sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

Fernando Gabeira: Programas de governo, ter ou não ter?

O Estado de S. Paulo.

Programas são importantes porque as ideias sobrevivem como um farol a distância, no meio de uma batalha naval

Começou pela economia, ainda que de forma tímida, um debate sobre o programa de governo para o Brasil. É apenas um momento iluminado, uma vez que as campanhas tendem a adotar um idioma emocional, no qual prevalece um jogo de torcidas.

Alguns analistas acham o programa algo muito secundário, uma vez que pouquíssimas pessoas se decidem confrontando, sistematicamente, ideias dos candidatos. Outros vão mais longe: de que adiantam programas, se os vencedores os esquecem e, às vezes, nem são cobrados por eles?

No entanto, antes que os ânimos se exaltem, é importante discutir os rumos do País. Nem que seja para nos situarmos ou mesmo para deixar em banho-maria algumas saídas que podem ser úteis, em caso de crise futura.

Começar pela economia é mais do que evidente. As ruas mostram gente sofrida e faminta, dados da Organização das Nações Unidas (ONU) indicam que não estamos bem diante de outros países, nosso crescimento é ridículo. Retomar a economia, reduzir o desemprego, combater a fome parecem ser ideias fortes nesta eleição de 2022. Elas dependem para seu êxito de outras variáveis.

Eliane Cantanhêde: Moro e um ‘partidão’

O Estado de S. Paulo.

União Brasil busca um candidato, Moro muda alvo, linguagem e estratégia

Praticamente todos os partidos, grandes, médios e até pequenos, têm candidatos à Presidência em outubro, seja para valer, seja para esquentar a cadeira até o baile de fato começar. Já o União Brasil, fusão de DEM e PSL, não lançou nenhum nome e passa a ser um “partidão” disputado na eleição. Mas nada a ver com o velho partidão, hein!

Com 81 deputados, os 52 do PSL e os 29 do DEM, o União Brasil tem a maior bancada da Câmara e R$ 1 bilhão de fundo eleitoral e partidário. Um dote e tanto para uma noiva indecisa que, neste momento, parece mirar Sérgio Moro, do Podemos.

Em terceiro lugar nas pesquisas, mas sem atingir dois dígitos, Moro é por enquanto candidato a ser a terceira via numa eleição polarizada entre o favorito Lula, do PT, e Jair Bolsonaro, do PL, que tem a vantagem de disputar a reeleição. E Moro fez uma guinada e tanto na campanha, no discurso e no alvo.

Luiz Carlos Azedo: Quem será o adversário principal para Lula? Moro ou Bolsonaro?

Correio Braziliense

Como lidera com folga, um “já ganhou” é inevitável na campanha do petista, principalmente quando sai uma pesquisa na qual poderia levar a disputa de roldão já no primeiro turno

Numa campanha eleitoral, quem está na frente e/ou logo atrás se atacam mutuamente. Isso não define para ambos, porém, quem é realmente o inimigo principal. Na corrida pelo voto, essa equação é um jogo no qual a intuição do candidato, às vezes, vale mais do que as pesquisas eleitorais de ocasião. Por isso, é muito cedo para saber se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva errou ao chamar de “canalha”, e para a briga, o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, responsável principal por sua condenação na Operação Lava-Jato. Terceiro colocado nas pesquisas, atrás do presidente Jair Bolsonaro, o ex-juiz não deixou por menos e partiu para cima de Lula no Twitter: “Canalha é quem roubou o povo brasileiro durante anos…”

Motivos não faltam para a atitude de Lula: (1) deixou-se levar pelo fígado, afinal passou 580 dias em preso em Curitiba depois de condenado pelo juiz; (2) resolveu confrontar Moro para testar sua reação e sondar a repercussão nas redes sociais; (3) já considera Bolsonaro uma carta fora do baralho e teme que Moro chegue ao segundo turno. Todas as alternativas podem ser verdadeiras.

Ex-assessor de imprensa de Lula, no seu Balaio, o jornalista Ricardo Kotscho tripudia dos que ficam dando palpites sobre a campanha de Lula, dentro da campanha e fora dela, inclusive na mídia: “À medida que se amplia a vantagem de Lula sobre os demais candidatos em todas as pesquisas, sinalizando para uma vitória já no primeiro turno, aumenta o número de assessores voluntários que querem dar palpites no rumo da sua campanha, apontando o que ele deve ou não fazer.”

Entram nesse balaio, segundo Kotscho: “Cientistas políticos tucanos, colunistas lavajatistas, economistas da Faria Lima, da Bolsa de Valores, da PUC, da USP e da Unicamp, dirigentes sem expressão e sem votos do PT, pregadores da Praça da Sé, motoristas de táxi, ex-BBB, comentaristas da GloboNews e até ilustres membros do Centrão e da Academia Brasileira de Letras, parece que todos, aliados e adversários, querem contribuir de alguma forma”.

Rogério Furquim Werneck: Lula, o PT e a economia

O Globo / O Estado de S. Paulo

Falta à candidatura do partido uma narrativa crível e aceitável do que se passou durante o governo Dilma Rousseff

A oito meses da disputa presidencial, pouco se sabe sobre as plataformas dos candidatos. Nas últimas semanas, a cúpula do PT tem dado sinais de inquietação com a necessidade de definir a política econômica que Lula afinal adotará, caso venha a ser eleito presidente. Mas o delineamento do programa econômico de Lula não promete ser fácil.

Para que possam articular um programa claro, crível e coerente, Lula e o PT terão de desenvolver, primeiro, uma narrativa minimamente realista sobre o que de fato ocorreu, ao longo dos mais de 13 anos em que o partido ocupou o Palácio do Planalto. As narrativas sem nenhuma aderência à realidade que têm vindo a público, tanto sobre economia como sobre corrupção, mais parecem castelos de cartas que, no calor da campanha presidencial, não resistiriam a um sopro.

Para Lula, seria bem mais confortável se, no que tange à economia, que sua campanha pudesse se basear somente nos dois mandatos em que ocupou a Presidência. E não faltou, nos últimos meses, quem tentasse insistir em narrativas fantasiosas nessa linha, cantando em prosa e verso o Brasil, de 2003 a 2010, como uma terra em que corriam rios de leite e mel.

Aos poucos, contudo, a cúpula do partido parece ter percebido que não havia como encerrar a narrativa sobre os governos petistas em 2010, deixando de fora o desastroso mandato e meio de Dilma Rousseff. É mais do que sabido que a ideia de alçar Dilma à Presidência foi um projeto exclusivo e pessoal de Lula que, face à tenaz oposição do PT, teve de ser enfiado pela goela abaixo do partido.

Thiago Bronzatto: O Centrão e a alma do negócio

O Globo

Em dezembro passado, dois caciques do Centrão tomavam um café na sede do PL, em Brasília. O assunto principal era o cenário eleitoral em 2022. Papo vai, papo vem, Valdemar Costa Neto, mandachuva da legenda, fez uma sugestão ao deputado Ricardo Barros, líder do governo na Câmara: tentar convencer Jair Bolsonaro a tomar a vacina. O parlamentar do PP, ex-ministro da Saúde, concordou e ainda disse que o presidente deveria moderar o discurso contra as medidas de isolamento social adotadas por governadores e prefeitos na pandemia.

Um mês depois, o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, fez a mesma constatação. O presidente licenciado do PP disse a um confidente que a resistência de Bolsonaro à vacina contra a Covid-19 tem influenciado sua rejeição nas pesquisas eleitorais, a maior entre os presidenciáveis. Hoje, quase 70% dos brasileiros estão imunizados. Segundo o Datafolha, a maioria da população acha que Bolsonaro atrapalha a vacinação infantil. No início do ano, em mais um de seus desatinos, o presidente disse desconhecer mortes de crianças por coronavírus. A realidade mostra que, a cada dois dias, a Covid-19 ceifou a vida de um brasileiro de 5 a 11 anos.

Bernardo Mello Franco: Lula e os rebeldes

O Globo

No início do primeiro mandato, Lula repreendeu os petistas que criticavam sua reforma da Previdência. “Reconheço o direito dos companheiros a falar as bobagens que quiserem. Mas, quando a decisão é tomada pela maioria, todos têm que cumprir”, avisou.

O embate terminou com a expulsão de quatro parlamentares que votaram contra a orientação partidária. Dezenove anos depois, o ex-presidente volta a enquadrar os rebeldes do PT. Desta vez, o motivo é a resistência à aliança com Geraldo Alckmin.

Um manifesto da esquerda petista critica a negociação de Lula com “forças reacionárias”. O texto chama o ex-tucano de “neoliberal” e “golpista”, lembrando seu apoio ao impeachment de Dilma Rousseff. “Alckmin tem uma longa trajetória de combate às posições nacionais, democráticas, populares e desenvolvimentistas”, diz o documento. Entre os signatários, há dois ex-presidentes do PT: José Genoino e Rui Falcão.

Os rebeldes têm seus motivos. Antes de Lula chegar ao Planalto, eles já se esgoelavam contra os governos de Alckmin em São Paulo. Opunham-se à truculência policial, ao fechamento de escolas, ao arrocho no funcionalismo.

Os petistas ainda são assombrados por um trauma recente. Dilma se elegeu com um vice conservador. Quando sua popularidade despencou, ele passou a conspirar para derrubá-la. A militância quer garantias de que Alckmin não será outro Michel Temer. Mas não há seguro-fidelidade na política: resta acreditar ou não no ex-rival.

Cristian Klein: PT, PSB e a árvore que cresce de cima a baixo

Valor Econômico

Reunião entre siglas tirou o bode na sala colocado por Lula

Para além da sinalização ao eleitorado e a setores conservadores, como o mercado, na disputa ao Planalto, a atração do ex-governador Geraldo Alckmin (sem partido) para ser vice na chapa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva já teve o primeiro resultado. A aproximação com o ex-tucano, que vinha liderando as pesquisas para voltar ao Palácio dos Bandeirantes, aplaina o terreno para o segundo maior objetivo do PT nas eleições deste ano: ganhar pela primeira vez o governo de São Paulo.

A candidatura do ex-prefeito Fernando Haddad, como deixou claro Lula, novamente, em entrevista na quarta-feira, é uma prioridade. Com Haddad liderando, sem Alckmin na jogada, mais um motivo para o partido redobrar a aposta na queda de braço da negociação com o PSB: remover o segundo obstáculo, a pré-candidatura do ex-governador Márcio França.

A reunião de ontem entre as cúpulas petista e pessebista foi menos tensa que a de um mês atrás. Em 20 de dezembro, Lula pôs o bode na sala ao lembrar que o PT tinha acabado de lançar o senador Humberto Costa como pré-candidato a governador em Pernambuco. Trata-se do Estado que é o coração do PSB, desde os tempos de Miguel Arraes e de seu herdeiro, Eduardo Campos, morto em acidente aéreo durante a campanha à Presidência de 2014.

José de Souza Martins*: A reforma trabalhista e as eleições

Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Lula não se propõe a revogar a reforma, como se depreende de tudo que tem sido publicado a respeito. Ele se propõe a revê-la, o que é muito diferente

Em artigo publicado na “Folha de S. Paulo”, o ex-presidente Michel Temer questiona a inclusão do tema de sua reforma trabalhista, de 2017, na pauta da campanha eleitoral de 2022. Inútil, porque esse será um tema obrigatório das oposições, o que forçará a direita a se explicar e a defender o talvez indefensável. O endereço da crítica é Lula e os partidos sociais.

Lula é um reconhecido especialista no tema da negociação nas relações de trabalho. Ele nasceu como nova liderança dos trabalhadores dos setores mais modernos de nossa indústria, críticos do peleguismo herdado do Estado Novo, desafiados pela visão do problema que tinha o capitalismo multinacionalizado dos anos 1970.

Tornou-se expressão do novo sindicalismo, liberto da tutela do Ministério do Trabalho. Lula conseguiu desenvolver uma estratégia de reivindicações laborais junto às empresas, que o preferiam à interferência do governo na definição de salários porque ele sabia o que era o trabalho e o valorizava. Sua estratégia foi também agregadora dos trabalhadores dos setores residuais da produção, com menos força negocial. Se alguém atuou para a modernização política das relações de trabalho no Brasil, foi Lula.

Naercio Menezes Filho*: Auxílio Brasil, pobreza e eleições

Valor Econômico

Auxílio de R$ 400 deverá diminuir a indigência com relação ao período antes da pandemia, mas não a pobreza, que deverá ser um pouco maior

O Auxílio Brasil foi aprovado pelo Congresso no final do ano passado. No início deste ano foi aprovada também a medida provisória fixando o valor mínimo da transferência em R$ 400 até o final de 2022.

Quais serão os efeitos do auxílio de R$ 400 sobre a indigência e a pobreza? Qual deveria ser o valor das transferências e a linha de pobreza para que um programa social tivesse o maior retorno possível para a sociedade? Será que o valor de R$ 400 aumentará as chances de reeleição de Bolsonaro?

A tabela abaixo apresenta algumas simulações sobre o que pode ocorrer com a pobreza e a indigência com o novo Auxílio Brasil, usando os dados da Pnad-Covid de novembro de 2020, a última com dados oficiais sobre a renda familiar dos brasileiros. Também comparamos a situação dos brasileiros com o novo auxílio com a que de fato ocorreu antes e durante a pandemia

Antes de apresentarmos os resultados, é importante distinguir entre a indigência (também chamada de pobreza extrema) e a pobreza. Indigência significa que a família não tem recursos nem mesmo para consumir as calorias necessárias para sua sobrevivência com saúde, ao passo que pobreza significa que ela não tem recursos para comprar as roupas, remédios, transporte e moradia necessários para uma vida minimamente decente.

Vinicius Torres Freire: Bolsonaro quer tumultuar combustíveis

Folha de S. Paulo

Ideia de zerar imposto é demagogia descarada ou tentativa de se fazer de vítima

Vamos supor que o Congresso aprove o mais recente capricho demagógico de Jair Bolsonaro e acabe com os impostos federais sobre a venda de combustíveis. Na melhor das hipóteses e "tudo mais constante", o preço da gasolina poderia cair uns 40 centavos. Dificilmente "tudo mais" vai ficar constante.

O preço pode ficar até mais salgado. Pode ser até que Bolsonaro ganhe uns pontinhos políticos sendo derrotado. Para alguns, talvez ficasse a imagem da vítima do sistema: "Não deixam o homem trabalhar".

Se o preço do barril do petróleo chegar à casa dos US$ 100 (está a US$ 88), os combustíveis ficarão ainda mais caros do que agora, mesmo sem imposto federal.

Não se sabe para o onde vai o dólar, que também define o preço de gasolina, diesel etc. Não se sabe quanto da redução de tributos vai desaparecer porque pode ser apropriada por empresas, sendo absorvida pelas margens das firmas envolvidas na cadeia de combustíveis.

Reinaldo Azevedo: Esquerda do PT fortalece Lula moderado

Folha de S. Paulo

Reaças não sabem nada sobre mal menor, mas têm tradição firmada no mal maior

Correntes do PT avessas a uma chapa Lula-Alckmin e potenciais aliados à esquerda cumprem o seu papel: criticam a eventual aliança, apontam as contradições tidas por inelutáveis, ressuscitam momentos em que os dois políticos estiveram em trincheiras opostas —inclusive na eleição de 2006— e pintam a composição com as tintas de uma conciliação inaceitável. A coisa chega a ter um lado pitoresco.

Ao longo da história, os setores mais à esquerda do partido sempre prestaram um serviço ao líder: cobraram dele a radicalização, de modo a lhe dar a oportunidade de fazer a escolha pela moderação. Não chega a ser um jogo combinado. Trata-se de acordos —ou desacordos— tácitos. Assim, a resistência ao ex-tucano não é um problema, mas um dado do jogo.

Alckmin será o vice de Lula? Não sei. Mas ou haverá esse sinal de que o ex-presidente pretende, se vitorioso, um governo além das fronteiras da esquerda, ou outro se fará necessário. O compromisso —que, parece-me, é público— já está anunciado. E, é evidente, pensando o que penso, avalio que um governo o mais amplo possível é uma solução, não um problema.

Bruno Boghossian: Briga pelo poder no bolsonaristão

Folha de S. Paulo

Não há espaço nas urnas em outubro para tantas facções de aliados do presidente

Abraham Weintraub, Ernesto Araújo e Ricardo Salles só ganharam cargos no governo porque eram peças políticas úteis para Jair Bolsonaro. O trio exerceu, com insensatez singular, o coronelato da guerra cultural lançada pelo presidente para sufocar adversários e ampliar seu poder.

Os três foram derrubados porque se tornaram ameaças a esse mesmo poder. A demissão de Weintraub foi uma oferta para acalmar o STF em investigações contra o grupo de Bolsonaro. Ernesto teve que ser removido para conter a antidiplomacia que causava prejuízos ao país, e Salles foi eliminado para abafar suspeitas de corrupção que cercavam o governo.

Hélio Schwartsman: Consensos devem ser questionados

Folha de S. Paulo

Ideia de que negros são inferiores já fizeram parte dos consensos sociais

Um desafio para qualquer sociedade que pretenda perdurar é encontrar o balanço entre mudança e estabilidade, entre a saudável contestação e o necessário consenso. A liberdade de expressão é a chave para isso. É ela que permite que as pessoas vão experimentando com ideias, isto é, que as coloquem sob escrutínio público para ver se de seu entrechoque afloram novos pontos de equilíbrio.

Sempre preciso, o colega Sérgio Rodrigues captura bem a origem do mal-estar provocado pelo texto de Antonio Risério: "Não é de hoje que me incomoda a postura sensacionalista de fabricar polêmicas contra consensos progressistas". Se seu objetivo, leitor, é vencer uma batalha cultural e tornar a recém-conquistada posição inexpugnável, deve mesmo gritar contra Risério.

Se seu compromisso —e nisso divirjo de Rodrigues— é com a transformação social de forma mais geral, então deve desejar que consensos em torno de ideias e valores sejam questionados com frequência.

O que pensa a mídia: Editoriais /Opiniões

EDITORIAIS

Comportamento do Telegram é um deboche das leis

O Globo

O aplicativo de mensagens Telegram traz um desafio para as autoridades eleitorais no combate à desinformação. Criado por russos, gerido por uma empresa com sede em Dubai, ele não impõe limite ao envio de mensagens, não tem políticas de moderação dignas do nome, nem representação jurídica ou endereço no Brasil. Pior: não se dá ao trabalho nem de responder às tentativas de notificação feitas pela Justiça Eleitoral brasileira desde 2018. Presente em 53% dos celulares brasileiros, o Telegram se comporta como se estivesse acima das leis. É um deboche.

Está, portanto, certo o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), quando levanta a possibilidade de suspensão ou proibição do uso do aplicativo no país. Se é verdade que isso representa uma restrição à liberdade dos usuários, vários outros aplicativos podem cumprir a mesma função, sobretudo o popular WhatsApp. E qualquer outro caminho poderia se revelar irresponsável. Corresponderia a dar sinal verde para que a desinformação influencie sem limite a campanha presidencial deste ano. Seria inaceitável.

Após o desastre das eleições de 2018, quando fake news foram compartilhadas sem controle e influenciaram milhões de eleitores, o TSE passou a dar mais atenção aos aplicativos de mensagens. O WhatsApp, o mais popular, mantém contato com as autoridades eleitorais e, nem sempre de forma satisfatória, tem ao menos procurado seguir as diretrizes cujo objetivo é limitar o uso dos aplicativos para a disseminação de conteúdos em massa e a desinformação.

Poesia | Carlos Pena Filho: A solidão e o seu desgaste

Frequentador da solidão, às vezes
Jogava ao ar um desespero ou outro,
Mas guardava os menores objetos
Onde a vida morava e o amor nascia.

Era uma carga enorme e sem sentido,
Um silêncio magoado e impermeável…
A solidão povoada de instrumentos,
Roubando espaço à andeja liberdade.

Mas, hoje, é outro que nem lembra aquele
Passeia pelos campos e os despreza
E porque sabe com certeza clara,

O princípio e o fim da coisa amada,
Guarda pouco da vida e o que retém
É só pelo impossível de eximir-se.

Flávia Oliveira: No país, ninguém como Elza

O Globo

Foi Exu o encarregado de andar de aldeia em aldeia para ouvir do povo todas as vivências possíveis. Ventura e drama. Vitória e derrota. Justiça e vilania. Saúde e doença. Vida e morte. Essas histórias foram dar nos relatos primordiais que se repetem na vida humana e se revelam na leitura oracular. “Para os iorubás antigos, nada é novidade, tudo o que acontece já teria acontecido antes”, escreveu Reginaldo Prandi em “Mitologia dos orixás”. Elza Soares foi a mulher brasileira que experimentou —e cantou — dissabores e delícias, todos eles. No país, ninguém como ela. Impossível imaginá-la ausente.

Elza partiu súbita e serenamente como cabe aos merecedores. Teve existência completa. Amou e sofreu e pariu e enterrou e bateu e apanhou e brigou e aproveitou e riu e chorou e ganhou e gastou e cresceu e envelheceu. Morreu aos 91 anos, 70 de carreira, na métrica temporal que pactuamos, porque nem a vida nem a obra de Elza cabem nesses intervalos. Ela própria nunca tratou da idade, definia-se atemporal. Tinha consciência de que sempre existiu, porque tudo o que passou não dá conta de uma encarnação. Elza Soares, Exu que é, pertence ao ontem, ao hoje, ao amanhã.

Foi içada a voz do milênio, no singular, mas era plural. Será lembrada por se fazer ecoar por dois milênios. Abriu caminho no século XX; atualíssima, adentrou o XXI. Menina ainda, avisou a Ary Barroso que vinha do Planeta Fome, o mesmo de Carolina Maria de Jesus em “Quarto de despejo” (1960) e de 19 milhões de brasileiros nestes tempos de pandemia e crises. Elza Soares da Conceição saiu da Vila Vintém, foi ungida em Água Santa, conquistou o Brasil. Foi amada, renegada e, por fim, idolatrada.