segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

Fernando Gabeira: A Matrix bolsonarista

O Globo

Às vezes, acho que estou preso numa Matrix bolsonarista. Matrix é o nome de um filme muito discutido no mundo. O personagem Neo (Keanu Reeves) descobre que vive num mundo de sonhos. Seu corpo físico está dentro de um casulo, ao lado de outros casulos nos quais as pessoas sonham sua existência. Elas foram colocadas nesses casulos por senhores robôs, para que tenham vidas de sonhos e se sintam em paz.

O governo Bolsonaro transcorreu, em sua maior parte, durante a pandemia, que limita nossos movimentos, reduz contatos físicos e, com seus ataques intermitentes, impede o planejamento do trabalho.

Em vez de sonhos, quase todos os dias Bolsonaro nos oferece algo muito errado para que possamos exercitar nosso bom senso. Ele posta pornografia e pergunta o que é golden shower, ele imita pessoas morrendo de falta de ar, combate vacinas, insulta jovens repórteres, aparece emporcalhado de farinha e anuncia que arrotou — enfim, é um repertório inesgotável para que possamos ter algo a condenar, expressando um pouco de sensatez, antes que caia a noite e descansemos para a indignação do dia seguinte.

Tudo isso se passa num contexto em que nossas vidas são atropeladas por um turbilhão de notícias, um tsunami de embates virtuais, um incessante toque do celular, anunciando que algo de novo chegou.

No passado, era mais fácil. Lembro-me de que acordava bem cedo, lia todos os jornais para fazer a pauta do JB. Saia para almoçar no Degrau, onde sempre estava o cronista Carlinhos de Oliveira, e, de vez em quando, Tom Jobim falava longamente de passarinhos.

Carlos Pereira* - Bolsonaro e Lula não sabem fazer coalizões

O Estado de S. Paulo.

Lula criticou as relações de Bolsonaro com o Congresso classificando-o como “subserviente aos interesses dos parlamentares”. “Criaram o orçamento secreto que é tão secreto que não podemos nem saber o nome de quem recebe uma emenda”, complementou o ex-presidente.

De fato, as relações de Bolsonaro com o Legislativo têm sido um desastre. Uma combinação predatória de falta de transparência, baixo sucesso legislativo e alto custo de governabilidade. Inicialmente ignorou e desenvolveu uma relação adversarial com o Legislativo. Mas, diante de vertiginosa perda de popularidade e de crescentes riscos de ver seu mandato abreviado, se aproximou do Centrão e montou uma coalizão minoritária, mas que lhe garante sobrevivência.

Se observarmos as escolhas de Lula e dos outros governos do PT na montagem e na gerência das suas coalizões, vamos perceber desempenhos igualmente desastrosos. Lula montou coalizões com um número muito grande de partidos e heterogêneos entre si, o que dificultou a coordenação e aumentou os custos de governabilidade.

Marcus André Melo*: A política do desembarque

Folha de S. Paulo

Se ele é mais um personagem da velha política, as roupas de ditador-em-chefe já não lhe cabem

Paulo Guedes ameaça expor os nomes dos padrinhos dos ocupantes de cargos no governo, o que foi entendido como retaliação a movimentos de desembarque do governo por partidos e parlamentares. Esses movimentos são um fato estilizado do funcionamento das democracias, mas entre nós há singularidades. A principal delas: a abdicação do presidente quanto a seu papel de coordenador político do governo.

Bolsonaro pato manco já era esperado, como discuti neste espaço. Sua ascensão foi produto de circunstâncias extraordinárias e, ao fim e ao cabo, o nosso arranjo institucional acabaria impondo-se. Trata-se de um presidente hiperminoritário, sem partido e contando com apoio modesto na opinião pública para seu unilateralismo; e, mais importante, enfrentando controles constitucionais imperfeitos, mas robustos.

Tendo sido produto de uma maioria negativa, que se forjou pela rejeição da opção rival, sob colossal polarização, não era difícil prever que uma minoria cacofônica não lhe garantiria sustentação extraparlamentar e que as lideranças desses setores evanesceriam.

Celso Rocha de Barros: Bolsonaro será um candidato antivacina?

Folha de S. Paulo

Discurso anti-vaxxer dos bolsonaristas não é só ideologia

A oposição de Bolsonaro à vacinação foi um fracasso político. A população foi se vacinar assim que teve a oportunidade. Continua indo, feliz da vida. Pesquisa recente do Datafolha mostrou que a maioria dos brasileiros acha que Bolsonaro "mais atrapalha do que ajuda" na vacinação de crianças.

Segundo o podcast "Papo de Política" da última semana, esse fato não passou despercebido em Brasília. Lideranças do centrão estão pedindo que Bolsonaro deixe de se opor à vacinação se quiser ser reeleito.

Faria sentido, e não só por questão de popularidade. O ex-presidente americano Donald Trump, por exemplo, defende a vacinação por um motivo simples: são os eleitores republicanos que estão morrendo por se recusarem a se vacinar.

Mas não vai ser fácil. Bolsonaro provou, por palavras e atos, que é um dos principais anti-vaxxers do mundo. Mesmo para um político profissional no nível moral tão baixo, não é fácil mudar de posição tão rápido sobre uma questão de vida ou morte.

Ana Cristina Rosa: Repito: vidas negras importam?

Folha de S. Paulo

Há uma ambiência pró-violência promovida a partir do Estado

Há um recrudescimento da violência racial no Brasil. Nos últimos anos, o país cultivou, ampliou e amadureceu um ambiente favorável ao ódio e ao racismo a ponto de criar condições propícias para que um homem negro seja abatido a pauladas num quiosque à beira-mar e outro seja alvejado com três tiros ao mexer na mochila para pegar as próprias chaves.

Somado à relativização da dor, do preconceito e do racismo estrutural, o elevado grau de violência faz com que corpos negros, há séculos violados em território nacional, sejam alvos da sociopatia dos incapazes de enxergar num preto um ser humano pleno em direitos, digno de confiança e de credibilidade, merecedor de respeito e de oportunidade, tão capaz quanto qualquer pessoa.

Mirtes Cordeiro*: Pelo direito à vida

A vida é o nosso bem mais precioso. No entanto, no Brasil, a matança de pessoas é generalizada e já faz tempo se transformou em banalidade.

A violência generalizada atualmente incentivada tira não só a vida de pessoas, mas o direito de ir e vir, faz crescer a intolerância, incita o ódio, desarmoniza as famílias, cria novas regras nas comunidades e desconhece princípios e valores como a ética, o respeito, a humildade, o caráter, o amor, a compaixão, a solidariedade, entre outros, cultivados pela sociedade de acordo com sua cultura.

A violência no nosso país denuncia o mal funcionamento das instituições responsáveis pela garantia da lei e da ordem e aponta os males que afligem a população. A nossa sociedade há muitos anos padece de doenças sociais malignas, decorrentes dos poderes intolerantes, das ações desumanas, dos desempenhos medíocres, das consciências desvirtuadas e da precariedade institucional.

Atlas da Violência 2021, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública,  revela que a taxa de homicídios em todos os estados brasileiros apresentou queda, com exceção do Amazonas que, entre 2018 e 2019, aumentou 1,6%. Entretanto, o número de mortes violentas por causas indeterminadas cresceu nos dois últimos anos.

De acordo com o estudo, o Brasil registrou um crescimento de 35,2% no número de mortes violentas por causas indeterminadas entre 2018 e 2019. Os maiores aumentos foram registrados no Rio de Janeiro (232%), no Acre (185%) e em Rondônia (178%).

Supremo retoma julgamento sobre validade das federações

Expectativa é de que plenário estenda o prazo para constituição dessa modalidade de aliança

Por Isadora Peron / Valor Econômico

Brasília- Com a tendência de que haja maioria para dar mais prazo para a formalização das chamadas federações partidárias, o Supremo Tribunal Federal (STF) retoma na quarta-feira o julgamento sobre a validade desse novo tipo de aliança. O plenário vai julgar uma liminar do ministro Luís Roberto Barroso, que determinou que as federações deveriam estar constituídas seis meses antes das eleições, isto é, até abril.

Para o ministro, esse tipo de aliança deve seguir a mesma lógica do registro dos partidos tradicionais e, portanto, estar formada dentro do mesmo prazo. A lei que criou as federações, no entanto, estipulava como prazo a data das convenções partidárias, no início de agosto.

Bruno Carazza*: Namoros, casamentos e traições

Valor Econômico

Articulações por federações agitam política brasileira

A política brasileira é feita de alianças interesseiras e traições consentidas - casamentos duradouros são raridade. Além do comportamento lascivo dos participantes, o ambiente convida à promiscuidade.

O desenho institucional do sistema político brasileiro é muito permissivo, pois a frouxidão da legislação sobre o estabelecimento e a gestão dos partidos, aliada à fartura de recursos públicos para o seu financiamento, estimula a proliferação de agremiações.

Criar um partido político no Brasil é extremamente fácil. Basta arregimentar 101 pessoas, provenientes de 9 Estados diferentes, escrever um programa e um estatuto jurídico, realizar uma assembleia e o resto é burocracia. Para poder disputar eleições, é preciso uma lista de assinaturas de pouco menos de 500 mil apoiadores; não há número mínimo de filiados.

Até recentemente, o registro de uma legenda no Tribunal Superior Eleitoral dava direito automático à propaganda gratuita no rádio e na televisão, além de uma cota mínima nos fundos partidário e eleitoral. Fundar um partido, portanto, era um grande negócio.

Sergio Lamucci: Banalização das PECs aumenta incertezas

Valor Econômico

Além do risco de piorar situação fiscal, iniciativas podem elevar insegurança jurídica num país que precisa fazer o possível para reduzi-la

Virou rotina. Para resolver problemas fiscais de curto prazo e/ou atender a objetivos eleitorais, o governo e a sua base no Congresso passaram a recorrer a Propostas de Emenda à Constituição (PEC). Além do risco de aumentar a incerteza em relação às contas públicas, a banalização das PECs pode elevar a insegurança jurídica num país que precisa fazer o possível para reduzi-la, se quiser ampliar o investimento na economia.

Em março de 2021, foi aprovada a PEC Emergencial, para garantir o pagamento do auxílio emergencial no ano seguinte e regulamentar o acionamento de gatilhos quando as despesas obrigatórias atingissem 95% dos gastos totais. No fim do ano passado, foi a vez da PEC dos Precatórios, votada a toque de caixa por deputados e senadores para aumentar o valor do benefício do Auxílio Brasil, numa proposta que adiou o pagamento de parte das dívidas da União decorrentes de sentenças judiciais, considerada um calote por grande parte dos especialistas em contas públicas.

Alessandro Vieira*: Federações: sem ser cloroquina partidária

O Estado de S. Paulo, 6.2.2022

Se na sua construção não houver um processo de fortalecimento institucional com um projeto de País, então nada terá mudado

As eleições de 2022 têm muitas particularidades, uma delas é o complexo cenário político em que vivemos. Exigirá muito do eleitor – especialmente que compareça à urna e vote consciente. Mas, em termos de legislação, por conta da reforma eleitoral de 2021 instituída pelo Congresso – é preciso lembrar dela num país jogado na catarse da pandemia –, será a primeira vez que os eleitores vão contar com a possibilidade de candidaturas apoiadas por federações partidárias. Isso será muito importante na sua escolha.

Primeiro é preciso entender que essa nova modalidade de associação entre partidos, as federações, não pode ser tratada como espécie de cloroquina partidária – para fazer um paralelo com a propaganda de um remédio supostamente milagroso, mesmo contra todas as evidências. No mundo partidário também não se deve vender ou comprar ilusões.

Entrevista| ‘Estratégia de Bolsonaro chegou ao seu limite’, analisa o cientista político Giuliano Da Empoli

Pesquisador franco-italiano avalia que crise da Covid-19, em meio à investida contra a ciência, esgotou apelo de discurso antissistema

Marlen Couto / O Globo, 6.2.2022

RIO — Ao documentar as estratégias para a ascensão de governos populistas no mundo, o cientista político Giuliano Da Empoli tem acompanhado os desdobramentos da gestão do presidente Jair Bolsonaro no Brasil. Em 2019, Bolsonaro terminava o seu primeiro ano de mandato com reprovação de 36% dos brasileiros, segundo o Datafolha, quando o pesquisador franco-italiano publicou no país, pela editora Vestígio, “Os engenheiros do caos”. No livro ele faz uma análise sobre como as fake news, teorias da conspiração e os algoritmos das plataformas digitais compõem uma engenharia que permitiu a eleição de nomes como Bolsonaro e do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump. Hoje, o cenário é bem diferente: Bolsonaro é rejeitado por mais da metade da população, enquanto se prepara para disputar a reeleição. Em entrevista ao GLOBO, o cientista político vê na impopularidade do presidente brasileiro o esgotamento do discurso anti-establishment durante a crise da Covid-19, alerta para a sofisticação na segmentação da propaganda política nas redes, e ressalta que é preciso transparência sobre como funcionam as plataformas.

Recentemente, vimos o apoio a líderes populistas cair após ocuparem cargos públicos. Trump não foi reeleito nos EUA. Bolsonaro enfrenta alta rejeição. Por que esses governos têm dificuldade em permanecer no poder?

Uma vez que esses líderes baseiam sua popularidade em uma rejeição ao establishment, é mais difícil manter sua popularidade quando estão no poder. Para superar esse problema, alguns deles, incluindo Trump e Bolsonaro, tentaram manter a chama acesa, adotando um estilo subversivo de governo, focando em inimigos como o Deep State (estrutura global de poder que seria responsável pelas decisões econômicas, segundo a teoria conspiratória QAnon) ou o Poder Judiciário. Por um tempo, essa estratégia foi bem-sucedida, mas a Covid-19 pôs um fim nisso. Quando a pandemia surgiu, o instinto subversivo de Trump e Bolsonaro os pressionou a lutar contra o establishment médico e científico, e o desastre absoluto que se seguiu foi demais até mesmo para muitos de seus apoiadores.

Demétrio Magnoli: Brexit promove revisionismo patriótico

O Globo

Sabe-se que o Brexit, isto é, a retirada britânica da União Europeia, foi um desastre político e econômico autoinfligido. O filme “Munique: no limite da guerra”, de Christian Schwochow, que estreou há pouco, sugere que deflagrou, também, um desastre moral. Nada contra o envelope estético, de alta qualidade tanto nas ambientações de época quanto nas atuações do trio de protagonistas formado por George MacKay, Jannis Niewohner e Jeremy Irons (Chamberlain). O ponto é outro: o filme condensa uma narrativa revisionista destinada a lavar as estrebarias da elite britânica.

Na Conferência de Munique, 30 de setembro de 1938, auge da política do apaziguamento, o francês Daladier e o britânico Chamberlain entregaram os Sudetos à Alemanha nazista, traindo os tratados de aliança firmados com a Tchecoslováquia. O ato desonroso proporcionou a Hitler um triunfo internacional maiúsculo, acelerando a marcha rumo à guerra mundial.

O que a mídia pensa: Editoriais /Opiniões

EDITORIAIS

O desastre da PEC dos Combustíveis e da PEC Kamikaze

O Globo

É uma característica de parlamentos em vários países, inclusive no Brasil, que o debate sobre algumas ideias ruins entre e saia de cena várias vezes, numa tentativa quase insana de se viabilizar. O Congresso Nacional fará um serviço ao país se enterrar dois exemplos dessa anomalia. O primeiro é a nova Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Combustíveis, apresentada na semana passada pelo deputado Christino Aureo (PP-RJ). O objetivo defendido pelo Palácio do Planalto é reduzir ou até zerar todos os impostos federais sobre gasolina, diesel e gás de cozinha em 2022 e 2023, sem precisar compensar as perdas com a elevação de outros tributos, como prevê a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O texto final acabou tendo um escopo mais amplo e pior do que a ideia que vinha sendo discutida pelo Planalto e o Ministério da Economia.

É inegável que a PEC dos Combustíveis tem pelo menos uma conexão com a realidade. Sua origem é a preocupação com a elevação dos preços dos combustíveis, um tema que atormenta os eleitores e exige a atenção legítima da classe política. Só a gasolina sofreu reajustes de mais de 70% ao longo de 2021. Novos aumentos devem vir com a provável alta do barril do petróleo. O pecado mortal da PEC é a suposta solução que apresenta. O que o governo está querendo em um ano eleitoral é um passe livre para renunciar a bilhões em impostos — uma estimativa dá conta de que seriam mais de R$ 50 bilhões.

Poesia | João Cabral de Melo Neto: A educação pela pedra

Uma educação pela pedra: por lições;
para aprender da pedra, frequentá-la;
captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
ao que flui e a fluir, a ser maleada;
a de economia, seu adensar-se compacta:
lições de pedra (de fora para dentro,
cartilha muda), para quem soletrá-la.
Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
e se lecionasse não ensinaria nada;
lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
uma pedra de nascença, entranha a alma.