quarta-feira, 2 de março de 2022

Vera Magalhães: Com janela, março terá mexe-mexe partidário

O Globo

Começa nesta quinta-feira o mês do vale-tudo partidário. Graças à aguardada janela criada e reforçada em sucessivas mudanças na legislação eleitoral, deputados poderão zanzar por legendas ao seu bel-prazer até o início de abril sem correr o risco de perder os mandatos.

Mas não ficará restrito a eles o vaivém deste mês. Também pré-candidatos a governador e a presidente aproveitam o saldão de siglas para experimentar que figurino melhor lhes convém para a disputa de outubro.

Será um mês de muita conversa de pé de ouvido, muita promessa de casa, comida e roupa lavada e, ao fim, partidos hoje grandes podem terminar minguados, bem como legendas antes acanhadas podem sair portentosas.

No cenário nacional, algumas das mudanças ensaiadas dizem respeito ao PSDB e ao movimento de diáspora que pode ser deflagrado na janela.

O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, é o peixe mais graúdo nesse aquário. Sua saída do PSDB depende de uma resposta do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que ficou de dizer depois do carnaval ao PSD se vai ou não se colocar na disputa pelo Planalto.

A esperada saída de cena do senador mineiro deverá vir com a justificativa de que o Senado exigirá muito dele, o que imediatamente deflagará sua campanha para ser reeleito para o posto na próxima legislatura.

Estados repetem polarização de Lula e Bolsonaro

Em São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, candidatos apoiados por líder petista e nomes ligados ao presidente da República aparecem com mais chances nas pesquisas e devem repetir embate nacional

Sérgio Roxo / O Globo

SÃO PAULO — Três dos cinco estados brasileiros com mais eleitores caminham para ver a polarização do plano nacional se repetir em suas disputas ao governo na eleição, com um candidato ligado ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e outro ao presidente Jair Bolsonaro (PL) disputando a preferência do eleitorado. Tanto petistas como bolsonaristas consideram provável a repetição do duelo nacional em São Paulo, Rio e no Rio Grande do Sul.

A eventual ocorrência do embate em mais locais não é descartada, mas só ficará clara ao fim do período de inscrição das chapas. É esperado que no Nordeste, onde Bolsonaro tem baixos índices de popularidade, os candidatos não se vinculem ao presidente, e as eleições para governador sejam influenciadas mais pelas conjunturas locais.

— É uma eleição nacional talvez com mais importância e, portanto, influência, que as demais. Pode ser que o espírito da eleição nacional seja tão forte e tão irresistível que se reproduza nos estados — analisa o cientista político Carlos Melo, professor do Insper.

Bernardo Mello Franco: Traduzindo o bolsonarês

O Globo

O ministro das Relações Exteriores arrumou uma nova tarefa. Virou dublê de intérprete presidencial. Acostumado a aprender idiomas, Carlos França abraçou um desafio mais ousado. Vai se dedicar a traduzir o bolsonarês para o mundo.

No domingo, o capitão interrompeu a folia para avisar que não pretende criticar a invasão russa da Ucrânia. A guerra já estava no quarto dia, mas ele alegou que ainda queria “entender o que está acontecendo”. “Não vamos tomar partido. Nós vamos continuar pela neutralidade”, sentenciou.

Na segunda-feira, França tentou explicar que Bolsonaro não disse o que disse. “Quando o presidente usou neutralidade, é no sentido de imparcialidade. Não é no sentido de indiferença”, esclareceu, em entrevista à GloboNews.

Sem autonomia para cuidar da política externa, o chanceler pode justificar o salário na nova função. Afinal, um tradutor do bolsonarês teria poupado o país de muitos traumas recentes. Na posse, quando o capitão prometeu “valorizar a família”, o intérprete explicaria que ele se referia a todas as famílias. E não só à própria, mimada com rachadinhas e mordomias federais.

Ao anunciar que “acabou com a Lava-Jato”, Bolsonaro não confessou ter nomeado um engavetador para proteger corruptos. Apenas pretendia rebatizar a operação, já que o nome original é ecologicamente incorreto e incentiva o desperdício de água.

Elio Gaspari: De Getúlio Vargas para Bolsonaro

O Globo / Folha de S. Paulo

Ouça o chanceler, como ouvi o Osvaldo Aranha

Prezado presidente,

O senhor não gosta de mim, e a recíproca é verdadeira. Escrevo-lhe para sugerir alguma cautela diante da guerra europeia. Pretendo ater-me aos cuidados que tive entre agosto e setembro de 1941, quando a tropa alemã entrou em Kiev. Como o senhor sabe, Hitler invadiu a Rússia em junho num ataque fulminante e, em agosto, estava nas proximidades da capital da Ucrânia, a caminho de Moscou. Foi uma guerra diferente na forma e no conteúdo, mas vou lhe contar o que acontecia no Palácio do Catete e outras coisas que eu só soube quando vim para cá.

A invasão da Rússia já tinha data marcada quando o presidente americano Franklin Roosevelt mandou ao Rio um escultor para fazer meu busto. Dois dos meus conselheiros, os generais Dutra (ministro da Guerra) e Góes Monteiro (chefe do Estado-Maior) achavam que a máquina alemã seria invencível na Rússia.

Nenhum de nós sabia que o secretário da Guerra, Henry Stimson, estava de olho no Brasil. Três dias antes da invasão da Rússia, ele escreveu ao presidente, temendo que os alemães pulassem do Norte da África sobre o nosso território. (A menor distância para atravessar o Atlântico Sul vai da costa africana ao Saliente Nordestino.) Lembro-lhe que os Estados Unidos não haviam entrado na Guerra, mas queriam “salvar o Brasil”. Como? Instalando uma base no Nordeste.

Luiz Carlos Azedo: A crise da Ucrânia também tem sua Quarta-Feira de Cinzas

Correio Braziliense

Além dos efeitos gerais da crise ucraniana na economia global, as sanções econômicas contra a Rússia também podem afetar as cadeias de produção e comércio do nosso agronegócio

Misturar marchinha de carnaval (no caso, o samba do Macarrão, que falava da Guerra do Iraque no carnaval do Bloco de Segunda de 1991) com análise da situação internacional, como fiz ontem, também tem seu dia de ressaca. Meu amigo José Luiz Oreiro, professor de Economia da Universidade de Brasília (UnB), em seu blog, publicamente, não deixou por menos. Segundo ele, a coluna de ontem, intitulada “Não adianta ficar Putin, a Ucrânia já ganhou”, seria um exemplo clássico do erro que o personagem Don Victor Corleone no filme O poderoso Chefão 3 advertira ao seu sobrinho: “Não odeie seus inimigos, pois isso afeta o seu julgamento”.

Como trato os assuntos com objetividade, e não com o fígado, vou resumir as críticas de Oreiro, que discorda da tese de que Putin já perdeu a guerra do ponto de vista moral e político. Oreiro argumenta o seguinte:

Bruno Boghossian: Neutralidade pela metade

Folha de S. Paulo

Itamaraty condena russos na ONU enquanto presidente conta com boa vontade particular de Putin

Jair Bolsonaro fez uma incomum exibição de pragmatismo ao justificar a hesitação do governo brasileiro diante da invasão da Ucrânia. O presidente convocou uma entrevista no meio de sua folga de Carnaval para dizer que o país evitava condenar a guerra por temer retaliações russas no comércio internacional. "Para nós, a questão do fertilizante é sagrada", declarou.

Descontado o excesso de franqueza, a explicação poderia passar a imagem de que Bolsonaro se rendeu a uma diplomacia de resultados. O Brasil depende de fertilizantes importados, e a Rússia é a origem de quase 25% desse material. O presidente, porém, derrapou na ilusão de "neutralidade" com que tentava embasar sua posição.

Silvia Matos*: Fôlego curto

Folha de S. Paulo

Resultado do PIB do ano de 2021 deverá ser positivo, segundo previsões

Na próxima sexta-feira vamos conhecer o resultado do PIB do quarto trimestre e do ano de 2021. De acordo com as previsões do Boletim Macro IBRE, o resultado será positivo. Podemos comemorar? É sinal de retomada da economia brasileira após dois trimestres de contrações moderadas? Infelizmente não.

Em primeiro lugar, já era amplamente previsto um crescimento no último trimestre do ano, pois a vacinação foi a principal alavanca da retomada econômica doméstica no ano passado: o avanço significativo da vacinação, teve repercussões positivas sobre o ritmo e o perfil de recuperação da economia.

Apesar de todos os percalços, o processo de reabertura econômica avançou, sem gerar um aumento no número de novos casos e de mortes por Covid-19. Ao contrário, o avanço da vacinação permitiu uma abertura mais segura da economia, sem que se perdesse o controle da pandemia.

Consequentemente, o processo de normalização da economia seguiu em frente, ainda que com elevada heterogeneidade entre os setores.

Vinicius Torres Freire: Rússia, o efeito bumerangue

Folha de S. Paulo

Guerra econômica contra Putin começa a afetar também países do Ocidente

Estados UnidosUnião Europeia e aliados declararam guerra econômica contra a Rússia. Mas tentaram evitar tiros que saíssem pela culatra, como proibir a compra de petróleo, gás e grãos russos, o que faria o preço dessas commodities explodir.

Não daria certo, em geral. Algum tumulto econômico mundial haveria. Mas não está dando certo também no caso de energia e comida.

Os preços de petróleotrigo, milho, por tabela o da soja e das carnes, estão subindo muito não apenas por medo do futuro. Estão subindo porque empresas e bancos do "Ocidente" evitam negócios com a Rússia por conta própria, mesmo sem sanções de seus governos.

EUA, UE e aliados confiscaram o dinheiro que os russos guardam no exterior, as reservas internacionais que qualquer país tem. Proibiram os negócios de suas empresas e finanças com os maiores bancos russos. Vão até comprar armas para que ucranianos matem russos. Mas permitem negócios com energia, agricultura, remédios, equipamentos médicos etc.

Paul Krugman*: Guerra, para que serve isso?

O Estado de S. Paulo

Mundo moderna é diferente de quando impérios se impunham pela conquista militar

O milagre ucraniano poderá durar pouco. A tentativa de Vladimir Putin de vencer rapidamente, numa boa, tomando grandes cidades com forças relativamente brandas, enfrentou grande resistência, mas os tanques e as armas mais pesadas estão a caminho. E apesar do incrível heroísmo do povo da Ucrânia, o mais provável ainda é que a bandeira russa seja eventualmente hasteada em meio aos escombros de Kiev e Kharkiv.

Mas mesmo se isso acontecer, a Federação Russa ficará mais fraca e mais pobre do que era antes da invasão. Conquistar não compensa. 

Por que não? Se olharmos para a história, veremos muitos exemplos de países que enriqueceram por meio do poderio militar. Os romanos certamente lucraram com a conquista do mundo helênico, assim como a Espanha com a conquista dos astecas e dos incas. 

Mas o mundo moderno é diferente — e por “moderno" quero dizer pelo menos a partir de um século e meio atrás. 

O autor britânico Norman Angell publicou seu famoso tratado “A grande ilusão” em 1909 argumentando que a guerra se tornara obsoleta. Seu livro foi amplamente mal interpretado, como se afirmasse que a guerra não poderia mais acontecer, hipótese que se provou horrivelmente equivocada nas duas gerações que se seguiram. Mas o que Angell afirmou, na verdade, foi que os vencedores de uma guerra não seriam mais capazes de obter nenhum lucro de seu sucesso. 

E ele certamente estava correto sobre isso. Todos agradecemos pelos Aliados terem prevalecido na 2.ª Guerra, mas o Reino Unido emergiu como uma potência diminuída, sofrendo em meio a anos de austeridade enquanto lutava contra escassez de divisas estrangeiras. Até mesmo os Estados Unidos tiveram um ajuste pós-guerra mais difícil do que muitos se dão conta, experimentando um período de aumentos de preços que ocasionaram inflação acima de 20%. 

Ana Maria Diniz: O paradoxo dos empregos

Valor Econômico

Onda de demissões voluntárias de um lado do mundo, desemprego recorde do outro e escassez generalizada de talentos em todo lugar: como desatar esse nó?

O mundo está de ponta cabeça! Vivemos um enorme paradoxo. É possível pensar que em uma ponta do planeta, a mais pobre, hemisfério sul em geral, o emprego seja a coisa mais desejada e sonhada pelas pessoas como algo quase inatingível? E que, na outra ponta, o canto mais rico e mais instruído da sociedade, daqueles que tiveram mais oportunidades na vida, inclusive de estudar, o trabalho formal esteja sendo desvalorizado e até mesmo desprezado? Chegamos ao absurdo de desejos tão opostos, numa sociedade que vive ao mesmo tempo, no mesmo planeta, na mesma era? Difícil de conceber essa ideia, mas é o que está acontecendo atualmente. A onda generalizada e global de demissões voluntárias está em escalada, em ritmo recorde, no mundo todo. Foi deflagrada em abril do ano passado uma avalanche monumental de abandono de empregos jamais vista. As pessoas estão pulando aos montes do barco do trabalho, até então, o "meio de transporte" que as levaria a uma vida melhor. E o mais surpreendente é que uma boa parte dos retirantes não sabe quando - nem se - irá voltar para o jogo. Mas, afinal, para onde estão indo essas pessoas? O que estão de fato buscando? Como vão se sustentar? São perguntas que ainda estão longe de ter respostas acertadas.

Tiago Cavalcanti*: Reflexões sobre o momento atual

Valor Econômico

Com essa resistência, ucranianos mostram que querem uma nova história e sua democracia liberal

O artigo de hoje será diferente. Já tinha escrito outro texto sobre a questão dos juros bancários para pessoas físicas no Brasil. Porém resolvi fazer uma reflexão pessoal sobre o momento atual que vivemos.

Desde o dia 24 de fevereiro que assistimos com preocupação a invasão da Ucrânia pela Rússia com alto custo humanitário, várias vítimas e o êxodo de famílias fugindo do sofrimento e da morte.

Quem diria que nos dias atuais iríamos enfrentar uma guerra como a que está acontecendo na Europa, após um longo período de integração econômica, cultural e de relativa paz na região?

O Brexit já foi para mim um evento inesperado e que me causou desconforto. O Reino Unido integrado à Europa fazia parte da vida que estávamos acostumados. O fluxo de pessoas gera também fluxos de ideias e de cultura, que geralmente vem acompanhado de relativo progresso econômico e social. Assim foi no Reino Unido no período anterior ao Brexit.

Martin Wolf*: Putin reacendeu velhos conflitos

Valor Econômico

Frequentemente as sanções são ineficazes. As impostas desta vez não serão

Ninguém sabe como isso vai terminar. Mas sabemos como tudo começou. Vladimir Putin montou um ataque não provocado a um país inocente. Ele cometeu o pior ato de agressão em solo europeu desde 1945 e justificou esse ato vil com mentiras ultrajantes. Ele também, no momento, uniu o Ocidente contra ele. Putin não é o primeiro tirano a confundir desejo de paz com covardia. Em vez disso, ele despertou a ira dos povos ocidentais. O resultado é uma série de sanções contra a Rússia tão impressionantes quanto justificadas.

Putin pode ser o homem mais perigoso que já viveu. Ele se dedica a restabelecer o império perdido da Rússia, indiferente ao destino de seu próprio povo e, acima de tudo, domina uma vasta força nuclear. Ainda assim a resistência, por mais arriscada que seja, é imperativa.

Paulo Sotero*: Um Brasil altivo e ativo, mas do lado errado

O Estado de S. Paulo

Não nos enganemos. A injustificável invasão da Ucrânia pela Rússia tem apoio tanto de Bolsonaro como de Lula

A incapacidade de nossas elites dirigentes de identificar o interesse nacional, que as impele a subir no muro sempre que a realidade impõe uma escolha clara, produziu um efeito surpreendente na guerra desencadeada pela criminosa invasão da Ucrânia pela Rússia. Desta vez, o Brasil optou – com firmeza – pelo lado errado.

Inspirado, senão incentivado, por seu mentor, Donald Trump, admirador declarado de Vladimir Putin, o líder brasileiro viajou a Moscou duas semanas antes do ataque para posar em casa de mediador, papel que não tem condição intelectual ou política para exercer. Na volta, justificou a viagem afirmando que ela fora motivada pela preservação de interesses comerciais do País – hoje reduzido a um fazendão exportador de matérias-primas agrícolas e minerais de baixo valor agregado.

Vozes dissonantes, como a do vice-presidente Hamilton Mourão, e inúmeras outras manifestações indicam que a sociedade brasileira não aprovou a embaraçosa sortida diplomática de Bolsonaro e está alinhada com a comunidade internacional na condenação da Rússia, patente desde o início do conflito e expressa pela esmagadora maioria dos países-membros das Nações Unidas na segunda-feira passada. Mas não nos enganemos.

Roberto DaMatta: Cinzas sem fogo e guerra

O Globo / O Estado de S. Paulo

Tenho uma memória nítida do meu primeiro carnaval. Dele, há uma velha foto dos anos 1940. Anos em que vivíamos em Maceió, Alagoas, e meu pai, sério e com mapas da Europa na mesa, ouvia pelo rádio os avanços das tropas aliadas derrotando Hitler. Mas hoje, com cinzas na cabeça, descubro que o “imperialismo” não é monopólio dos “ianques capitalistas” — lembram o “ianque, go home”? —, mas pertence também a uma Rússia putinista-comunista.

Na memória, a guerra e a invasão na Europa — as cinzas que abusadamente nos envolvem como um símbolo tenebroso do fim. Na fotografia, o testemunho do mel, que, como aprendi com Lévi-Strauss, contém o doce tão aguçado que se confunde com o fogo. O fogo dos “lábios de mel” da namorada sinalizadora da vida.

Na foto, estamos, meus irmãos e eu, fantasiados de pierrô, personagem clássico da commedia dell’arte. A julgar pelas nossas carinhas cinzentas, éramos a própria imagem do infeliz namorado da Colombina, que se apaixona pelo risonho e meloso Arlequim. Nossa “fantasia” de cetim preto — ornada com pompons brancos e encimada por um chapéu cônico usado quando antigamente as crianças eram castigadas —completa esse momento cinzento do meu primeiro carnaval.

Aylê-Salassié Filgueiras Quintão*: Adeus papai!...Adeus, filho!...

O início do fim da guerra do Vietnam foi marcado por dois eventos impactantes. A foto da menina vietnamita correndo nua pela estrada, tentando escapar das bombas de napalm que explodiam atrás dela, e o assassinato, com um tiro no ouvido de um vietcong capturado, no meio da rua de Saigon, em frente as câmeras de televisão, dado pelo chefe de polícia. A opinião pública mundial foi despertada naquele momento para a desumanidade, a brutalidade e a insanidade das guerras.  Afinal, o respeito à vida humana e a diplomacia teriam evoluído muito. 

Há dois ou três dias, na divisa com a Ucrânia, uma mulher assistia a orientação dada aos jovens soldados russos, perfilados, prontos para a ocupação da Ucrânia. Avistando filho no meio da tropa, não resistiu: atropelou oficiais e guardas, invadiu a formação, abraçando-se a ele, chorando. O soldado manteve inicialmente a postura militar ereta, olhando para frente onde estava os superiores mas, de repente, também desabou em lágrimas abraçado à mãe. 

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Relatório da ONU sobre clima traça cenário alarmante

O Globo

Publicado na segunda-feira, o último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU, conhecido pela sigla em inglês IPCC, deixa claro que os riscos do aquecimento global estão aumentando — e em alta velocidade. Pior: em breve, poderão se tornar maiores que a capacidade da humanidade e da natureza de se adaptar. O documento é resultado do consenso formado nos seis últimos anos por 270 cientistas de 67 países, inclusive o Brasil.

Nas discussões sobre o clima, muitas vezes a opinião pública acaba se sentindo perdida em meio a números e jargões obscuros. Para evitar confusão, basta lembrar que a bússola nesse debate é uma só: a temperatura. A média global já aumentou cerca de 1,1 °C desde o século XIX. O período pré-industrial, antes de a ação humana resultar na emissão de grandes quantidades de poluentes e na devastação de florestas, é usado como a base de comparação.

Caso nada seja feito daqui para a frente, chegaremos a 2100 em algum ponto entre 2 °C e 3 °C de aumento. O relatório do IPCC afirma que a meta estabelecida em 2015 no Acordo de Paris — garantir um aquecimento abaixo de 2 °C — não será suficiente para evitar o pior. Se o aumento de temperatura passar de 1,5 °C, os esforços de adaptação poderão falhar.

Poesia | Carlos Pena Filho: Soneto do desmantelo azul

Então, pintei de azul os meus sapatos
por não poder de azul pintar as ruas,
depois, vesti meus gestos insensatos
e colori as minhas mãos e as tuas,

Para extinguir em nós o azul ausente
e aprisionar no azul as coisas gratas,
enfim, nós derramamos simplesmente
azul sobre os vestidos e as gravatas.

E afogados em nós, nem nos lembramos
que no excesso que havia em nosso espaço
pudesse haver de azul também cansaço.

E perdidos de azul nos contemplamos
e vimos que entre nós nascia um sul
vertiginosamente azul. Azul.