sábado, 22 de janeiro de 2022

Marco Aurélio Nogueira*: Dúvidas e esperança

O Estado de S. Paulo.

Apenas com uma democracia revigorada será possível pensar em um Estado que defina políticas estratégicas para o País

O ano novo veio à luz carregando um fardo de problemas para os brasileiros. Era de esperar.

A variante Ômicron da covid fez a pandemia repicar, embalada pelo réveillon e por sua própria ferocidade. Acredita-se que o pior pode ter passado, mas o que restou ainda é ameaçador. O recrudescimento viral é preocupante. Tocar a vida com menos medo e mais segurança, seja em que área for, parece ter se tornado uma das principais aspirações de 2022.

O repique pandêmico escancara a incapacidade do governo brasileiro de responder aos efeitos do vírus. Por tática ou burrice, o governo olha a pandemia com desdém. Alguma coisa acontece, porém, graças à pressão de prefeitos e governadores, da opinião pública, de agências e instituições estatais. A intenção governamental não é cuidar, mas tumultuar. Sua atuação é pilotada por um Marcelo Queiroga desprovido de autonomia, postura cívica e perfil público. Prolonga-se o desastre.

Some-se a isso a desorientação governamental em política econômica. Inflação, desemprego e baixa atividade produtiva combinam-se com a falta de critérios fiscais e tributários, com os ataques estapafúrdios ao teto de gastos e a distribuição de benesses a amigos e aliados. O cenário é preocupante pelos efeitos de curto prazo e para o que virá à frente: quanto mais tempo se perder, mais difícil será a retomada a partir de 2023, efeito bola de neve fácil de prever.

João Gabriel de Lima*: Cultura da retribuição

O Estado de S. Paulo.

Mentalidade do ‘giving back’ não era comum no Brasil, mas censo mostra mudança positiva

Uma anedota recorrente nas alamedas da Universidade Stanford, na Califórnia, conta que Bill Gates pagou caro para ter um concorrente de peso. No início dos anos 1990, o bilionário da Microsoft doou US$ 6 milhões para a construção do Gates Building, que hoje abriga a escola de Ciência da Computação do câmpus. Estudaram lá, entre outros, Sergey Brin e Larry Page – os dois bolsistas que, mais tarde, criariam o Google.

O episódio é ilustrativo de uma prática cultural americana: o “giving back”. Não se trata apenas de doar. Parte-se do pressuposto de que o sucesso de uma pessoa, ou empresa, não é um feito individual. Ele se deve a todo um ambiente social: a escola onde o empreendedor estudou – muitas vezes pública –, a comunidade onde ele prosperou, os investidores que confiaram nele. Daí o nome “giving back”. Mais que uma doação, trata-se de uma retribuição.

Adriana Fernandes: Bobos da corte


O Estado de S. Paulo.

O ano de 2022 começou marcado pela criatividade em desonerações e isenções tributárias

O céu é o limite para a farra de medidas eleitoreiras saídas do laboratório de ideias dos governistas em Brasília.

De forma despudorada, a mais nova receita recém-saída do forno é fazer uma zeragem dos impostos dos combustíveis e de energia para segurar na marra os preços e diminuir a inflação em 2022 – o ano de eleições.

Uma medida caríssima, temporária e que, é claro, não vai resolver o problema. Cálculos

de analistas do mercado apontam um potencial de renúncia de R$ 240 bilhões, caso os Estados também entrem nessa onda.

Mas o discurso de nove entre dez políticos que frequentam os gabinetes da Esplanada dos ministérios é o de que a arrecadação está bombando.

Dora Kramer: Parte e reparte

Revista Veja

Nem o céu será o limite enquanto a destinação de dinheiro para eleição for tarefa dos políticos

Quem parte e reparte fica sempre com a melhor parte, diz o velho ditado cuja carapuça serve à perfeição na cabeça dos políticos, detentores que são da prerrogativa de definir o montante de dinheiro público destinado a financiar as respectivas sobrevivências eleitorais.

Em breve falaremos da quantidade desses recursos, mas antes vamos abordar a qualidade do conceito segundo o qual cabe à população sustentar de modo integral entidades de direito privado (os partidos) que em tese não teriam a prerrogativa de receber pedaços do Orçamento da União. Nacos nem gordos nem magros, embora gordíssimos, no caso.

Além do ato com aroma de grossa inconstitucionalidade, a vergonhosa cena é acrescida pelo fato de a tarefa sobre a destinação das verbas estar nas mãos dos principais beneficiários do resultado. Se isso não configura grave conflito de interesses, difícil encontrar outra situação em que tal atrito entre vantagens e desvantagens poderia ser aplicado com tanta clareza.

Ricardo Rangel*: O ataque à melhor das ideias

Revista Veja

A demonização do liberalismo é prejudicial para o Brasil

O liberalismo, filosofia política criada na Inglaterra do século XVII, tem por base uma ideia simples: todos os seres humanos são livres e iguais. É uma ideia tão repetida que chega a ser banal. Mas não era nada banal naquela época, quando se acreditava que nobres eram melhores do que plebeus, ricos eram melhores do que pobres e homens eram melhores do que mulheres. Quando havia servidão na Europa e escravidão no resto do mundo.

A tese liberal implicava que qualquer um, até um servo da gleba, tinha o mesmo valor que o rei ou o papa — e, portanto, os mesmos direitos e deveres. Era uma tese subversiva, que fomentaria dezenas de revoluções — incluindo a independência americana, a Revolução Francesa (que criou a palavra “esquerda” para identificar a posição liberal) e a Inconfidência Mineira — e mudaria a face do mundo. Todos os países desenvolvidos hoje, sem exceção, são democracias liberais; a Constituição brasileira é liberal.

Marco Antonio Villa: O pesadelo está próximo do fim

Revista IstoÉ

Se Bolsonaro seguir na Presidência até outubro, o Brasil assistirá pela primeira vez a um candidato derrotado governando por mais um trimestre

O Brasil inicia o ano já pensando no próximo, ou seja, no novo presidente da República que assumirá a 1º de janeiro de 2023, isto após superar o pior pesadelo da nossa história, a presidência Jair Bolsonaro. Há um sentimento de alegria, de que as urnas, em outubro, vão possibilitar ao eleitor escolher o substituto daquele que conspirou — e ainda conspira — diuturnamente contra o Estado democrático de Direito.

Mas até o final feliz deste terrível drama, temos todo um ano a percorrer.

E, com a mais absoluta certeza, Bolsonaro não vai perder a oportunidade de buscar o conflito, o confronto, com os democratas, com os Poderes constituídos, com a Constituição de 1988. Para complicar este quadro temos a permanência da pandemia com efeitos ainda impossíveis de serem quantificados. E a contínua luta obscurantista de Bolsonaro contra a vacina e as recomendações sanitárias indispensáveis para enfrentar a Covid-19.

Demétrio Magnoli: Léxico da violência

Folha de S. Paulo

Os inventores dos sujeitos coletivos da História nomeiam inimigos igualmente abrangentes e difusos

Sentença 1: "O PT propõe revogar a reforma trabalhista conduzida pelo governo Temer". Sentença 2: "A classe trabalhadora exige a derrubada da reforma trabalhista imposta pela burguesia". A primeira menciona sujeitos específicos (PT, governo Temer). A segunda, que prefere indicar coletividades genéricas (classe trabalhadora, burguesia), pertence ao léxico da violência.

Quem é o "sujeito da História"? Segundo os marxistas, "a história de todas as sociedades até hoje existentes é a história da luta de classes". Inflada até o limite, a ideia produziu extermínios de classes sociais inteiras: o Holodomor, na Ucrânia, pelo regime soviético; a implantação das comunas populares, pelo regime maoísta; a ruralização da população urbana pelo regime de Pol Pot no Camboja.

Hélio Schwartsman: Todo poder aos especialistas

Folha de Paulo

Papel das agências reguladoras deve ser consolidado e até ampliado

Durante muito tempo, a esquerda bateu ponto contra as agências regulatórias e outras instituições cujas decisões têm uma dimensão política, mas são tomadas por um corpo técnico não eleito. O alvo principal era o Banco Central, mas o mau-humor se estendia a vários outros órgãos. Algumas das críticas eram e permanecem válidas. Um problema, a meu ver, é a promiscuidade entre reguladores e regulados. Não é incomum que o especialista que vai para a agência venha do mercado que ela tem a missão de supervisionar e a ele retorne passado seu período como controlador.

Espero que a passagem de Jair Bolsonaro pela Presidência faça a esquerda repensar sua avaliação. Um dos elementos que evitou que submergíssemos ainda mais fundo na lama da ignorância militante do presidente foi a ação de especialistas, em agências e também fora delas.

Cristina Serra: Sobre jornalismo e coragem

Folha de S. Paulo

Os 200 jornalistas da Folha ousaram botar o dedo na ferida

A carta aberta à direção desta Folha assinada por cerca de 200 jornalistas propõe um debate necessário e fecundo, que ultrapassa as fronteiras do jornalismo. É do interesse de toda a sociedade e da democracia. A carta-manifesto já nasce histórica, num ano decisivo para o futuro do país.

O documento deixa claro que a pluralidade e a defesa intransigente da liberdade de expressão —princípios com os quais os jornalistas concordam— não dispensam o jornal do compromisso com a verdade e com o respeito rigoroso aos fatos históricos.

A pluralidade não pode ser um princípio oco, que se preste a vários tipos de negacionismo. Tem que estar preenchida com a argamassa do discernimento, do espírito crítico, da ética e da honestidade intelectual, essenciais para o exercício do jornalismo.

Vilma Pinto: Investimentos Públicos


O Globo

A história das crises fiscais brasileiras mostra que estes funcionaram como uma das principais variáveis de ajuste fiscal

Este ano será extremamente difícil no campo econômico. O PIB deve ficar próximo de zero, a taxa de desemprego deve se manter em dois dígitos e os juros devem continuar a subir para conter a inflação resiliente. Diante desse cenário, os investimentos públicos podem desempenhar papel importante e trazer um alento para a atividade econômica.

A edição de outubro de 2020 do Monitor Fiscal do FMI trouxe uma extensa análise sobre a importância dos investimentos públicos neste contexto da pandemia. Para a instituição, “o aumento do investimento público nas economias avançadas e de mercados emergentes poderia ajudar a reanimar a atividade econômica após o mais agudo e profundo colapso da economia mundial na história contemporânea.” Assim, analisar os investimentos públicos é fundamental neste contexto de fragilidade.

O FMI também avaliou o caso especifico do Brasil, mas em 2018. Nesse estudo, o FMI constatou que o Brasil continua a enfrentar um enorme déficit de infraestruturas, apesar de décadas de iniciativas de investimento lideradas pelo governo nas esferas federal, regional e local. Mas eles também constataram que não basta aumentar o nível dos investimentos públicos. Também é preciso torná-los mais eficientes.

O diagnóstico não é muito animador. Nosso investimento público é inferior ao de nossos pares tanto em nível quanto em termos de eficiência. De acordo com a análise do FMI, entre 1995 e 2015, a média dos investimentos públicos do governo geral foi de 2% do PIB, enquanto que os países emergentes tiveram média de 6,4% do PIB.

Ascânio Seleme: Estava escrito nas estrelas

O Globo

Em se tratando de 2022, é bom não facilitar e ir coletando todas as dicas disponíveis no mercado

escritora e astróloga Marcia Mattos publica desde o ano 2000 o mais famoso anuário da astrologia brasileira, o Livro da Lua. Seus acertos são incontáveis e os erros quase todos justificáveis. Por isso, ela é ouvida por muita gente importante no Brasil. Claro que Marcia não fala sobre seus clientes, mas sabe-se que em anos bicudos como este, seus principais ouvintes são empresários e políticos abismados com o mar de incerteza que divisam no horizonte. Nesta semana, Marcia falou para um grupo de mais de 40 CEOs de grandes empresas nacionais reunidos pela Vistage Worldwide, uma organização especializada em “mentoria para executivos”. A palestra foi levada a sério pelos CEOs, que anotaram todas as suas previsões. Afinal, em se tratando de 2022, é bom não facilitar e ir coletando todas as dicas disponíveis no mercado.

Marcia não confirma a palestra, mas executivos presentes ao evento contam que ouviram dela a leitura dos mapas astrais do mundo e do Brasil. Já no primeiro minuto da palestra escutaram o que já sabiam, e os mapas confirmam, o mundo vai mal, mas o Brasil vai ainda pior. Segundo a astróloga, o país passa por “tensões planetárias particulares”. O fundo do poço, claro, foi em 2020, quando explodiu a pandemia de coronavírus. Para os que acham que é óbvio falar sobre o leite derramado, vale lembrar o que o mais famoso e importante astrólogo francês, Andre Barbeau, previu em 1987. Analisando astros e estrelas, Barbeau avisou que 2020 seria o pior ano do século XXI e que uma pandemia se espalharia pelo mundo matando milhões de pessoas.

Em 2021 se estabeleceu um platô na curva astral do planeta, que se apresenta visualmente como se fosse um gráfico da Bolsa. Depois da queda exponencial do ano anterior, houve certa estabilidade.

A boa notícia é que está chegando ao fim a fase dos extremos, da polarização, dos antagonismos desmedidos. Fase que não deu nenhuma chance ao centro, onde todos se sentiam obrigados a tomar uma posição contra ou a favor de alguma coisa. O esvaziamento do centro, segundo Marcia Mattos, ocorreu no mundo inteiro e, pela consulta dos mapas astrais, deve ser lido de maneira filosófica, mas também pode ser entendido politicamente. Ela explicou que o caminho do meio que se lê nos mapas é um conceito budista milenar, onde um indivíduo ou uma comunidade encontra total equilíbrio e controle sobre seus impulsos e comportamentos diários. Esta fase volta em 2023, disse Marcia aos atentos CEOs.

Carlos Alberto Sardenberg: Vacina obrigatória

O Globo

Saiu o que deve ser a primeira sentença no Brasil punindo um cidadão por desrespeitar as regras de isolamento.

O juiz Carlos Gustavo Urquiza Scarazzato, de Adamantina, interior de São Paulo, condenou um homem de 29 anos a pagar indenização de R$ 3 mil por dano moral coletivo.

Esse homem foi diagnosticado com Covid-19 em março de 2021 e recebeu a recomendação de permanecer isolado do dia 5 até 17 desse mês. Ele furou o isolamento — uma das vezes para ver uma partida de futebol — e foi flagrado pela Vigilância Epidemiológica. Primeiro, recebeu advertência, depois, continuando a sair de casa, e ainda sem máscara, a Vigilância lavrou auto de infração, e a polícia registrou Boletim de Ocorrência.

Daí, o Ministério Público estadual ajuizou ação civil pública. E, finalmente, a sentença, baseada na Lei 13.979, de 2020, que estabeleceu as medidas sanitárias para o combate à pandemia.

Pablo Ortellado: Suspensão do Telegram é inevitável

O Globo

O principal desafio para a regulação da campanha eleitoral é o que fazer com o Telegram. A empresa que opera o aplicativo — instalado em metade dos smartphones no Brasil — não tem representantes no país e não atende a determinações judiciais. Por isso, as obrigações e normas para as campanhas não seriam impostas a ele. O problema não é apenas brasileiro. A empresa também não responde a solicitações de governos europeus.

Com a migração de atores políticos para o Telegram e a aproximação da campanha no Brasil, é questão de tempo até que se evidencie a necessidade de suspendê-lo por descumprimento de suas obrigações legais. Haverá determinação política para suspender um aplicativo usado por milhões de brasileiros e meio de comunicação predileto do presidente da República?

O Telegram tem ampliado sua base de usuários desde 2021. Em janeiro daquele ano, seu principal concorrente, o WhatsApp, mudou a política de privacidade, e difundiu-se então o boato (infundado) de que passaria a compartilhar dados privados com o Facebook. No mesmo mês, após a invasão do Congresso americano, Trump foi banido do Twitter e do Facebook, e o Parler derrubado dos servidores da Amazon, gerando a busca por um aplicativo que não banisse o ativismo radical de direita.

Eduardo Affonso: Jornal, substantivo plural

O Globo

Existiu, até os anos 60, o Index Librorum Prohibitorum, lista das publicações que iam contra os preceitos da Igreja Católica — motivo por que eram “canceladas” pela Inquisição e seus sucessores no departamento de censura religiosa. Heresia, concupiscência ou o que quer que desafinasse o coro canônico estava condenado à fogueira ou, no melhor dos casos, a ser banido das estantes. Eventualmente, o autor era queimado com a obra, como no caso do Giordano Bruno.

Censura e intolerância nunca foram monopólio de uma religião ou de Estados totalitários. Mesmo nas democracias, arrumam um jeito de dar as caras. E onde menos se esperaria: nas universidades (centros de produção e difusão do conhecimento) e na imprensa (que vive não só da notícia, mas também da informação crítica, da manifestação do pensamento).

Marcus Pestana*: As relações de trabalho no século XXI

Nem sempre as cabeças acompanham a frenética velocidade das mudanças. É difícil seguir o vertiginoso processo de inovações. Inteligência artificial, robótica, engenharia genética, criptomoedas, física quântica, ciência da computação, comunicação 5G, energias limpas, internet. Ufa, há um novo mundo pela frente.

Diante de tamanho dinamismo, há várias opções: se trancar em casa dizendo “não tenho lugar neste mundo, me deixa no meu canto”; tentar acompanhar as mudanças em curso; se cercar de jovens inovadores e crescer no seu vácuo; ou, impor uma resistência conservadora (às vezes com verniz “progressista”) ao novo que se anuncia. A “vanguarda do atraso” não dá tréguas!

Esta percepção, renova a convicção de que o polo democrático não deve se alinhar à uma esquerda retrograda e anacrônica, que nada está entendendo sobre os desafios presentes e, diante de novos problemas, responde com velhas e surradas teses.

Digo isto à propósito das declarações de Lula sobre uma suposta “revogação” da reforma trabalhista. Para começo de conversa não há revogação. O que é possível é um novo governo do PT propor uma contra reforma.

O mundo do trabalho hoje exige flexibilidade, agilidade, descentralização, desburocratização, livre negociação. O marco regulatório das relações de trabalho, a CLT, datava de 1943. O mundo mudou, companheiros!

O que pensa a mídia: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Bolsonaro brinca com a Constituição

O Estado de S. Paulo.

Bolsonaro quer violentar a Constituição e sangrar ainda ainda mais as contas públicas para ganhar votos e constranger os governadores

A destruição dos pilares da Constituição certamente é um dos objetivos do eterno candidato à Presidência Jair Bolsonaro. Há três anos, o País espera que ele assuma as funções de quem chega ao mais alto posto da República e comece, de fato, a governar. O capitão da reserva, porém, insiste em atuar como um vereador que chegou ao cargo por acidente e quer se manter nele a qualquer custo. O preço dos combustíveis, que afeta a maioria dos eleitores, é uma de suas obsessões. Para reduzi-lo à força, a despeito do comprovado fracasso de tentativas anteriores, a ideia genial mais recente é mexer na Constituição. A apoiadores nas redes sociais, Bolsonaro anunciou que negocia com o Congresso zerar as alíquotas de PIS e Cofins sobre gasolina, diesel, etanol e energia para dar um “alívio” aos consumidores.

O custo dessa medida eleitoreira seria de ao menos R$ 57 bilhões para os cofres públicos, quase o dobro dos R$ 30,1 bilhões destinados ao Fundo Nacional da Educação Básica (Fundeb), valor que a União enviará a Estados e municípios neste ano para financiar a educação. A redução no preço dos combustíveis seria pífia, de menos de R$ 0,20 por litro. Na conta de luz, os tributos federais não chegam a 5% na fatura. Um presidente sério e comprometido com o governo jamais cogitaria abrir mão de uma arrecadação desse vulto para conceder um benefício de centavos à população. Mas esse cálculo jamais entrará na planilha de Bolsonaro, na qual a única conta que importa é a dos votos na urna.

Mudar as alíquotas de tributos federais é algo perfeitamente possível de ser feito por lei ou, em alguns casos, decreto. Mas há uma condição: é preciso elevar algum outro imposto para compensar a perda de arrecadação decorrente desse tipo de medida. Esse talvez seja o principal pilar da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), cujo descumprimento implica crime de responsabilidade e, no limite, pode resultar até em impeachment. Isso não representa um empecilho ao modus operandi bolsonarista. Basta driblar a lei inventando uma proposta de emenda à Constituição (PEC). Técnicos da área econômica seriam contrários à ideia, mas, segundo o Estadão, o claudicante ministro da Economia, Paulo Guedes, já deu sinais de que não será um obstáculo, desde que o prometido reajuste dos servidores seja cancelado e o fundo de amortização de preços dos combustíveis não seja criado. É provável que o desmoralizado Guedes perca nos três casos.

Poesia | Thiago de Mello: Faz escuro mas eu canto

Faz escuro mas eu canto,
porque a manhã vai chegar.
Vem ver comigo, companheiro,
a cor do mundo mudar.
Vale a pena não dormir para esperar
a cor do mundo mudar.
Já é madrugada,
vem o sol, quero alegria,
que é para esquecer o que eu sofria.
Quem sofre fica acordado
defendendo o coração.
Vamos juntos, multidão,
trabalhar pela alegria,
amanhã é um novo dia.