segunda-feira, 21 de março de 2022

Fernando Gabeira: Mundo fora do eixo

 

O Globo

‘Time is out of joint.’ Essa frase de Hamlet me veio à cabeça quando fui questionado num almoço sobre a guerra na Ucrânia.

Na penumbra da cozinha, tinha de falar do tema, sem consultas ou fichas. Apenas com o pouco que aprendi. Parecia um personagem de Harold Pinter: um andarilho que se abrigou na cozinha de um grande restaurante, e começaram a fazer pedidos de pratos extravagantes, enquanto ele tinha apenas um pequeno farnel.

A frase de Shakespeare equivale a dizer que o mundo está fora do eixo. Mas não é novidade, não explica. Bertolt Brecht disse uma vez que, no fundo, todos os artistas têm como tema esta frase: “Time is out of joint. Assim como no verso de Caetano Veloso: “Alguma coisa está fora, fora da nova ordem mundial”.

As coisas corriam assim: a China ampliava sua riqueza e influência no mundo, e os Estados Unidos viviam uma decadência. Nada indicava que a China, no momento, quisesse algo mais do que ampliar sua riqueza e influência no mundo.

Mas havia Putin, querendo reescrever o passado. É o movimento mais perigoso. Antigo quadro da KGB em Dresden, não se conformou com a derrocada da União Soviética.

Carlos Pereira*: Escapamos por sorte?

O Estado de S. Paulo

Instituições políticas e atuação das organizações de controle garantem solidez da democracia

Steven Levitsky (Harvard University) argumentou em entrevista à Folha de S.Paulo que a democracia brasileira sobreviveu a Bolsonaro não por vitalidade das suas instituições nem tampouco por um compromisso do brasileiro com a democracia, mas por um lance de “sorte”, que seria o fato de Bolsonaro não ter construído maiorias legislativas e, portanto, não ter tido força necessária para manipular e subordinar as instituições ao seu projeto autoritário.

Essa argumentação parte da suposição de que as instituições e a própria sociedade são vítimas indefesas de autocratas. Levitsky não percebe que, diferente do bipartidarismo americano, o multipartidarismo no Brasil funciona como um antígeno institucional endógeno contra iniciativas extremas e/ou iliberais, tanto de populistas de direita quanto de esquerda. Desde 1986, por exemplo, nenhum presidente saiu das urnas com mais de 20% de cadeiras no Legislativo. Ou seja, a condição minoritária de Bolsonaro não é uma exceção.

Demétrio Magnoli: Guerra Fria, mas outra

O Globo

Francis Fukuyama profetizou, 30 anos atrás, no rastro da implosão da URSS, o triunfo final da democracia liberal. O eterno otimista prevê agora a derrota militar total da Rússia no teatro de guerra da Ucrânia, a consequente queda de Putin e, “graças aos bravos ucranianos”, o renascimento do “espírito de 1989” (American Purpose, 10/3). Exceto na hipótese improvável de que ele acerte na mosca, a guerra de agressão russa anuncia uma segunda Guerra Fria.

O ex-secretário de Defesa Robert Gates sintetizou o consenso bipartidário que se delineia na superpotência ocidental: “Enfrentamos uma confrontação global de duração indeterminada com duas grandes potências que compartilham o autoritarismo interno e a hostilidade aos EUA” (The Washington Post, 3/3). Seu diagnóstico é um eco nítido do telegrama de 1947, assinado em código por Mr. X, o diplomata George F. Kennan, que inspirou a Doutrina da Contenção.

Bruno Carazza*: Não é questão de ego, mas de estratégia

Valor Econômico

Unificar terceira via não faz sentido para candidatos e partidos

Nos últimos meses, análises sobre a viabilidade de uma alternativa a Lula e a Bolsonaro nas eleições de 2022 dominam boa parte do noticiário. Com o início da propaganda partidária no rádio e na TV, a abertura da janela para troca de legendas e a proximidade da data máxima para o registro das federações, as especulações ganharam ainda mais força.

O que estimula tanta discussão, além do inconfesso desejo de muitos analistas, está justamente na contradição de que muitos nomes foram colocados, mas nenhum até agora empolgou o eleitor.

As pesquisas recentes indicam que em torno de um quarto do eleitorado não gostaria de ver nem Bolsonaro e nem Lula recebendo a faixa presidencial. Esse percentual seria o bastante para colocar uma terceira opção no segundo turno, zerando o jogo da disputa eleitoral. O problema é que esse caminho está ultracongestionado com Ciro Gomes (PDT), Sergio Moro (Podemos), João Doria (PSDB), Simone Tebet (MDB) e muito provavelmente Eduardo Leite (PSD?).

Sergio Lamucci: Guerra e eleição pesam sobre economia em 2022

Valor Econômico

Em resumo, o que se projeta para 2022, percorrido quase um trimestre, é um ano de inflação resistente, crescimento muito baixo e juros muito altos

O primeiro trimestre se aproxima do fim, e as perspectivas para a economia brasileira em 2022 apontam para um cenário de inflação mais alta do que se projetava no começo do ano, o que deverá exigir um nível de juros muito elevado. A atividade econômica, por sua vez, terá pouco fôlego, ainda que o Produto Interno Bruto (PIB) possa não recuar neste ano, como estimavam alguns analistas. Ainda assim, o mais provável é um crescimento na casa de 0,5% ou menos.

A guerra entre Rússia e Ucrânia é o fator que tornou o cenário muito mais incerto. O conflito jogou para cima os preços de commodities, elevando ainda mais as pressões inflacionárias num país que convive há meio ano com o índice de preços ao consumidor acima de 10% no acumulado em 12 meses. O Goldman Sachs aponta cinco canais de transmissão dos efeitos da guerra para a América Latina, dos quais apenas um tem impacto positivo, e só em parte - justamente a alta das cotações das commodities. Se de um lado ela favorece a renda dos exportadores de produtos básicos, de outro significa inflação mais elevada.

Gustavo Loyola*: Reação eleitoreira agrava a crise

Valor Econômico

Não parece fazer sentido fazer uma mudança permanente na estrutura de tributação dos combustíveis para enfrentar situação conjuntural do mercado

Não resta dúvida que a invasão da Ucrânia pela Rússia traz inúmeros desafios para a economia global. Considerando que as relações comerciais e financeiras do Brasil com os países beligerantes são limitadas, as repercussões sobre nosso país são majoritariamente de natureza indireta, derivadas do aumento do preço das commodities e da redução do crescimento mundial, além do maior aperto nas condições financeiras globais. A única exceção, talvez, seja o possível impacto direto da possível escassez no mercado internacional de fertilizantes necessários na agricultura brasileira, como é o caso do potássio.

A crise no Leste Europeu ocorre num momento especialmente delicado para a economia brasileira, em que as incertezas eleitorais e os atentados ao arcabouço fiscal já vinham cobrando seu preço e em que o forte aperto monetário em curso também já representava um vento contrário à atividade econômica em 2022, fazendo com que as expectativas de crescimento do PIB estivessem praticamente em zero.

Mirtes Cordeiro*: Violência nas escolas: uma breve reflexão

Quando a violência acontece na escola, impacta de forma negativa o desenvolvimento da criança por toda sua vida.

Violência nas escolas é um grande problema. Não só prejudica a aprendizagem como interfere no cotidiano da escola, deslocando-a dos seus objetivos e destituindo a autoridade pedagógica.

A violência, de um modo geral, tem sido cada vez mais frequente na relação entre os seres humanos no mundo moderno, até mesmo mais sofisticada, porque seus estágios, se é que se pode escalonar, estão também relacionados ao desenvolvimento das tecnologias.

As redes sociais têm sido abrigo transmissor de violência na medida em que atualmente tem sido comum que crimes aconteçam e se organizem através da comunicação por elas oferecidas. O problema, no entanto, não é da comunicação nas redes, mas da capacidade que o ser humano desenvolve no plano da maldade, em função da ganância pelo poder.

As escolas, como um ente da sociedade, têm sido um ambiente no qual prospera a violência de várias formas, internamente e no ambiente que as rodeiam, daí a complexidade no trato dessa questão para que os objetivos e a ação pedagógica da escola possam ser preservadas.

Um estudo realizado pela UNESCO em 2016 identificou que nas escolas os alunos não estão mais seguros do que na rua e que a violência atinge as escolas públicas e particulares. “Professores e alunos convivem com as ameaças decorrentes de atividades criminosas: tráfico de drogas, posse de armas e atuação de gangues… quarenta por cento dos professores atribuem o problema da violência nas escolas ao envolvimento de alunos com o tráfico”.

A situação de violência descrita pela UNESCO foi atenuada pela pandemia com o fechamento das escolas.

Marcus André Melo*: Democracia no Leste

Folha de S. Paulo

Legado autoritário e hegemonia regional autocrática explicam vicissitudes da democracia

Montesquieu referiu-se ao "império das planícies" para explicar o despotismo da "Moscóvia à Grande Tartária". O diagnóstico continua atual: o Leste Europeu, e adjacências, com raras exceções, caracteriza-se por regimes iliberais, muitos com traços sultanísticos.

O surgimento da democracia como arranjo institucional assumiu a forma de ondas: a primeira delas (1820- 1922) envolvendo 29 países; a segunda (1945- 1962), 36. Só na terceira (1974- 2000) alcançou o Leste Europeu e os Balcãs; processo acelerado pela dissolução da União Soviética, em 1991. A menos traumática foi a absorção da Alemanha Oriental na nova Alemanha unificada. No outro extremo, a Belarus permanece bastião autocrático.

Em nenhum dos países do Leste Europeu ocorrera alternância no poder em eleições competitivas e pacíficas na história pré 1991. Eis o padrão comum à região com pequenas variações: monarquias autoritárias (califados), ditaduras militares, regimes comunistas. No pós-guerra, as manifestações democráticas nos países com vida parlamentar pregressa e de maior renda (Alemanha,1953; Hungria, 1956; Checoslováquia, 1968) enfrentaram os tanques soviéticos.

Celso Rocha de Barros: Combate à corrupção no pós-Jair

Folha de S. Paulo

Reação à Lava Jato deixou de ser estratégia e virou só saque generalizado

Esse é um momento ruim para falar de corrupção no Brasil. Nós, brasileiros, passamos quatro anos em uma cruzada contra a corrupção.

Quando a cruzada acabou, tínhamos um orçamento secreto no valor de três petrolões, promovido por um presidente que faz 'rachadinha' com miliciano, não comprou vacina porque vinha sem suborno e queria dar um golpe para poder roubar sem o STF lhe enchendo o saco.

Seria, enfim, um exagero dizer que a coisa toda foi um sucesso.

Mesmo assim, está cada vez mais claro que a reação à Lava Jato perdeu a direção e saiu de controle.

Alguma reação do sistema político à Lava Jato era inevitável, e ela veio forte, dos áudios do Jucá até Augusto Aras. Mas quando o processo saiu das mãos dos grandes partidos e passou para o baixo clero de Lira, Bolsonaro e Aras, ela deixou de ser uma estratégia e passou a ser só saque generalizado.

Lygia Maria: Liberal não apoia censura

Folha de S. Paulo

Ação contra filme de Gentili expõe as contradições do bolsonarismo

O Ministério da Justiça ordenou a retirada de um filme de comédia de diversas plataformas de streaming. O motivo alegado foi apologia à pedofilia, apesar de não haver apologia alguma (o personagem pedófilo é o vilão do filme e não há cena de ato sexual com criança). Ou seja, o Estado censurou uma obra artística como se estivéssemos em plena ditadura.

A censura veio de uma exigência de bolsonaristas e é aí que percebe-se a dissonância cognitiva dessa turba. Durante a pandemia, o argumento da liberdade individual foi usado para defender a postura anti-vacina, mas, desde as eleições, bolsonaristas adoram se colocar como baluartes do liberalismo, citando autores neoliberais como Hayek nas redes sociais.

Alvaro Costa e Silva: No eterno Febeapá

Folha de S. Paulo / Ilustríssima

Stanislaw Ponte Preta, heterônimo de Sérgio Porto, fustigou as arbitrariedades e a estupidez da ditadura militar em seu célebre Festival de Besteira que Assola o País, sucesso na imprensa e em livros nos anos 1960. Estivesse vivo, o escritor estaria mais atarefado que nunca nesses tempos bolsonaristas.

Se dependesse de Sérgio Porto, a "sua" Copacabana —onde ficavam a casa na rua Leopoldo Miguez em que nasceu e cresceu e muitas pensões para jovens— jamais mudaria. Não teve jeito: a casa da infância foi demolida para a construção de um edifício, mesmo destino das pensões alegres na orla da praia.

Durante o dia, Sérgio trabalhava no Banco do Brasil. Como cronista da noite, usava terno e gravata, sapatos lustrosos. Nas peladas da praia, pegava no gol, e seus cabelos castanhos claros sempre estavam aparados e alinhados. O melhor jazz era o de Nova Orleans; o melhor samba, o tradicional (ainda não se dizia "de raiz").

Nascido há quase cem anos, em janeiro de 1923, homem do seu tempo, gentil, inteligente e espirituoso, aos olhos de muita gente ele era um conservador —na antiga acepção da palavra, não um "conservador" como conhecemos hoje nas mídias sociais—, cujo comportamento em nada lembrava o anarquismo de Stanislaw Ponte Preta, seu famoso heterônimo. Até que veio o golpe militar de 1964.

Na verdade, Sérgio Porto era um democrata, a quem aquela história de consertar o Brasil e acabar com o comunismo, botando tanques na rua para assumir o poder, não cheirava nada bem.

Com um general na Presidência, o próprio Stanislaw mudaria de tom e conversa, não abandonando as crônicas e anedotas de humor nem seu alvo preferido de antes, a classe ociosa das colunas sociais, mas passando a castigar os novos modos e costumes da "redentora", como ele costumava se referir ao regime recém-implantado.

No mesmo ano de 1964, Stanislaw Ponte Preta publica "Garoto Linha Dura", título que já alude ao ambiente pesado do país, sobretudo à perseguição política, censura e deduragem. "Escolhi para título a história do garotinho que se deixou influenciar pelo mais recente método de democratização posto em prática no Brasil", explica o autor na nota que abre a coletânea.

Pedrinho, o tal garoto linha-dura, para fugir do castigo por ter quebrado uma vidraça jogando futebol na rua, entrega um colega e diz ao pai: "Esse menino do vizinho é um subversivo desgraçado. Não pergunta nada a ele não. Quando ele vier atender a porta, o senhor vai logo tacando a mão nele".

Wilson Gomes*: Primeiramente, com licença

Folha de S. Paulo / Ilustríssima

Já que estou chegando, permita que eu me apresente nos meus termos, antes que tome as suas próprias decisões

Já que estou chegando, e pode acontecer de a gente passar um tempinho juntos aqui, permita que eu me apresente nos meus próprios termos, antes que tome as suas próprias decisões, como é justo que o faça. São tempos difíceis, de raiva fácil, ódio espesso e julgamentos expressos, ainda mais quando se toca em política, e política é hoje tudo.

Não é que eu queira estragar a brincadeira "eu sei qual é a sua ideologia", a partir da qual hoje se decide que tipo de afeto e atenção o pobre escriba há de merecer. É só para oferecer o meu ponto de vista sobre a legítima questão "quem é o sujeito parado à nossa porta, chapéu na mão, ainda sem saber se pode entrar?". Dê licença, então.

Liberal. Sou bem liberal. Contra o absolutismo e por direitos e garantias individuais até a medula. Acredito em competição, merecimento, responsabilidade individual e tenho o maior respeito pelo individualismo. Acho que cada um deve viver a sua vida como bem lhe parece.

Podia ter dito progressista, mas sustento propositalmente que sou liberal em um país em que, para a esquerda, liberalismo não é o oposto do absolutismo, mas um outro nome para capitalismo, e liberal é basicamente o sujeito egoísta que odeia o Estado e não gosta de pagar impostos. Essa caricatura está para o pensamento liberal como a doutrina que pregam Malafaia e Marco Feliciano está para o cristianismo, quer dizer, é uma versão ruim e discutível e, mais importante, uma camuflagem.

Psicanalista questiona designações identitárias

Elisabeth Roudinesco, biógrafa de Freud e de Lacan, aponta, em novo livro, os perigos da ‘hipertrofia do eu’

Guilherme Evelin, O Estado de S. Paulo / Aliás

Terminologias O identitarismo, acredita a autora, é acompanhado de linguagem que obscurece as situações reais

Elisabeth Roudinesco notabilizou-se como historiadora da psicanálise, autora de biografias sobre Sigmund Freud e Jacques Lacan e de um Dicionário de Psicanálise. Com Eu Supremo – Um Ensaio sobre as Derivas Identitárias, recém-lançado no Brasil (Zahar, 304 págs., R$ 74), ela faz sua intervenção no debate incandescente sobre a questão identitária. O livro é um libelo contra as “designações identitárias” que, segundo ela, reduzem o ser humano a uma experiência específica e tentam acabar com a natureza do que é distinto. A autoafirmação de si, escreve Roudinesco no prefácio do livro, leva à hipertrofia do eu, em que “cada um tenta ser si-mesmo como um rei, e não como um outro” e consolida tendências de isolamento. Em contraponto, diz ela, é preciso reforçar a existência de uma identidade universal, que é múltipla e inclui o estrangeiro. No livro, Roudinesco fala com admiração da obra de Gilberto Freyre, da mestiçagem e da existência de um “hibridismo barroco” no Brasil.

O ensaio é uma genealogia do que Roudinesco chama de “derivas identitárias” – a metamorfose de movimentos sociais que, no começo do século 20, buscavam a emancipação, o progresso e a transformação do mundo para melhor em movimentos de afirmação de identidade, que buscam exprimir indignação ou o desejo de visibilidade e reconhecimento. Para ilustrar os perigos dos sectarismos identitários, Roudinesco evoca sua participação em um colóquio sobre psicanálise em 2005 no Líbano, país com 17 comunidades religiosas, cada uma com sua legislação e jurisdições próprias, e habituado a viver em guerra. Ao ser questionada por um anfitrião se seria cristã ortodoxa, por causa do sobrenome, Roudinesco teve de responder que seu pai era judeu-romeno, sua mãe era de uma família protestante de origens alemãs, mas ela era ateia, sem ser anticlerical, e se identificava apenas como cidadã francesa. Tempos depois, um dos participantes do colóquio e o filho do anfitrião morreriam em atentados a bomba em Beirute. Apesar da crítica às “derivas identitárias”, Roudinesco enfatiza que o maior perigo é o ressurgimento do identitarismo de extrema direita, ancorado numa tradição de racismo e antissemitismo com profundas raízes no Ocidente.

A seguir, trechos da entrevista de Roudinesco ao Estadão sobre o livro.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Fim da pandemia não deve se basear em critérios políticos

O Globo

Ganha força no Ministério da Saúde o movimento para “rebaixar” a pandemia do novo coronavírus a uma endemia, para aliviar normas excepcionais em vigor no país há dois anos. É natural que, com a queda no número de mortos e infectados pela Covid-19 nas últimas semanas, sejam revistas decisões tomadas no início de 2020, quando o então desconhecido Sars-CoV-2 começava a assombrar o mundo. Mas a única autoridade com poder e credibilidade para esse “rebaixamento” é a Organização Mundial da Saúde (OMS). Além disso, é uma decisão que deve ser tomada com base em critérios epidemiológicos, e não político-eleitorais.

Preocupa que o assunto tenha sido antecipado pelo presidente Jair Bolsonaro. No início do mês, ele anunciou numa rede social que, em virtude da melhora no cenário epidemiológico, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, estudava “rebaixar para endemia a atual situação da Covid-19 no Brasil”. Bolsonaro sempre quis decretar o fim da Covid-19 na marra. Em abril de 2020, dizia que o vírus estava “começando a ir embora” — o pesadelo estava só começando. Em outubro daquele ano, afirmou que a pandemia estava acabando e ironizou a pressa em comprar vacinas.