domingo, 6 de março de 2022

Paulo Fábio Dantas Neto*: Cotas raciais ontem e hoje: uma mesma e outra pauta

A Folha de São Paulo publicou, em sua edição de 26.02.2022, matéria assinada por Fernanda Mena, que tem como título "11 signatários de carta de 2006 contra cotas raciais dizem porque mudaram de posição".  O tema é interessante e a matéria também, pela relevância intelectual e social das fontes que a jornalista entrevista, ou menciona. A ponto de me fazer decidir abordar novamente, nesta coluna, um assunto ligado ao grande tema do racismo, depois de tê-lo feito há duas semanas e três artigos atrás. Nenhuma intenção de prosseguir nessa seara, na qual sou mais um interessado, como cidadão e um curioso, como colunista. Mas é que da guerra na Europa já falei na semana passada, assim como das ligas entre a política baiana e a nacional. Essa última, por sua vez, anda aconselhando recesso aos analistas sazonais mais prudentes, tal sua imersão, no momento, em ações de bastidores ligadas justamente à montagem dessas arquiteturas estaduais. Nada a censurar nisso. Creio que a partir de meados deste mês começaremos a ter material de reflexão mais substantivo e concreto, inclusive porque estará ancorado nessas balizas dos arranjos, digamos, federativos. 

Dada a explicação, antes de tratar da matéria que anunciei acima, vou pedir licença aos leitores para cometer o gesto, normalmente antipático, de me citar. E de fazê-lo de modo longo, o que arrisca juntar, à provável antipatia, um risco de enfado. Como se não bastasse, é citação de texto antigo, de quase duas décadas atrás. Com o risco adicional do anacronismo, consuma-se a imprudência. Mas é meu intuito mostrar aos leitores que ouso tratar do tema a partir de inquietações antigas e não ditadas por sua recorrência atual. Como não posso remetê-los à publicação original (A Tarde, ou Tribuna da Bahia, em algum momento de maio de 2004, em página que também não sei precisar) submeto-os à leitura do texto inteiro, que tenho em arquivo pessoal e que aí vai. O título era “Cotas, democracia e incertezas”:

Cristovam Buarque*: Desarmamento nuclear: a voz do Brasil

Blog do Noblat / Metrópoles

Ainda que a bomba só tenha sido usada duas vezes, pelos Estados Unidos, em 1945, sua simples existência é prova de estupidez

A Ucrânia faz lembrar os dias de outubro de 1962 em que olhávamos para os céus querendo saber se Estados Unidos e União Soviética haviam iniciado a guerra nuclear. O mundo temia que isto acontecesse, devido a reação dos norte-americanos contra a existência de foguetes russos em Cuba. Trinta anos depois, o mundo respirou aliviado quando o fim da União Soviética terminou com as razões para a guerra nuclear em escala mundial. Um engano, porque este risco sempre existirá enquanto a tecnologia for capaz de fazer as bombas e a política foi capaz de usá-la. Sessenta anos depois, a história se repete, mudando apenas o fato que, em vez de Cuba cercada pelos Estados Unidos, contra a União Soviética, agora é a Ucrânia cercada pela Rússia, contra foguetes dos Estados Unidos/OTAN. O risco é o mesmo: algum dirigente apertar o botão da guerra nuclear.

Eliane Cantanhêde: Nomes aos bois

O Estado de S. Paulo

Aos fatos: guerra é guerra, condenação é condenação e Bolsonaro não é neutro

Na Rússia, o autocrata Vladimir Putin impõe ao povo russo que guerra não é guerra, invasão não é invasão, só há uma “operação militar especial”. Quem fala o contrário fica sujeito a prisão de 15 anos, o principal jornal de oposição foi fechado, a imprensa está censurada, há restrições ao Facebook e ao Twitter e crianças são bombardeadas com fake news.

Na ONU, Conselho de Segurança, Assembleia-Geral, assembleias emergenciais e Conselho de Direitos Humanos votam pela condenação da Rússia na guerra, mas condenação não é condenação. O texto da Assembleia-Geral não “condena”, só “deplora” a ação russa.

No Brasil, a posição do Itamaraty é a mesma desde a nota no dia da invasão e em todas as manifestações na ONU, pedindo “cessar-fogo” e “suspensão imediata das hostilidades”. Não fala em guerra, como quer a Rússia, nem em condenação, como definiram os conchavos na ONU. Aqui, guerra é “hostilidade”.

Vinicius Torres Freire: Para onde vai a desgraça na Ucrânia

Folha de S. Paulo

Em vez de horror da Tchetchênia, guerra pode ser mais arrastada e daninha para o mundo

A gente lê e ouve dizer que os militares russos podem fazer com Kiev o que fizeram em Grozni, na Primeira Guerra da Tchetchênia (1994-96). Os russos quase cercaram e passaram a bombardear a capital da Ucrânia e outras cidades a fim de impor uma rendição.

Pode ser. Mas Grozni é outra história. Se Vladimir Putin fizer na Ucrânia o que Boris Ieltsin fez na Tchetchênia, terá perdido a guerra de vez.

Ainda assim, Kiev logo ficará sem combustível, talvez sem eletricidade, água, celular, internet e terá pouca comida, como ora a cidade portuária de Mariupol. O povo vai lutar nas ruas ou, no caso extremo e tchetcheno, entre escombros? A resposta importa além da preocupação humanitária ou da curiosidade mórbida.

Janio de Freitas: Onde estão as vítimas da guerra

Folha de S. Paulo

Alheios à tragédia ucraniana são sujeitados a dificuldades por não estarem no perde-ganha das potências

A guerra econômica, financeira, cultural e esportiva dos Estados Unidos e da União Europeia à Rússia realiza um sonho de 105 anos das potências ocidentais.

Desde a extinção do czarismo, só por uma vez a punição destrutiva foi tentada, na guerra civil fomentada por nações ocidentais contra a revolução comunista em 1917, com o Exército Branco dos restauradores derrotado pelo Exército Vermelho.

Mas derrubar Putin e, no mesmo passo, a potência russa, só para os Estados Unidos tem o velho sentido.

O que pesa sobre Putin é mais do que o ataque brutal aos ucranianos. É também o fato de ser uma lembrança ativa da União Soviética.

Bruno Boghossian: O pacote de Guerra de Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Presidente só reconhece urgência para patrocinar mineração e ganhar poder sobre combustíveis

Jair Bolsonaro já demonstrou ser um político pouco habilitado para situações de emergência. Depois que o mundo viu surgir um vírus mortal, o presidente deu de ombros e, por mais de dois anos, sustentou um desinteresse ímpar. Quando a chuva devastou cidades do Sul da Bahia, no fim do ano passado, ele preferiu manter uma programação de passeios de jet ski em Santa Catarina.

A serenidade do capitão se repetiu com a guerra na Ucrânia. Na largada, o Palácio do Planalto esboçou reações tímidas à invasão e se recusou a lançar um alerta para os brasileiros que viviam no país. O primeiro avião da FAB para retirar refugiados da região só deve decolar para a Polônia na segunda-feira (7).

Luiz Carlos Azedo: Um único homem poderia impedir a guerra

Correio Braziliense / Estado de Minas

A expansão da Otan rumo ao leste e os ressentimentos da Rússia de Putin resultaram na invasão à Ucrânia

Jean Jaurés (1859-1914) foi um dos mais destacados pacifistas de seu tempo. Professor de filosofia em Tolosa, tentou conciliar o idealismo e o marxismo. Era um liberal radical que se tornou socialista, integrando a ala direita do Partido Socialista Francês. Em 1897, com Zola e Clemenceau, liderou a campanha em favor de Alfred Dreyfus, o capitão francês injustamente acusado de espionagem pelo alto comando do Exército francês.

Grande orador, lutou contra o militarismo e sempre defendeu a aproximação entre a França e a Alemanha para garantir a paz na Europa. Foi assassinado no dia da declaração da guerra, 31 de julho de 1914, por Raoul Villain, um nacionalista fanático. Foi o principal líder da II Internacional a defender a paz. Quase todos os demais apoiaram a entrada dos seus países na guerra, a começar pelos dirigentes da poderosa Social-Democracia Alemã, que estava no poder. Com exceção de Vladimir Lênin, que defendeu a paz para derrubar a autocracia czarista e, depois, tomar a Rússia de assalto, na Revolução de Outubro.

Míriam Leitão: Estilhaços globais do colapso russo

O Globo

A economia russa caiu num precipício e puxa as outras economias. A globalização atou tanto milhões de fios entre os países que o terremoto que atinge uma nação é sentido por todas as outras. A ideia de que o Brasil não seria afetado pela proibição de venda de fertilizantes não faz sentido. A Rússia não conseguirá vender porque a seguradora não fará o seguro que é obrigatório em qualquer carga. Metade do gás neon do mundo é fabricado pela Ucrânia e o produto é insumo para chips e semicondutores, e isso afeta a indústria de automóveis. Os choques se espalham assim, pelos elos que se formaram em anos de cooperação.

Elio Gaspari: Em 1917, o czar não entendeu nada

O Globo

Não se sabe o que acontece no Kremlin, muito menos o que se passa na cabeça de Vladimir Putin. Passados 105 anos, sabe-se bem o que acontecia nos palácios do czar Nicolau II em 1917.

No dia de hoje, pelo calendário gregoriano, a Rússia Imperial estava em guerra contra a Alemanha e ia mal. A vida doméstica de Nicolau ia pior. Uma de suas filhas e o príncipe herdeiro, Alexei, estavam doentes (era sarampo). A czarina Alexandra ainda não havia se recuperado do assassinato, em dezembro, do monge Rasputin, curandeiro de seu garoto hemofílico. Ela vivia chapada por tranquilizantes. A Corte russa era um serpentário de intrigas e pensava-se até num golpe. Num desses planos, Alexandra seria mandada para um mosteiro.

Nos últimos dois anos, além de Rasputin, a Rússia tivera quatro primeiros ministros, cinco ministros do Interior, três chanceleres, outros três ministros da Guerra e quatro da Agricultura.

Bailava-se nos palácios, mas faltava comida em São Petersburgo e formavam-se longas filas diante das lojas num inverno que levava a temperatura a quinze graus abaixo de zero. Como aconteciam alguns protestos e greves, Alexandra aconselhou o marido: “Eles precisam aprender a ter medo de você. O amor não basta.”

Bernardo Mello Franco: A boiada de Putin

O Globo

Bolsonaro usa guerra como pretexto para liberar garimpo na Amazônia

Jair Bolsonaro quer usar a invasão da Ucrânia como pretexto para liberar a mineração em terras indígenas. Na quarta-feira, o capitão disse que a guerra vai prejudicar a importação de fertilizantes à base de potássio. Logo, seria preciso reduzir a dependência externa de “algo que temos em abundância”.

O truque lembra uma fala célebre de Ricardo Salles. O ex-ministro queria aproveitar a pandemia para “passar a boiada” na legislação ambiental. Agora o presidente quer aproveitar o ataque russo para fortalecer o garimpo. É a boiada de Putin.

O projeto do governo foi apresentado no início de 2020. Parou na mesa do deputado Rodrigo Maia, que prometeu a líderes indígenas não levá-lo a plenário. Com a ascensão de Arthur Lira, o lobby das mineradoras voltou a se assanhar. Antes do conflito no Leste Europeu, a proposta entrou na lista de prioridades legislativas do Planalto.

Dorrit Harazim: O desmundo

O Globo

A ordem emitida sugeria apenas um deslocamento forçado: todos os judeus da cidade de Kiev e vizinhanças deveriam se apresentar às 8 da manhã do 29 de setembro de 1941 na esquina de duas ruas específicas, munidos de documentos, dinheiro e pertences valiosos; além de roupas quentes e lençóis. Quem não obedecesse seria encontrado e fuzilado. O comando nazista que ocupara a cidade uma semana antes esperava atrair não mais de 5 mil vítimas, uma vez que 70% dos 225 mil judeus da cidade já haviam fugido. Restavam, portanto, entre 60 mil e 70 mil, e boa parte deles compareceu ao local.

A logística montada para ludibriá-los foi eficiente, tipo linha de montagem. Mal chegavam, entregavam primeiro os pertences, depois capotes e sapatos, em seguida as roupas do corpo. Até ficarem nus. Tudo muito rápido e atordoante. Quando, finalmente, se aproximavam do ponto em que se ouviam disparos de metralhadora, já era tarde para recuar. Um barranco de 150 metros de comprimento, 30 metros de largura e 15 de profundidade os aguardava. Obrigados a deitar em fila sobre os já executados, cada nova fileira recebia uma rajada de tiros no pescoço. Não é fácil fuzilar individualmente 33.771 mulheres, crianças e homens. Os SSs de Hitler e seus colaboradores locais precisaram de 46 horas para completar o massacre de Babi Yar.

Merval Pereira: Sanções descabidas

O Globo

Não apenas as sanções econômicas, instrumentos eficazes e necessários, atingem a Rússia, mas também as culturais, importante “soft power” do país. Essas, descabidas.  A Rússia trata muito bem seus escritores, pelo menos os mortos. Dostoiévski, Gorky, Tolstói, Tchekhov, Gogol, e, sobretudo, Alexandre Pushkin, poeta considerado o precursor da moderna novela russa, são figuras que dominam as ruas e praças das principais cidades da Rússia, especialmente Moscou e São Petersburgo, terra de Putin. Os locais onde moraram tornaram-se quase todos museus. Mas o mundo está tratando os escritores e artistas russos, do século XIX e os atuais, de uma maneira insana, como se a invasão da Ucrânia transformasse todo artista russo, vivo ou morto, em inimigo da Humanidade, e não seu patrimônio.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Como fica o mundo depois da agressão russa à Ucrânia

O Globo

Em seu pronunciamento ao Congresso na última semana, o americano Joe Biden afirmou que o russo Vladimir Putin “está agora mais isolado do mundo do que nunca”. É sem precedentes o isolamento a que o Ocidente submeteu a Rússia como resultado da agressão à Ucrânia. As sanções foram muito além do esperado.

O bloqueio às transações do banco central russo e a suspensão de outros bancos do sistema de comunicação Swift garrotearam a economia russa. O rublo derreteu a ponto de o Sberbank, maior banco do país, ter de encerrar operações na Europa, pois suas ações viraram pó. A Apple parou de vender iPhones na Rússia. YouTube e Facebook restringiram canais oficiais russos em suas plataformas. Empresas como Ford, BMW, Volkswagen, Boeing, Dell, Ericsson, Nike, Exxon, Shell, BP, Disney e Warner Brothers decidiram suspender ou reduzir negócios na Rússia.

A reação se estendeu para além da economia. O maestro Valery Gergiev, conhecido pela proximidade de Putin, foi demitido da Filarmônica de Munique. A soprano Anna Netrebko e balés russos tiveram de suspender apresentações programadas na Europa. A delegação russa foi banida do festival de cinema de Cannes. A seleção nacional e os times russos foram suspensos da Copa do Mundo e da Eurocopa. O lançamento de satélites ocidentais por foguetes da Rússia foi cancelado, e surgiu dúvida até sobre o futuro envolvimento russo na Estação Espacial Internacional.