários outros estados, o Rio aumentou a contribuição previdenciária dos servidores.