sexta-feira, 4 de março de 2022

Vera Magalhães: Quanto custa a democracia?

O Globo

O Supremo Tribunal Federal encerrou a discussão sobre o valor do fundão eleitoral nesta quinta-feira, ao julgar constitucional a decisão do Congresso que elevou o montante para R$ 4,9 bilhões nas eleições deste ano.

Com isso, depois de três campanhas com gasto inferior ao dos anos anteriores, a eleição de 2022 voltará a um patamar nominalmente igual ao da eleição de 2014, que foi a mais cara da História e custou os mesmos R$ 5 bilhões.

Paulatinamente, os congressistas deram um jeito de recompor o volume de recursos para bancar as próprias eleições, depois de duas eleições municipais e uma nacional de “vacas magras”.

O primeiro pleito depois da decisão do Supremo Tribunal Federal de considerar inconstitucionais as doações de empresas a candidaturas, o de 2016, foi espartano nos valores oficialmente declarados: R$ 650 milhões, segundo as estimativas do TSE. Um corte de nada menos que 48% em relação ao pleito municipal anterior, em 2012. Àquela altura, o fundão eleitoral ainda não tinha sido criado, e as fontes de recursos eram o fundo partidário e doações de pessoas físicas.

Eliane Cantanhêde: A guerra é aqui

O Estado de S. Paulo

Por excesso de dependência, Brasil é pego de calça curta na guerra, como na pandemia

Depois de falar com o russo Vladimir Putin, o francês Emmanuel Macron avisou ao mundo que “o pior está por vir na Ucrânia”. Quem avisa amigo é, e o pior não atinge só a Ucrânia, bombardeada, invadida e ameaçada de extinção, mas também potências e países periféricos. O Brasil não passa ileso.

Os efeitos da guerra em si, e do cerco e das sanções à Rússia, já começam a chegar, não na forma de bombas, tanques e tiros, mas de ameaça ao fornecimento e aos preços de gás, combustível, fertilizantes e trigo. Logo, às famílias, empresas e economia, com mais inflação e juros, menos crescimento e empregos.

Fernando Gabeira: Um novo mundo após o carnaval

O Estado de S. Paulo

Expectativa é de que o próprio Congresso Nacional assuma o debate de como adaptar o Brasil às novas condições provocadas pela guerra

O mundo mudou com a invasão da Ucrânia e sofre mudanças mais profundas ainda com o desastre climático anunciado pelo mais recente relatório da ONU.

Aqui, no Brasil, quase ninguém riu ou brincou, e era carnaval. Estamos ainda na curva descendente da pandemia e, em termos de instituições políticas, não discutimos estratégias. É como se não houvesse amanhã.

A invasão da Ucrânia, entre os inúmeros temas que suscita, mostrou aos europeus que é necessário superar a dependência do gás importado da Rússia. E também revelou ao Brasil que é necessário superar a dependência dos fertilizantes que nos vendem os russos e belarussos.

Reconheço que este tema é árido. No entanto, defendo a ideia de que os candidatos deveriam discuti-lo na campanha, colocando como objetivo a autossuficiência nacional. Em princípio, parece interessar apenas ao agronegócio. Mas é uma ilusão. O tema subjacente é a segurança alimentar, que deve interessar a todos os que lutam para acabar com a fome no Brasil.

Houve um momento, no fim do século passado, em que o País produzia o fertilizante necessário para sua agricultura. Mas, com o tempo, a produção agrícola cresceu mais e descolou-se do ritmo mais lento dos fertilizantes. Isso é um grande problema, porque o solo nacional não é dos mais férteis. Há toxidez com alumínio em 63% das terras, e em 25% elevada fixação de fósforo.

Uma saída tranquila para este impasse só pode ser encontrada em médio e longo prazos. O governo é apenas uma parte da solução, pois a grandeza da tarefa transcende a sua capacidade.

Luiz Carlos Azedo: Guerra da Ucrânia torna China ainda mais forte

Correio Braziliense

Os chineses levam vantagem com a guerra na Europa, embora a narrativa do ocidente quanto à democracia se aplique, também, à liderança de Pequim

O diplomata e estrategista político Henry Kissinger talvez seja o político do Ocidente que melhor conhece a China, onde esteve cerca de 50 vezes. Seu livro Sobre a China é um best-seller até hoje. A proeza dele como diplomata foi conceber e executar a reaproximação entre os Estados Unidos e a China comunista, construindo uma aliança que seria decisiva para o colapso da antiga União Soviética. Seus críticos, porém, questionam a forma subalterna como trata a questão da democracia e dos direitos humanos na China.

A China demorou para aceitar que não era o centro do mundo e que precisaria se integrar a um sistema internacional liderado pelas potências ocidentais. Isso ocorreu na marra, após ser derrotada militarmente pelo Império Britânico. Sem os mesmos recursos, no entanto, os chineses optaram por convidar outros países europeus a estabelecerem postos comerciais no seu território, para provocar e depois manipular a rivalidade entre eles.

Maria Cristina Fernandes: O visionário que previu o conflito

Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Alerta contra a expansão da Otan é o mais lembrado, mas George Kennan também advertiu para o fortalecimento das instituições ocidentais que já não são mais alvo da investida comunista, mas do populismo de direita

No dia 18 de janeiro de 1990, George Kennan, maior conhecedor da Rússia na história da diplomacia americana, chegou ao Comitê de Relações Internacionais do Senado. Tinha 86 anos e viu-se na obrigação de se preparar exaustivamente para falar sobre o estado da arte da relação entre os dois países.

Lá encontrou um único senador, representante de Delaware, 48 anos, e no exercício do seu terceiro mandato. O esvaziamento da sessão “reduziu sobremaneira a qualidade do evento”, disse Kennan, ao considerá-la sua despedida da vida pública.

A melancolia testemunhada por Joe Biden naquela audiência pública foi a de um diplomata que viu se perderem todas as fichas apostadas na suspensão da escalada armamentista. Trinta e dois anos depois, o presidente americano recusa-se a enviar tropas e lidera a política de sanções contra a brutalidade do ataque à Ucrânia.

Cristian Klein: Kiev e o Planalto cercados de delírios

Valor Econômico

Esquerda e direita procuram nova ordem mundial

As primeiras reações à invasão na Ucrânia mostram a direita e a esquerda brasileira, em seus estratos mais empedernidos, ambos desnorteados, num discurso de difícil tração.

A guerra pôs o presidente Jair Bolsonaro em situação constrangedora, de ambiguidade, forçado a falar menos do que pensa. Embora esteja claro que sua simpatia viaje até o Kremlin. O Palácio do Planalto em Brasília está tão cercado de delírios olavistas quanto Kiev de tropas russas.

A esquerda também é assombrada pelos instintos mais primitivos, ainda que justificados com profundidade, digressões e contexto histórico. Desde a eclosão do conflito, há nove dias, vozes progressistas procuram relativizar a agressão de Vladimir Putin lembrando que o imperialismo ianque fez e faz igual em lugares como Iraque ou Afeganistão, com os quais a comunidade internacional parece pouco se importar. O único país a ter atacado outro com bomba atômica foram os Estados Unidos.

A Rússia, herdeira do império soviético, teria razões geopolíticas para proteger seu espaço dos avanços da Otan e do Ocidente, dono da ordem capitalista. Na caixa de ferramentas ideológicas, a chave da Guerra Fria saiu do fundo do armário para dar conta dos novos e graves acontecimentos.

Os principais atores, as duas grandes potências militares, parecem os mesmos rivais de ontem. Mas, de qualquer ângulo, a ação russa, o rastro de destruição, a tragédia humanitária, as ameaças de ataque nuclear são indefensáveis. Não é no autocrata e ex-oficial da KGB que a esquerda vai reviver sonhos de uma sociedade igualitária. Exceto como pastiche de crítica à ordem liberal.

Claudia Safatle: Fé no teto do gasto é a receita de Meirelles

Valor Econômico

Modelo é a política fiscal implementada em São Paulo, que ajudou Estado a fechar o ano com superávit primário

Recuperar a política fiscal ancorada na lei do teto para o gasto público será uma das primeiras medidas a serem anunciadas pelo eventual governo de João Doria, pré-candidato à Presidência da República pelo PSDB. Segundo o ex-ministro da Fazenda no governo de Michel Temer Henrique Meirelles, coordenador do programa de governo de Doria, o teto não perdeu credibilidade ao ser corrompido pelo atual governo, mas sim a política fiscal. “O teto não perdeu credibilidade, o que perdeu credibilidade foi a política fiscal por não se ancorar na lei do teto”, defendeu ele. “Basta, porém, anunciar que vai seguir o teto e o problema estará resolvido na hora”, acredita o ex-ministro e atual secretário de Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo. Meirelles foi o pai da lei que estabeleceu um teto para a variação do gasto público. A lei proíbe aumento real da despesa pública anual, que poderá ser corrigida apenas pela inflação por dez anos, renováveis por mais dez.

Vinicius Torres Freire: Quanto a Rússia vai sofrer

Folha de S. Paulo

Nas previsões, economia russa vai sofrer como a do Brasil dos anos 2010

A economia da Rússia pode encolher de 7% a 10% neste ano por causa das sanções de governos e da debandada de empresas e bancos americanos e europeus. Sim, previsão de crescimento econômico costuma ser chute ruim. No caso da Rússia em guerra com a Ucrânia e sob ataque econômico ocidental, a especulação é ainda mais temerária.

Mas suponha-se que as primeiras previsões menos pessimistas de bancões e similares se confirmem: queda de uns 7% do PIB neste ano e, então, crescimento regular entre 1% e 1,5%. Parece o Brasil da década de 2014 a 2019.

Reinaldo Azevedo: O criminoso Putin desvela a verdade nua

Folha de S. Paulo

Quantos males pode haver na Pandora aberta de Kosovo?

Vladimir Putin violou a Carta das Nações Unidas e o direito internacional. Qualquer que seja o desdobramento de sua ação na Ucrânia, já é o grande derrotado.

Rússia é uma ditadura mitigada. Pós-guerra e sanções, ele só permanecerá no poder com tirania explícita. Cometeu erros, mas contribuiu, apelando a Eça de Queirós, para retirar do tal Ocidente o manto diáfano da fantasia que cobria a nudez forte da verdade.

Potências não podem —ou não deveriam— romper as regras do direito internacional, pretextando ou não a intervenção humanitária. Quantas vezes, no entanto, também os EUA, com ou sem Otan, o fizeram e o farão?

No realismo de um Carl Schmitt (1888-1985), por exemplo, americanos e russos agiram em nome do que importa: a segurança, não os direitos. No plano intelectual, lutemos contra a herança de Thomas Hobbes, resgatando como inspiração moral a Escola Ibérica da Paz, nunca estudada por aqui.

Hélio Schwartsman: Há justificativa moral para guerras?

Folha de S. Paulo

E quanto a terceiros países? Existe um dever de evitar guerras?

Guerras têm implicações morais. Nos dias de hoje, é muito difícil encontrar uma situação que justifique deflagrar um conflito e sacrificar inocentes para alcançar um objetivo político, mesmo que este seja legítimo. Ser arrastado para uma guerra é moralmente mais tranquilo. A parte atacada pode alegar que só repele a agressão, o que é totalmente aceitável.

No caso da Ucrânia, o vilão é Putin. Ainda que, pela lógica do realismo geopolítico, seu pleito de manter Kiev longe da Otan não fosse absurdo, ao ordenar a invasão, o autocrata russo perdeu qualquer filamento de razão que pudesse ter. Ninguém tem o direito de pisar no seu jardim, mas isso não lhe dá o direito de disparar um tiro contra o sujeito que pisa no seu jardim. Reações, inclusive as defensivas, precisam obedecer a um senso de proporcionalidade.

Bruno Boghossian - A guerra de Putin

Folha de S. Paulo

Presidente molda futuro político a partir das repercussões internas da invasão da Ucrânia

A popularidade de Vladimir Putin disparou depois que a Rússia bombardeou a Tchetchênia, em 1999. Os números do então primeiro-ministro passaram dos 80% e abriram caminho para sua eleição à presidência, no ano seguinte. A guerra contra a Geórgia, em 2008, e a invasão da Crimeia, em 2014, também lhe renderam um belo bônus de aprovação.

Conflitos armados são oportunidades para alguns políticos. Em certos casos, os embates despertam na população um sentimento coletivo de união, que acaba se traduzindo em apoio aos governantes. Mesmo quando os disparos ocorrem no exterior, um outro tipo de luta se desenrola dentro das fronteiras.

Ruy Castro: Espião contra espião

Folha de S. Paulo

Os agentes secretos de Biden são mais rápidos que os de Putin. Biden é que é devagar para agir

Há russos infiltrados entre os resistentes ucranianos. Há ucranianos infiltrados entre os invasores russos. A função de uns e de outros é descobrir os movimentos do inimigo, tentar confundi-lo e, se possível, sabotar. Guerra é guerra e, em todas elas, a informação é tão importante quanto a ação armada —pode tanto antecipar um confronto quanto adiá-lo ou até evitá-lo. E mais de uma guerra já foi ganha numa mesa a quilômetros do front, por um especialista que conseguiu quebrar um código impenetrável. Ou perdida, pelo fato de esse especialista ser um operador secretamente a serviço do outro lado.

Flávia Oliveira: O carnaval é uno

O Globo

Em meio ao luto por Petrópolis — até ontem, 232 mortes confirmadas, cinco desaparecidos e 1.007 pessoas em abrigos, segundo a prefeitura local — e a perplexidade pela guerra na Europa, o Rio de Janeiro atravessou um arremedo de carnaval, materializado em festas pagas, blocos clandestinos, celebrações na Cidade do Samba e manifestações tradicionais nas zonas Norte e Oeste, caso dos grupos de clóvis, os bate-bolas. A rede hoteleira faturou, parte da população se divertiu, mas as escolas de samba não atravessaram a Marquês de Sapucaí nem as avenidas Chile e Intendente Magalhães. O Cordão da Bola Preta, para ficar num exemplo de megabloco impedido de desfilar, não lotou a Rio Branco, em razão das — justificadas, mas seletivas — restrições sanitárias pela pandemia.

Na Quarta-Feira de Cinzas, a Liesa divulgou calendário de ensaios técnicos das agremiações do Grupo Especial, em cinco domingos, a partir de 13 de março, antecedendo o que já é perigosamente chamado de segundo carnaval, entre 20 e 24 do próximo mês. Não é de hoje que a indústria do turismo defende data fixa, em detrimento do calendário móvel, que atrapalharia os visitantes e a temporada. Desfile de escola de samba em abril, ainda que coincida com o dia de reverenciar São Jorge (no Rio, Ogum, na Bahia, Oxóssi), é evento carnavalesco. É também necessária reparação de danos à massa de trabalhadores, que amargou vulnerabilidade no par de anos de pandemia. Mas não é carnaval.

Pedro Doria: Um humorista

O Globo

Volodymyr Zelensky, o presidente da Ucrânia, é algo novo. Políticos que usam redes sociais para desinformar, manipular, já conhecíamos. Zelensky está usando as redes como chefe de Estado de país em guerra. E está fazendo isso com um grau de eficiência que nunca vimos. De seu exemplo, inevitavelmente, sairão lições sobre como a democracia e o mundo on-line se encontram.

Com toda a cautela necessária para a comparação histórica, Zelensky é um Churchill. A cautela vem da proporção. Winston Churchill era o premiê britânico quando a Europa continental havia sido engolida pelo nazifascismo e mergulhava na Segunda Guerra. Zelensky é o presidente de um país invadido pelo vizinho imperialista. Estando clara a diferença, o mundo nunca havia visto alguém como Churchill —nunca viu alguém como Zelensky.

Guto Rodrigues*: A Guerra Quente

A guerra é o embate entre civilização e barbárie, eu condeno e não apoio a guerra. Na primeira guerra mundial, os comunistas, pelos mencheviches, Julio Martov e pelos bolcheviche, Vladimir Lenin condenaram a guerra. Não aceitavam que operários fossem morrer pela ambição do capitalismo.

Pensávamos que neste novo século as guerras, flagelos da humanidade como mostra o quadro Guernica de Pablo Picasso, estariam superadas.

As novas tecnologias nos conduziriam a um mundo mais democrático, inclusivo e justo, conectado, solidário com a inteligência e a informação verdadeira e com qualidade de vida, abrindo, portais para a humanidade gozar a paz e a felicidade.

O breve século, assim chamado o século vinte, com seu vetor iconoclasta soterrou os podres poderes, mas dos escombros germinou uma estação distópica encouraçada pela barbárie, o ódio e a intolerância e mais os fakes que impõe a valorização da mentira e o mau-caratismo, são instrumentos usados pela ultra direita. Bolsonaro e seguidores, aqui no Brasil, tentaram legitimar para eleição.

O que a mídia pensa: Editoriais

EDITORIAIS

Guerra não pode ser pretexto para liberar exploração mineral

O Globo

O presidente Jair Bolsonaro vislumbrou na Guerra da Ucrânia, que deverá afetar a importação de fertilizantes pelo agronegócio brasileiro, um pretexto para tentar liberar a exploração mineral em terras indígenas. Se é verdadeira a dependência do país, sobretudo da Rússia e da Bielorrússia, nossos principais fornecedores, a tentativa de desencavar um projeto enviado ao Congresso em 2020, ainda não apreciado pelo Parlamento, não passa de oportunismo político. Quer aproveitar o conflito para tocar mais uma “boiada” sobre as já depauperadas normas ambientais.

Nas redes sociais, Bolsonaro afirmou que, “com a guerra Rússia/Ucrânia, hoje corremos risco da falta de potássio ou aumento do seu preço”. Ainda segundo ele, “nossa segurança alimentar e agronegócio (Economia) exigem de nós, Executivo e Legislativo, medidas que nos permitam a não dependência externa de algo que temos em abundância”. Foi uma referência velada às jazidas de potássio que ele supõe existirem em terras indígenas na Amazônia.