domingo, 27 de fevereiro de 2022

Merval Pereira: Brasil em cima do muro

O Globo

A guerra da Ucrânia será “longa”, segundo o presidente da França, Emmanuel Macron, e o Brasil terá que tomar uma posição firme na medida que os países democráticos ocidentais vão assumindo cada vez mais a defesa da Ucrânia, enviando até mesmo armamentos.

Ao mesmo tempo em que assinou a declaração do Conselho de Segurança da ONU contrária à invasão russa, o Brasil se recusou a apoiar uma moção da OEA no mesmo sentido, seguindo países como Nicarágua e Cuba. A alegação técnica é que a Ucrânia não está nas Américas, o que é verdade, mas o apoio simbólico ao país invadido seria um gesto  que refletiria a posição brasileira com mais firmeza, deixando de lado a sensação de equilibrismo numa situação que não admite rodeios.

Putin já  afirmou que o fim da União Soviética foi a "desintegração da Rússia histórica". A escalada de Putin, na tentativa de conquistar toda a Ucrânia, reflete seu pensamento geopolítico. Ele já declarara anteriormente que o fim da União Soviética foi "o maior desastre geopolítico do século 20".  Segundo ele, 25 milhões de russos nos novos países independentes “de repente se sentiram desconectados da Rússia, uma grande tragédia humanitária".

Eliane Cantanhêde: Na paz e na guerra

O Estado de S. Paulo

A Rússia invade a Ucrânia, o mundo reage e Bolsonaro está em outro planeta

Enquanto a Bahia afundava em dor, lama e mortes, o presidente Jair Bolsonaro gastava R$ 900 mil para andar de jet ski no lindo mar azul de Santa Catarina. Enquanto o mundo afunda em ameaças e incertezas com a guerra na Ucrânia, Bolsonaro faz motociatas por aí. Para que serve um presidente? Para curtir a vida e fazer campanha?

Na definição do ex-chanceler Celso Amorim, a posição brasileira é “esquizofrênica”. Bolsonaro lava as mãos, como quem não tem nada a ver com isso, o vice Hamilton Mourão radicaliza, defendendo o “uso da força” contra a Rússia, e o Itamaraty faz contorcionismos em busca de racionalidade.

Rolf Kuntz: Bolsonaro, Orbán e Putin

O Estado de S. Paulo

Admirador de chefões autoritários, o presidente prefere passear de moto a falar sobre um ato de banditismo internacional

Dois chefões autoritários, um de direita, outro com carteirinha de comunista, foram visitados e afagados pelo presidente Jair Bolsonaro em sua última excursão fora do Brasil. O de direita, Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria, foi saudado num discurso de inspiração fascista, com referência a valores comuns: Deus, pátria, família e liberdade. Ao outro, Vladimir Putin, presidente da Rússia, Bolsonaro se declarou solidário, apesar da conhecida ameaça de ataque à Ucrânia. A invasão, com forças de terra, mar e ar, ocorreu na semana seguinte.

Atacada a Ucrânia, Bolsonaro evitou comentar o assunto, enquanto o Itamaraty publicava uma nota vergonhosa, conclamando as partes a “negociações conducentes a uma solução diplomática da questão”. O agredido tem de negociar com o agressor? Os dois são culpados pela violência? Não houve espaço ou tinta para uma palavrinha de censura a um ato de banditismo? O vicepresidente Hamilton Mourão fez uma declaração séria, comparando o ataque russo ao expansionismo nazista, mas foi desautorizado. “Quem fala sobre o assunto é o presidente da República”, disse Bolsonaro, mas quem esperou sua fala perdeu tempo.

José Augusto Guilhon Albuquerque*: A candidatura de Bolsonaro tem jeito?

O Estado de S. Paulo

Pode ele reconhecer os erros, corrigir sua trajetória e se empenhar em entender as necessidades vitais do povo brasileiro?

A conduta do presidente assusta o Planalto e desafia seus opositores, pois parece haver consenso entre as elites dirigentes. Ou ele muda de atitude – para de provocar controvérsias irrelevantes, de se opor a pautas majoritárias na população, para de hesitar diante de decisões vitais para a parte mais vulnerável do eleitorado, e começa a governar seriamente – ou não chegará ao segundo turno.

Interpretar suas motivações parece ser urgente. Mas não se pode abrir a cabeça das pessoas e observar o que se passa lá dentro. Para entender o comportamento de um político, antes de especular sobre conversas de bastidores ou declarações de intenções, convém observar... o seu comportamento.

Muitos são os registros das condutas de Jair Bolsonaro como oficial do Exército e como parlamentar, e acompanhamos seu comportamento público durante três anos de mandato presidencial. As questões relevantes a observar nessas funções seriam: saber se seu comportamento segue um padrão ou é errático; em que consiste esse padrão, se houver; e qual é seu objetivo.

É preciso saber se existe continuidade de padrão entre essas funções ou em que consistiriam as eventuais mudanças de padrão e de objetivo. Resta, ainda, saber se é possível o presidente alterar sua conduta, tornando-a compatível com uma candidatura competitiva no segundo turno de 2022.

Ruy Castro: Contar votos ou canhões

Folha de S. Paulo

Canhões são uma metáfora, mas não muito longe da realidade. Quem vai sair da frente para o outro atirar?

A familiaridade com que discutimos se haverá ou não um golpe no Brasil, antes, durante ou depois das eleições, é quase inédita. Em 1964, deu-se um golpe sob o pretexto de que o outro lado —o governo— estava preparando o seu, embora, como se constatou, ele não tivesse nenhuma condição para isso. Os vitoriosos não precisaram disparar um tiro. Agora, não. A ameaça vem de quem não apenas detém o comando efetivo da força como está há anos atiçando e munindo uma força paralela para agir a seu favor.

Bruno Boghossian: Deu zebra

Folha de S. Paulo

Pressão de religiosos é insuficiente quando grupo se distancia dos interesses do centrão

Pastores fizeram uma operação para barrar a liberação de cassinos, bingos e jogo do bicho no país. O esforço não deu resultado: a proposta avançou na Câmara e contou até com o apoio de parlamentares que integram a bancada evangélica. Dos 180 deputados do grupo, só 83 votaram contra a legalização da jogatina.

O placar mostra que, embora barulhenta e numerosa, essa bancada enfrenta limitações de coordenação e mobilização. No papel, um de cada três deputados faz parte da frente parlamentar evangélica, mas são poucos os casos em que esses políticos agem unidos ou incluem a religião no cálculo de suas votações.

Integram formalmente a bancada evangélica desde o ex-ator pornô Alexandre Frota (PSDB) até o deputado Altineu Côrtes, líder do PL de Jair Bolsonaro. Os dois votaram a favor da liberação dos jogos. Também é signatário da frente parlamentar o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), que comandou a aprovação do texto e disse que as críticas à proposta partiam de "grupos sectários".

Bernardo Mello Franco: A folia da jogatina

O Globo

O carnaval começou mais cedo para a turma da jogatina. Na madrugada de quinta, a Câmara aprovou um projeto que legaliza cassinos, bingos e caça-níqueis. A folia também incluiu o jogo do bicho, cujos chefes passaram a se aliar às milícias.

A operação foi pilotada por Arthur Lira. Ele desengavetou um texto apresentado há 31 anos e comandou sua aprovação em apenas três horas. O deputado defendeu a proposta com um argumento que poderia ser usado em favor da liberação das drogas: “Todos nós sabemos que isso existe. Mas tem que existir na clandestinidade?”.

Estudos da Polícia Federal, da Receita Federal e da Procuradoria-Geral da República mostram que a questão não é tão simples. Bingos e cassinos são instrumentos poderosos para a lavagem de dinheiro do crime organizado. “Seria pueril imaginar que a legalização vai acabar com a corrupção”, alertou a PGR em 2016.

Vinicius Torres Freire: A Guerra de Putin e a política nos EUA

Folha de S. Paulo

Crise na Ucrânia altera debate sobre clima, energia importada e ameaça estrangeira

Joe Biden preocupa-se com quantas mulheres vai nomear para o Banco Central. Seu Partido Democrata se ocupa de quais pronomes pessoais usar com pessoas LGBTQ+ —ou não. Quer cortar a despesa militar e fazer uma transição para a "economia verde" que sujeita o país a caprichos de estrangeiros, de quem depende para ter energia bastante ou a preço razoável.

A direita tradicional americana cai assim de pau em Biden, acusado também de molenga com Vladimir Putin. Sim, a direita tradicional e letrada do Partido Republicano. Os trumpistas vão além. Elogiam Putin e querem deixar a Rússia para lá, pois o problema seria a China.

Percebe-se por que Jair Bolsonaro lambe as botas de Putin: porque pegou gosto lambendo a sola de Trump.

A direita tradicional e parte dos democratas querem que Biden arranque o couro de Putin até para mostrar à China que não está para brincadeira e que não vai tolerar nem sinal de ucranização de Taiwan. Querem também que o governo derrube restrições ambientais à produção de petróleo e gás, de modo a tornar os EUA independente e capaz de vender a energia de que seus aliados precisam, dane-se a transição verde. Enfim, diz que os americanos devem se preparar para uma nova Guerra Fria, o que implica ter ideias diferentes sobre autossuficiência econômica em itens estratégicos, alterar a política de alianças regionais (exigindo mais fidelidade) e mudar suas bases militares para perto das fronteiras inimigas, da Rússia em particular.

Janio de Freitas: Fabricantes de crises letais

Folha de S. Paulo

A culpa na ocupação na Ucrânia tem muitos donos

A preliminar de todas as turbulências em que se envolveram Estados Unidos e europeus, desde o fim da União Soviética, espera há três décadas a compreensão desses países para tentarem solucioná-la: o comunismo acabou como nação e como movimento, mas os Estados Unidos continuaram contra a Rússia o que era a guerra contra o comunismo. Por quê?

O tema não entra em consideração, por certo pelo temor da reação americana. Onde houve proximidade, entendimentos e interesses da Rússia, os Estados Unidos puseram sob acusações, pressão e riscos.

Assim foi sacrificada, reiteradamente, a oportunidade de convivência menos letal e mais inovadora entre as forças dominantes do mundo.

A Rússia extinguiu os saldos da experiência de convívio equânime de Gorbachev e mesmo de Ieltsin, e assumiu sua contraparte nas confrontações.

colaboração na aventura espacial foi a exceção da regra, mais por necessidades temporárias dos americanos que por associação de sinceridades promissoras.

Elio Gaspari: Putin já foi o motorista Vladimir

O Globo / Folha de S. Paulo

Outro dia, antes do início da guerra na Ucrânia, o jornalista americano Thomas Friedman escreveu que o melhor lugar para se acompanhar a crise é tentando entrar “na cabeça de Vladimir Putin”.

Diversas pessoas já tentaram mapear essa cabeça, da alemã Angela Merkel à ex-secretária de Estado americana Madeleine Albright. O presidente russo é frio como cobra.

Em dezembro de 1989 ele estava na sede da KGB, em Dresden, na falecida Alemanha Oriental, quando uma multidão se aproximou da casa. Ele foi para o portão, disse que era um intérprete e recomendou que fossem embora, do contrário seus compatriotas atirariam. Deu certo, mas não havia atiradores.

Dois anos depois a Alemanha Oriental se acabara, a União Soviética derretera e a Rússia perdera cerca da metade de seu Produto Interno. Putin havia voltado para São Petersburgo e trabalhava com o prefeito da cidade. Para fechar o orçamento familiar, fazia bicos como motorista. Lembrando essa época numa entrevista, foi breve: “É desagradável falar sobre isso, mas infelizmente foi o caso”.

Míriam Leitão: Cenas do passado e desordem mundial

O Globo

O ultraje e a infâmia que o mundo tem visto, com tropas russas na Ucrânia, trouxeram a sensação de que o presente havia sido tragado pelo passado, para as cenas de horror como a dos tanques soviéticos ocupando Praga, em 1968, ou o tempo ainda mais primitivo das guerras medievais de conquistas de território. O que aconteceu tem efeitos concretos para o mundo e para o Brasil, na política e na economia. O péssimo governo brasileiro se refletiu no vexame de uma diplomacia que levou dois dias para acertar o tom.

No curto prazo, a crise criada pela Rússia piora muito a conjuntura, segundo o economista José Roberto Mendonça de Barros. A guerra vai elevar os custos de vários produtos. De fertilizantes a combustíveis, de trigo a alumínio. E se a Ucrânia não puder plantar a próxima safra, que se inicia ao fim do degelo? Se o país estiver desorganizado, pela guerra imerecida e indesejada, cairá a oferta de milho e trigo. A Rússia sob sanções também terá mais dificuldades de vender seu trigo. Bielorrússia, de onde partiram os ataques a Kiev, é fornecedora de fertilizante, como Rússia e Ucrânia. Não haverá boa safra sem os três países.

Dorrit Harazim: Guerra tem dono

O Globo

A História é como uma faca: você pode usá-la para cortar pão, mas também para matar. O falecido Fritz Stern, eminente estudioso da História da Alemanha, dizia o mesmo de analogias históricas — elas tanto podem jogar luz e clareza sobre um tema como gerar contendas envenenadas de insensatez. No caso da invasão da Ucrânia por uma Rússia imperiosa presidida pelo czar moderno Vladimir Putin, tem as duas coisas. Com mandato eleitoral para ficar no poder até 2036, quando fará 84 anos, Putin decidiu recuperar pelo menos algumas zonas de influência perdidas com a implosão da União Soviética. Ou, pelo menos, tentar inverter os últimos 30 anos de arrogância militar por parte dos Estados Unidos e dos países europeus reunidos na Otan.

Para tanto, recorreu a uma “guerra de escolha”, e não “de necessidade”, repetindo terminologia usada por Richard Haass, presidente do Council on Foreign Relations de Nova York. Ao contrário das “guerras de escolha”, que em geral terminam mal para quem as lança, Haass designa como “guerra de necessidade” o recurso à força para a proteção da sobrevivência ou dos interesses vitais de um país. Cita como exemplo a entrada dos Aliados na Segunda Guerra Mundial. Decididamente, não é o caso da Rússia de 2022. O rolo compressor com que Putin atropelou a soberania territorial do país vizinho deixou não só 45 milhões de ucranianos sem chão — seja em fuga, seja de coquetel molotov em mãos —, como estonteou o planeta.

Cacá Diegues: A guerra de cada um

O Globo

Nossa guerra interna, no Brasil, é sobretudo contra a morte de crianças, pobres e pretos

Confesso que não esperava ver nos jornais notícias de uma guerra como essa entre Rússia e Ucrânia. Concordo que é preciso acompanhá-la de perto, para tentar descobrir suas origens e a justiça delas. Para saber sobretudo como podemos ajudar o mundo a se livrar de episódios insensatos como esse.

Menos glamourosa que a invasão da Ucrânia pelo Exército russo, uma outra notícia falou das contas de bilionários em 2021. Pois, por essas novas contas, Mark Zuckerberg, o jovem proprietário da Meta, dona do Facebook, caiu para o 14º lugar no ranking dos ricos festejados pela revista Fortune. Mas Zuckerberg não precisa sofrer horríveis pesadelos por causa disso. Esse acidente em suas finanças não significa que periga ele ter que passar o chapéu na missa de domingo para ver se recupera um pouco o valor de seu cofre. Ele pode continuar a levar a vida que levou até agora, um pouco mais discretamente para não escandalizar ninguém, até recuperar a posição do Facebook e de seus irmãos digitais.

Cristovam Buarque*: Risco do antismo

Blog do Noblat / Metrópoles, 26.2.2022

Foi este antismo que levou forças democráticas a se recusarem a incluir Lula e o PT na composição de uma frente nacional contra Bolsonaro

O setor de relações internacionais do PT cometeu o erro de apoiar a invasão da Ucrânia pela Rússia. Esta posição se explica pelo antiamericanismo que caracteriza a visão do mundo dos petistas. Se a Rússia enfrentava os Estados Unidos, então ela estava certa. Este é o perigo do “antismo”: pensar contra sem levar em conta as especificidades que ocorrem em cada momento, sem considerar que o mundo não é apenas branco e preto, nem percebendo as mudanças que acontecem.

Da mesma forma que o antismo do PT leva a erros deste tipo, as forças democráticas têm errado, ao longo de meses, por verem a política Brasília sob o antipetismo. Sabem do risco da reeleição de Bolsonaro, mas se negam a barrar esta reeleição em aliança com o PT. Deixam também de perceber que o PT e Lula de hoje podem ser diferentes do que eram há alguns anos atrás.

Luiz Carlos Azedo: Existe muita empatia entre Putin e Bolsonaro

Correio Braziliense, 26.2.2022

O verdadeiro teor da conversa privada entre os dois em Moscou é um iceberg, não ficou restrita à venda de carne e à compra de fertilizantes. Existe muita semelhança entre ambos

Todos os homens do Kremlin — os bastidores do poder na Rússia de Vladimir Putin, de Mikhail Zygar (Vestígio), é um livro-reportagem com detalhes reveladores sobre o círculo íntimo de Putin e sua longa permanência no poder. É a história de um líder ardiloso e perigoso, mas também de um grupo que assumiu o controle da Federação Russa. Putin “se tornou rei por acaso”, levado ao poder por oligarcas e políticos regionais, que o acolheram ao mesmo tempo em que manipulavam seus medos e ambições. Com o tempo, demonstrou uma habilidade incomum para se manter no poder e assumir o controle do grupo com mão de ferro, em meio a intrigas, conspirações e muita corrupção.

Putin assumiu com apoio do grupo de Boris Yeltsin, que promoveu reformas liberalizantes radicais, contra os comunistas, que ainda eram fortes no Parlamento, cujo candidato era Ievgeni Primakov, um antiamericano radical e revanchista. Ataques terroristas em Moscou e o conflito na Chechênia catapultaram a candidatura do ex-diretor da FSB, a antiga KGB. A imagem de líder jovem e modernizador, que seduziu o público doméstico, não convenceu o Ocidente. Seu projeto inicial de integração da Federação Russa à União Europeia, inclusive à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), foi rejeitado pelo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e pela primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

O custo da guerra

Folha de S. Paulo

Ataque à Ucrânia cria risco de quadro recessivo global, que impacta o Brasil

Com a ofensiva armada pela Ucrânia em curso e o anúncio de sanções econômicas à Rússia por parte das potências ocidentais, começam a se desenhar os impactos econômicos da guerra, que devem ocorrer em múltiplas frentes.

O primeiro e mais evidente é o salto das cotações de petróleo e gás, além de outras matérias-primas. No dia da invasão ao território ucraniano, o preço do barril de petróleo chegou a US$ 103, o maior desde 2014 —recuando quando ficou claro que o pacote de sanções europeias e americanas não atingiria o setor de energia.

Mesmo assim, a ação russa põe em risco as linhas de suprimento e, no caso do gás, a infraestrutura de transporte na Europa.

Com a maior inflação desde os anos 1980 e juros em alta no Ocidente, um choque adicional poderia levar a economia global a um quadro recessivo. Os bancos centrais teriam a inglória tarefa de endurecer a política monetária em meio à piora do emprego.

O problema será maior quanto mais tempo durar o conflito militar. No caso europeu, o encarecimento brusco do gás e, no pior cenário, a interrupção parcial ou total da oferta, implicaria forte contração da atividade industrial.

Poesia | Joaquim Cardozo: Território entre o gesto e a palavra

Entre o gesto e a palavra: território escondido dentro de mim
Marcas de mortas visões; tentativas, indecisões, regozijos,
Entre o gesto e a palavra. Território:
Um silêncio, um gemido, um esforço imaturo
Possibilidade de um grito, modulação de uma dor.
— Ritmos mais doces que os das águas,
— Ternuras mais íntimas que as do amor
Entre o gesto e a palavra. Território
Onde as idéias se ocultam e os pensamentos se perdem
Os conceitos se escondem, os problemas se dissolvem
Entre o gesto e a palavra. Território.
— Os problemas da escolha, os princípios;
Transcendências: transparências, mediante
Uma luz que não se acende, existem
No território contido entre o gesto e a palavra.
— Um axioma, um lema, um versículo, um fonema,
Uma ameaça, uma tolice, o som velar, o eco,
Talvez a estátua de uma atitude.
Estão no campo depois do gesto
E antes da palavra.
Também estás para mim, amiga, entre esses dois expressivos
Entre alguma coisa de mímico ou de sonoro
Alguma coisa que é aceno ou que é voz:
Entre o de mim e o de ti: Tu estou
Tu vivo
Tu falo
Tu choro
Estás, mesmo que entre nós dois não exista
Um aparato gramático — uma sentença verdadeira
— ou uma síntese poética
Ilusória expressão com que se conformam os ingênuos —
Mesmo que a palavra se reduza a simples gesto verbal
Entre o gesto e este gesto há um infinito real.