sábado, 5 de fevereiro de 2022

Marco Antonio Villa: Bolsonaro é um zumbi político

Revista IstoÉ

O desafio aos democratas será manter o nível da campanha eleitoral sem cair nas inevitáveis provocações dos bolsonaristas

Vivemos uma situação política anômala: o candidato à reeleição ao Palácio do Planalto já está derrotado meses antes do pleito. É um cadáver político que perambula pelo País falando para ninguém ouvir. Isto é positivo, pois significa que o Brasil evoluiu e busca agora uma solução política racional para uma grave crise. Mas, por outro lado, deixa Jair Bolsonaro livre para agir contra as instituições, uma ação desesperada, de derrotado, que teme o final de mandato e a possibilidade, a cada dia mais real, da prisão.

O eleitor gostaria de antecipar o pleito. Vai ser uma agonia aguardar o dia 2 de outubro. Isso porque já se sabe – e desde o ano passado – que não há governo. O Palácio do Planalto encaminha as tarefas administrativas rotineiras, mas não consegue desenhar sequer o que fará na semana seguinte. Não há planos ou projetos para 2022. Os atos são decididos e encaminhados de forma improvisada, repetindo a “ação legislativa” de Bolsonaro em trinta anos de vida parlamentar. A aproximação com o “big center” é uma ação desesperada e não produto de um fabuloso cálculo político. 

Ricardo Rangel: Lula no primeiro turno?

Revista Veja

Para conseguir governar, o petista terá de anular bolsonaristas

Mandetta se inviabilizou rápido. Eduardo Leite tropeçou na prévia do PSDB. Doria está sendo abandonado pelo próprio partido. Ciro até hoje não encontrou seu caminho. Moro, após uma largada forte, estacionou. Simone Tebet é vista por alguns com esperança, mas é desconhecida do eleitorado e não une o próprio partido, o MDB, cuja parcela nordestina está com Lula.

Os meses passam e a terceira via não desencanta.

Lula tem lugar garantido no segundo turno e Bolsonaro, com 20% cristalizados, não sofre ameaça. Os petistas preveem vitória no primeiro turno, mas isso não aconteceu nem quando Lula estava no auge da popularidade, é improvável que aconteça agora. Se o cenário não mudar radicalmente, o petista deve vencer — mas só no segundo turno.

Ganhar eleição, porém, é muito mais fácil do que governar, e governar o Brasil entre 2023 e 2026 será mais difícil para Lula do que jamais foi. Fernando Henrique legou ao PT um país arrumado e o PSDB ofereceu uma oposição sem dentes; a herança de Bolsonaro será — esta, sim — maldita: crise econômica e fiscal, com dólar, inflação, juro e desemprego nas alturas.

Demétrio Magnoli: Lula, uma aula de realpolitik

Folha de S. Paulo

O petista sempre foi, para o bem ou o mal, o mais convicto dos políticos realistas

Realpolitik, termo de origem alemã, designa a política realista, fundada nos interesses objetivos e nas circunstâncias concretas, não em ideais ou princípios abstratos. Lula sempre foi, para o bem ou o mal, o mais convicto dos políticos realistas. Sua pré-campanha forma uma aula de realpolitik. Não vai aí uma crítica: de fato, pelo contrário, no atual cenário, seus gestos iniciais são monumentos à política democrática.

"Golpista neoliberal" –assim, o manifesto furibundo firmado por antigos figurões petistas como Rui Falcão e José Genoino descreveu Alckmin, numa tentativa de implodir a chapa dos sonhos de Lula. O ex-presidente rebateu, ignorando olimpicamente as acusações ideológicas ("tenho confiança no Alckmin") e prometendo que o vice estará "em todo lugar junto do presidente" pois "faz parte da governança do país". Na política realista, inexiste lugar para a figura proverbial do "inimigo do povo". Por isso, Lula não abomina amplas alianças, inclusive com adversários de ontem.

Hélio Schwartsman: Bloquear o Telegram é boa ideia?

Folha de S. Paulo

Não é bom ter ferramentas de comunicação sem controle das autoridades?

O Brasil deve bloquear o Telegram? É tentador enamorar-se dessa tese, considerando que o aplicativo se recusa até a conversar com a Justiça Eleitoral sobre medidas para reduzir as fake news, que parecem beneficiar desproporcionalmente a extrema direita. Mas a pergunta mais relevante talvez seja outra. É bom ou mau que existam ferramentas de comunicação interpessoal que não estejam sob controle das autoridades de um país?

A resposta é contextual. A maioria de nós corretamente torce o nariz para mentiras deslavadas, em especial quando se acredita que elas podem influir no resultado de eleições. A maioria de nós, contudo, também aplaudiu os jovens que foram às praças para tentar derrubar ditaduras durante a Primavera Árabe, o que só foi possível porque os governos locais não tinham controle sobre as comunicações na internet. A Primavera Árabe se revelou depois um fiasco, mas isso não altera a tese de que há situações em que é bom que a rede seja um território avesso a controles.

Cristina Serra: Rio, 40 graus de barbárie

Folha de S. Paulo

Moïse é a terceira pessoa morta por espancamento em um mês na orla da Barra

O bárbaro assassinato de Moïse Kabagambe faz a ponte entre dois fracassos civilizacionais. Aperta o nó entre Brasil e Congo, enredados há séculos na violência escravista que moldou os dois países. Atualiza a encruzilhada em que a selvageria se impõe e a humanidade se esvai no precipício.

Moïse e sua família fugiram da guerra e da fome, mas depositaram suas esperanças na cidade errada. No Rio de Janeiro, a bestialidade se alastra como metástase, por fora e por dentro do aparelho de Estado. Indícios apontam o envolvimento de milicianos e seus bate-paus no suplício do refugiado congolês.

Na sua gênese, essas máfias impunham a lei do mais forte em lugares esquecidos, inclusive (ou principalmente) pelas autoridades. O tumor foi cevado, as células cancerígenas se desprenderam do foco original e chegaram às areias do cartão postal. Já se nota um padrão: Moïse é a terceira pessoa morta por espancamento em menos de um mês na orla da Barra da Tijuca.

João Gabriel de Lima*: Portugal e o voto no bom senso

O Estado de S. Paulo

Portugueses deram maioria absoluta ao bom senso. Eis uma reflexão útil para os brasileiros

Democracia, responsabilidade fiscal, inclusão social. Esses são os três consensos da política brasileira de acordo com o livro Brazil In Transition. Seus autores, os cientistas políticos Carlos Pereira (colunista do Estadão) e Marcus Melo, e os economistas Lee Alston e Bernardo Muller, defendem que tais crenças resultam, em certa medida, de traumas nacionais: a ditadura, a inflação e a histórica iniquidade social.

A pesquisa acadêmica que deu origem a Brazil in Transition foi feita em 2013 e 2014. De lá para cá, perdemos o pilar da responsabilidade fiscal no governo Dilma Rousseff. Com Jair Bolsonaro, voltamos ao mapa da fome por “persistente precarização das políticas sociais”, como observou o Estadão em editorial nesta semana. O negacionismo cobrou uma conta de milhares de mortes na pandemia – e, no caminho, fustigaram-se as instituições democráticas.

A tríade “democracia, responsabilidade fiscal e inclusão social” é mais que um consenso brasileiro. Vale para qualquer país, e nada mais é que a expressão do bom senso. Todo governo eleito deveria ser, por definição, favorável à democracia. Cuidado com as contas públicas é obrigação do bom governante. E líderes são escolhidos, antes de qualquer outra coisa, para garantir condições mínimas de cidadania à população.

Miguel Reale Júnior*: Joguete com o Supremo

O Estado de S. Paulo

A Bolsonaro não interessa mais ser cordato - precisa satisfazer sua trupe, indo novamente ao confronto

Em meados do ano passado, o presidente Bolsonaro atacou duramente as urnas eletrônicas, reiterando acusações vazias de fraudes em 2014 e 2018.

Na campanha para minar a confiança nas eleições, o presidente da República, em 29 de julho, fez transmissão ao vivo, pelo Youtube e Facebook, tendo ao lado coronel da reserva, lotado na Casa Civil, a explicar ter ficado comprovada a fraude na eleição de Dilma contra Aécio. Fantasiosa, contudo, era essa suspeita de fraude, conforme demonstrou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que representou em 2 de agosto ao ministro Alexandre de Moraes, relator no Supremo do Inquérito 4.781/DF, referente à fake news, para ser apurada possível conduta criminosa do presidente da República, ao divulgar inverdades sobre a insegurança do voto eletrônico.

Ascânio Seleme: Todos querem Lula

O Globo

Há claros indícios de que a opção é manter Bolsonaro para que ele enfrente e seja derrotado pelo petista em outubro

Cada vez mais, grandes e distintos contingentes da sociedade brasileira parecem ter optado por Lula em 2023. Até dois meses atrás, ainda se ouvia aplausos a Bolsonaro em escritórios e auditórios da Faria Lima, em São Paulo. Antes do ano passado terminar, era possível identificar apoios sinceros ao presidente em alguns nichos do agronegócio mais moderno. No Congresso, os suportes ideológicos que obteve foram estridentes até o sete de setembro. Mesmo no Judiciário, Bolsonaro contou com alguns simpatizantes declarados. Hoje, iniciado o ano eleitoral, o silêncio é dominante. Mais do que isto, há claros indícios de que a opção é manter Bolsonaro no páreo para que a vitória seja de Lula.

A blindagem em torno de Bolsonaro nos tribunais superiores e mesmo no Congresso é o mais evidente sinal de que preservar o mandato do presidente significa ajudar a consolidar a candidatura de Lula. Explico. Entre os parlamentares, todos sabem muito bem como é fácil e vantajoso trabalhar com Lula. O ex-presidente sabe dividir poder e compartilhar responsabilidades. Com Bolsonaro foi um parto. Ele só cedeu quando a casa já estava caindo. E, mais, o presidente não é confiável. Nunca foi, e os parlamentares que conviveram com ele por 30 anos sabem disso. Se fosse reeleito, poderia facilmente trair sua base. Para o Congresso, Ciro mete medo, Moro é uma incógnita e a terceira via não existe. Por isso, o melhor mesmo e o viável é Lula.

Pablo Ortellado: A cidade que vive nas ruas

O Globo

Quem caminha pela região central de São Paulo certamente já notou. Aumentou enormemente a população de rua na cidade. O novo Censo da População em Situação de Rua tenta medir o tamanho do problema: são 32 mil pessoas que o desemprego e a falta de moradia empurraram para as calçadas. O número é o dobro daquele que havia em 2015, no início da crise econômica, e é considerado subestimado por organizações sociais que atendem a esse público.

É vergonhoso que tenhamos tanta gente na rua. E, como não se via há muito tempo, temos agora famílias inteiras, com crianças. Vinte e oito por cento dos moradores de rua de São Paulo estão com a família, e há quase mil crianças e adolescentes na rua.

Eduardo Affonso: O poder da descrença

O Globo

Em ano eleitoral, os candidatos esperam que o eleitor se comporte como se estivesse diante da televisão na hora da novela; no teatro esperando abrirem-se as cortinas; no cinema, serem apagadas as luzes —e então se dê o milagre da suspensão voluntária da descrença.

Poderiam avisar, como Orson Welles em “Verdades e mentiras”, que o que vem a seguir é sobre trapaça, fraude e mentiras, mas que o filme, em si, é baseado em fatos sólidos. Seria pelo menos meia verdade.

Suspendemos a descrença para mergulhar, sem amarras, na arte. Para nos iludir com a perspectiva e aceitar a terceira dimensão numa tela plana. Ver o personagem por trás da máscara do ator, admitir que o tempo passe noutro ritmo, que uma sugestão no palco se torne um cenário completo. Para deixar que palavras escritas se transfigurem em personagens não só de carne e osso, mas com mais alma que a maioria de nós.

É preciso descrer das evidências para transcender e penetrar no mundo superiormente interessante da arte.

Thales Machado*: Copa bienal contra a crise

O Globo

"Mas hoje tem jogo da seleção?". Mesmo quem acompanha o futebol com mais atenção já se surpreende quando há uma nova partida do Brasil. Com exceção da Copa do Mundo, o desinteresse pelos jogos dos pentacampeões mundiais é flagrante. E claro, do 7 a 1 à falta de identificação dos jogadores com o país, os motivos internos são muitos, mas o problema não é só da CBF. Alavancador de paixões na nossa infância (ao menos dos que têm mais de 30), o futebol de seleções está em crise. E a solução para isso talvez esteja na agridoce proposta da Fifa para tornar a Copa do Mundo bienal.

Agridoce porque há interesses econômicos e políticos por trás. Mas é também um projeto esportivo que merece atenção. E é preciso admitir que o atual modelo faliu.

Pense no Brasil. Hoje, a seleção treina pouco, joga muito e chama pouca atenção para seu potencial. De 2021 até 2024, é possível que dispute 60 partidas. Dessas, em apenas sete (caso chegue à final), todas na Copa do Qatar, Tite comandará uma equipe em jogos que despertam interesse nacional. Outras 32 serão oficiais (Copa América e Eliminatórias), mas sem apelo. E uma grande fatia, 21, será de amistosos que não valem nada.

Dora Kramer: Linha torta

Revista Veja

Quando a celebração da igualdade interdita o debate, o risco é o flerte com a censura ‘do bem’

Chico Buarque tem todo o direito de cantar ou não cantar o que bem entender. Jornalistas têm pleno direito de discordar de artigos publicados nos veículos onde trabalham. Assim como é assegurada aos cidadãos residentes em países democráticos a prerrogativa de se manifestar livremente dentro dos preceitos legais e é, também, dever de todos fazê-lo na obediência da civilidade. Afinal, como bem registra o título do espetacular documentário (Globoplay) sobre Nara Leão, o canto é livre. Ou deveria ser. Da série nasceu a polêmica da vez porque em um dos episódios Chico Buarque declara que não cantará mais Com Açúcar, com Afeto para “não desagradar às feministas” que repudiariam o (suposto) caráter machista da canção composta em 1967 a pedido de Nara.

Marcus Pestana*: Um pouco de açúcar e afeto no “politicamente correto”

Andei falando aqui sobre a liberdade e seus limites, as tensões entre liberdade individual e coletiva e a institucionalização da vida social, da democracia e da civilização como fator limitador inevitável da noção de liberdade individual absoluta.

Mas em um segmento específico da vida social sempre tive um olhar anarquista, no exato sentido da ausência do Estado: na cultura e nas artes. Sempre cultivei um olhar de que nas manifestações artísticas deveria prevalecer a liberdade absoluta, radical, ilimitada, sem restrições e intervenções estatais.

Só assim poderiam florescer a diversidade e a riqueza cultural. Do rigor de um João Cabral de Melo Neto ao experimentalismo da poesia concreta dos irmãos Campos. Do realismo social de Bertolt Brecht ao teatro de absurdo de Arrabal, Ionesco e Beckett. Do vanguardismo russo de Serguei Eisenstein à genialidade de Felini e Glauber Rocha. Da riqueza melódica da música clássica às inovações de Hermeto, ao minimalismo de Philip Glass, passando pelos Beatles, o rock e o samba. Da perfeição anatômica das esculturas de Michelangelo e Rodin às abstrações de Amilcar de Castro, Tunga ou Hélio Oiticica. Da precisão da Monalisa de Leonardo da Vinci às aventuras estéticas Van Gogh, Picasso, Dali ou Pollock.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

TCU deve priorizar caso da Eletrobras

O Globo

É urgente o Tribunal de Contas da União (TCU) esclarecer se existe erro metodológico nos estudos técnicos referentes à privatização da Eletrobras. Caso eventuais falhas tenham sido cometidas, devem ser logo apontadas para que sejam corrigidas sem atraso. Se não há erro, que o leilão da privatização siga em frente.

Em 2016, o Brasil tinha 48 empresas federais sob controle direto da União. Passados cinco anos, nada mudou, segundo pesquisa do economista Cláudio Frischtak. Levando-se em conta a venda de subsidiárias de holdings estatais, a situação avançou, mas o processo de desestatização continua longe do ritmo necessário. Não há mais tempo a perder.

Na última sessão do TCU em 2021, o ministro Aroldo Cedraz, relator do caso da Eletrobras, apresentou ressalvas à venda. Na mesma ocasião, o ministro Vital do Rêgo fez solicitação para examinar melhor o caso, adiando assim a votação. De acordo com reportagem do jornal Valor Econômico, Vital teria identificado uma falha relacionada à potência de usinas hidrelétricas, o que resultaria em uma subavaliação do valor da outorga a ser paga pelos vencedores do leilão.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade: Quadrilha

João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili,
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.