quinta-feira, 21 de abril de 2022

Opinião do dia – Luiz Werneck Vianna*: ‘Ouvir os sinais’

Os democratas de todos os matizes não podem desconhecer a grandeza do gesto desses dois veteranos da nossa política. Não é hora de remoermos antigas feridas, mas da procura do interesse comum que não pode prosperar sem a entrega de cada qual à missão libertadora de devolver à sociedade a capacidade de decidir democraticamente sobre seu destino.

Quem disser que é tarefa fácil estará mentindo, as forças contrárias são muitas e sabem se unir, e conhecem por lições sabidas as artes de nos dividir com cantilenas sedutoras que nos afastem de um caminho seguro que é o da nossa unidade em favor da democracia que é a nossa via única.

*Luiz Werneck Vianna, Sociólogo, PUC-Rio. “Ouvir os sinais de perigo”, Blog Democracia Política e novo Reformismo, 20/4/22.

Merval Pereira: Clima belicoso

O Globo

O projeto de criar um ambiente que possa levar a uma revolta popular semelhante à que aconteceu nos Estados Unidos depois da derrota de Trump na eleição de 2020 está sendo cuidadosamente tecido pelo presidente Bolsonaro e por seus apoiadores mais radicais. Inclui até mesmo altas patentes das Forças Armadas, especialmente do Exército. Além das redes sociais bolsonaristas.

O presidente Bolsonaro, dia sim, outro também, se refere publicamente às eleições de outubro como se estivessem sob risco, insistindo na desconfiança das urnas eletrônicas, mesmo depois de o voto impresso ter sido derrotado no Congresso, e com todas as garantias de segurança renovadas e aumentadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Ao mesmo tempo, intensifica-se a campanha a favor das armas de fogo, e diversos órgãos do governo trabalham pela ampliação de seu porte e seu uso por cidadãos comuns. Ainda como secretário de Fomento à Cultura do governo, André Porciuncula, um ex-PM, anunciou numa reunião de um grupo armamentista que poderia liberar uma verba para que filmes, podcasts, áudios fossem usados para defender a política do governo. “Pela primeira vez vamos colocar um projeto da Rouanet num evento de arma de fogo”, disse, rindo. “Vai ser bacana.”

Porciuncula, numa conclamação implícita à população, diz que “arma de fogo não é só para você combater a criminalidade comum, é mais que isso, é criminalidade de Estado”. Quando fala em “criminalidade de Estado”, Porciuncula, claro, não está acusando o governo de que faz parte de crimes contra os cidadãos. Ele quer dizer é que o povo tem de se armar para se defender de um eventual governo de esquerda, que cometerá “crimes de Estado”.

Malu Gaspar: Um fóssil que anda

O Globo

Mesmo dizendo que não comentaria os áudios de sessões do Superior Tribunal Militar divulgados no final de semana pela jornalista Míriam Leitão no GLOBO, o presidente da Corte, Luis Carlos Gomes Mattos, comentou.

Embora visivelmente incomodado, ele disse que nem ligou. Também certamente sabia que a reportagem mostrando as discussões sobre a tortura imposta a presas políticas da ditadura baseou-se em gravações do próprio tribunal, franqueadas a um advogado por decisão do Supremo Tribunal Federal e analisadas por um historiador experiente.

Ainda assim, preferiu lançar suspeitas. “Simplesmente ignoramos uma notícia tendenciosa daquela, que nós sabemos o motivo, né?”

É curioso que um oficial que preside a mais alta Corte militar e se professa um guardião da hierarquia, da disciplina e da correção não se constranja em fazer insinuações desse naipe.

Mattos diz que as informações sobre a tortura são tendenciosas. Por quê? Não acredita que houve tortura no regime militar? Acha que os áudios são montados? Não quer que esses fatos históricos sejam lembrados?

O próprio Mattos deu uma pista, na sessão do STM: “Hoje vão buscar o passado, rebuscar o passado. Só varrem um lado, não varrem o outro. E é sempre assim”.

É comum os defensores da ditadura argumentarem que o regime apenas reagiu ao terrorismo dos opositores. Mas os próprios áudios não mostram apenas que torturas como a sofrida por Míriam de fato ocorreram. Eles também deixam patente o constrangimento dos magistrados.

Num determinado momento, o almirante Júlio de Sá Bierrenbach afirma: “O que não podemos admitir é que o homem, depois de preso, tenha sua integridade física atingida por indivíduos covardes, na maioria das vezes, de pior caráter que o encarcerado”.

Como o general Mattos também deve ter tomado conhecimento dos fatos, o problema provavelmente é outro. Como diz Carlos Fico, o historiador que vem ouvindo e organizando as gravações do STM há cinco anos, a reação do presidente do tribunal evidencia uma enorme dificuldade em prestar contas à sociedade.

Míriam Leitão: O general do STM perdido no tempo

O Globo

Qual é a tendência da notícia que trouxe as falas dos ministros do Superior Tribunal Militar (STM) sobre os casos de tortura? Fardado, em português claudicante, com visão persecutória, o general Luís Carlos Gomes de Mattos, atual presidente do STM, acusou a notícia dada por esta coluna de “tendenciosa”. Segundo ele, “a gente já sabe os motivos do por quê” a informação está sendo divulgada agora. Ora, os motivos: a tortura existiu, os ministros do STM falaram dela abertamente, e agora, graças ao esforço de advogados e historiadores, essas vozes saíram do túnel do tempo. Túnel no qual está perdido ainda o general Gomes de Mattos.

O que me impressiona em algumas reações aos áudios, como a do presidente do STM, e a do vice-presidente da República, é a falta de visão estratégica sobre a imagem das instituições. Falta inteligência institucional. Ao reagir como reagiu, Gomes de Mattos vinculou o tribunal de hoje àquele antigo que fez o papel de tribunal de exceção. Quando diz que a notícia é um ataque ao Exército, Marinha e Aeronáutica, o ministro liga as Forças Armadas de hoje ao que houve de pior na ditadura militar.

STF condena Silveira por ataque à democracia

Supremo decidiu que deputado deve cumprir pena de 8 anos e 9 meses de prisão e perder direitos políticos

Mariana Muniz / O Globo

BRASÍLIA — A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) desta quarta-feira de condenar o deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) a 8 anos e 9 meses de prisão, além da perda do mandato e dos direitos políticos, não deve ter efeito imediato.

Como a defesa ainda pode recorrer à própria Corte, a execução da pena ainda depende de algumas condições. Enquanto isso, Silveira continuará em liberdade e no exercício de suas atividades parlamentares.

A condenação do parlamentar foi decidida por 10 votos a 1. Dos favoráveis, oito deles seguiram integralmente o voto do relator, o ministro Alexandre de Moraes. Apenas Nunes Marques votou pela absolvição do deputado. André Mendonça, por sua vez, votou pela condenação de Silveira à pena de dois anos em regime aberto e multa de R$ 91 mil pelo crime de coação previsto no artigo 344 do Código Penal, divergindo em parte de Moraes, sobre a aplicação do crime previsto da Lei de Segurança Nacional. O voto do magistrado, no entanto, foi derrotado, já que a maioria acompanhou o relator.

Luiz Carlos Azedo: O imaginário da Independência

Correio Braziliense

A construção do imaginário dos Inconfidentes está mais associada ao movimento republicano do final do século XIX do que à Independência do Brasil, que viria a ser proclamada por D. Pedro I

Aproveito o aniversário de Brasília, que completa hoje 62 anos, para falar da data escolhida por Juscelino Kubitschek para sua inauguração e dos heróis da Inconfidência. É uma história cruenta. No Brasil colonial, líderes rebeldes eram enforcados, esquartejados, e suas cabeças expostas em praça pública, por decisão das autoridades, como forma de intimidar os que desejavam se livrar do jugo português, das injustiças e da exploração.

Mesmo assim, o espírito de sedição era forte: no dia da morte do alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, líder da Conjuração Mineira, por exemplo, um sino tocou cinco vezes durante a execução, apesar das proibições; e a cabeça de Tiradentes foi roubada, na primeira noite de sua exposição, em Vila Rica, hoje Ouro Preto, frustrando a overdose de crueldade de sua sentença. A imagem de Tiradentes barbudo e cabeludo como Jesus Cristo faz parte do imaginário popular; no dia da sua execução, estava de cabeça raspada e sem barba. A casa de Tiradentes foi arrasada, o seu local foi salgado, as autoridades declararam infames todos os seus descendentes.

Maria Hermínia Tavares: Semipresidencialismo pode ser elegante, mas é inócuo

Folha de S. Paulo

Sistema não serviria para defender a democracia de inimigos autoritários

A mudança do sistema de governo voltou à agenda pública pelas mãos do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). Ele criou um grupo de trabalho, formado por nove colegas, para discutir o semipresidencialismo, sob a liderança de Samuel Moreira (PSDB-SP), que assina o plano de trabalho no qual se justifica a iniciativa.

A seu ver, trata-se de encontrar mecanismos para lidar com crises políticas que oponham de forma irremediável Executivo e Legislativo e incentivar os parlamentares da coalizão situacionista a assumir efetiva responsabilidade pelas políticas adotadas pelo governo que apoiam.

Ruy Castro: Os cínicos e os burros

Folha de S. Paulo

Uns e outros podem acabar batendo continência para Daniel Silveira

Não, o assunto não morreu. Nem pode. Confrontado com os áudios em que antigos juízes do Superior Tribunal Militar reconheceram a prática de tortura na ditadura militar, o tosco atual presidente do STM, general Luís Carlos Gomes Mattos, disse, "Eles não estragaram a minha Páscoa". Na véspera, o vice-presidente, general Hamilton Mourão, foi ainda mais grosseiro: "Os caras já morreram tudo, pô. Vai trazer os caras de volta do túmulo?". O deboche e a crueldade são iguais, mas não a personalidade de cada um.

Mourão é cínico, assim como seus colegas de farda Augusto Heleno e Braga Netto. Sabem que Jair Bolsonaro está desmontando o país, com resultados que revoltariam até os generais da ditadura. Mas já não têm saída exceto seguir com ele, ao lado de cínicos profissionais como Augusto Aras, Marcelo Queiroga, Paulo Guedes, Arthur Lira, Silas Malafaia e outros juízes, políticos e evangélicos.

Alexa Salomão: Silencioso desastre na educação

Folha de S. Paulo

Brasil nunca conseguiu bons desempenhos no Pisa

Nem pais, pedagogos ou professores têm dúvidas de que o afastamento da sala de aula durante dois anos de pandemia vai se traduzir em dificuldades de aprendizagem para boa parte das crianças e adolescentes menos privilegiados do Brasil. Com limitações financeiras para acessar equipamentos e sistemas de internet, o ensino a distância foi uma quimera para boa parte dos estudantes.

É difícil conseguir medir neste momento, mas seria ingenuidade imaginar que a instabilidade no MEC (Ministério da Educação) também não vai apresentar a sua fatura na qualidade da formação dos brasileiros nestes quatro anos de governo de Jair Bolsonaro.

Não há como o aprendizado não refletir a instabilidade de termos cinco ministros da Educação em um período de menos de quatro anos, de vermos verbas manipuladas por pastores, obras em escolas paralisadas, além de uma silenciosa máquina de costumes conservadores atuando em estados e municípios.

Vinicius Torres Freire: Como a Rússia vai à breca

Folha de S. Paulo

Inflação explode e recessão já começa, apesar da alta do rublo e do dinheiro do petróleo

A moeda russa vale tanto quanto na semana anterior à do início da guerra. Um dólar comprava 77 rublos nesta quarta-feira, 20 de abril, ante 75 rublos nos dias que antecederam a invasão da Ucrânia. O dólar chegou a custar 120 rublos em março. Os dados são do Banco Central da Rússia (BCR),

A taxa básica de juros do BCR, a Selic deles, passou de 9,5% para 20% no dia 28 de fevereiro. No dia 11 de abril, baixou a 17%.

O superávit das contas externas da Rússia não era tão bom fazia anos. As vendas de bens e serviços, as exportações, superaram as importações em US$ 66,3 bilhões no primeiro trimestre deste 2022. No primeiro trimestre de 2019, eram de US$ 41,1 bilhões.

William Waack: Cenário de risco das eleições

O Estado de S. Paulo

Preocupação das consultorias especializadas é o País não encontrar caminho para crescer

No cálculo de riscos políticos e econômicos em relação às eleições brasileiras o horizonte já é o do pós-eleitoral. Essa postura indica que as consultorias assumem que Lula será o vencedor e o estrago institucional bolsonarista permanecerá nos limites do último 7 de Setembro, quando Bolsonaro demonstrou ser incompetente e não controlar forças para um golpe.

As mesmas análises dirigidas sobretudo a investidores fora do País consideram o conjunto de forças do Centrão um fator de estabilidade. Em outras palavras, um presidente como Bolsonaro, que já não governa, está limitado em suas estripulias institucionais. E Lula, que sem o Centrão não governa, estará contido em suas estripulias econômicas (como reverter reformas trabalhista e previdenciária).

No panorama geral, o próximo presidente lidará com um cenário internacional perigoso, mas paradoxalmente favorável a grandes produtores de commodities, como o Brasil. Considera-se que fatores negativos como a inflação global, a subida de juros nas economias centrais e o rompimento de cadeias produtivas globais (que aumentam custos em todos os setores) serão mais do que compensados pelos preços de produtos que latino-americanos exportam.

O dólar a R$ 4,60 já seria o termômetro disso. Diante do que acontece relacionado à guerra na Ucrânia – a retirada em massa de grandes empresas da Rússia – e o agravamento das relações da China com o EUA e a Europa, a América Latina em geral e o Brasil em particular estão sendo vistos por investidores internacionais como lugares razoavelmente “tranquilos” e “seguros”. Tem outro para onde ir?

As mesmas consultorias de risco assinalam, porém, que os problemas de fundo começam no pós-eleitoral brasileiro. O mais evidente deles é que nenhum dos líderes nas pesquisas indicou até aqui como pretende tirar o País da estagnação, marasmo em produtividade e medíocre crescimento econômico das últimas décadas. E o “fator estabilidade” do Centrão é, ao mesmo tempo, a garantia de que não surgirá nenhum grande impulso em qualquer direção.

Adriana Fernandes: Confiança no governo Bolsonaro

O Estado de S. Paulo

Governo no efeito das medidas que estão sendo anunciadas para vencer a eleição

A confiança do governo Jair Bolsonaro na vitória nas eleições deste ano é cada vez maior com o potencial efeito da bateria de medidas lançada em março e ao longo das últimas semanas de abril. 

Absolutamente tudo o que o presidente pediu e cobrou da equipe econômica está saindo, e os dados da economia vêm apresentando melhora.

Embora muitos analistas econômicos do setor privado avaliem que a melhora vai perder fôlego a partir do segundo semestre, com o aperto de juros maior esperado para conter a aceleração da inflação.

Como mostrou o Estadão, uma série de dados positivos, como alta nas vendas do varejo, aumento no preço das commodities e liberação do FGTS, já levou bancos, consultorias e o Fundo Monetário Internacional (FMI) a revisar para cima a previsão de crescimento da economia brasileira neste ano.

Eugênio Bucci*: Nós, os bobos

O Estado de S. Paulo

Alegando medo dos fantasmas do passado, a elite se prepara para sufragar a maior de todas as corrupções. A imprensa fala sozinha, feito boba.

A cena – fictícia, por favor – tem lugar num restaurante sem encantos, há coisa de duas décadas. Três comensais conversam em tom contido; não querem ser ouvidos pelos clientes das outras mesas e muito menos pelo garçom. São dois homens, ambos parlamentares, e uma mulher. Detentora de um cargo de relevo no Executivo, ela escuta o interlocutor de cabelos escuros, o mais jovem, que, semblante contraído, conta que há denúncias de propina em repartições da cidade. Sua retórica tem escola, embora pouco mais que sussurrada. Ela se mantém insondável. O outro, silente, assiste à preleção com ares de resignação disciplinada, feito a Mona Lisa de bigodes.

Numa pausa polida, a dama pede licença e se dirige ao toalete. Pronto, era a deixa que o mais velho esperava para pôr o colóquio em pratos limpos. Pousando a mão sobre o antebraço do moço, o senhor calmo o encara com serena segurança: “Ela sabe”. Ambos emudecem. “Ela sabe de tudo.” Os dois se entreolham sob o rumorejo do ambiente e o tilintar dos talheres triscando a louça. Quando a senhora retorna, a pauta é outra. Falam do clima, de um aniversário na família, do amigo que recebeu um diagnóstico de câncer. “Me passa o sal, por favor?” A comida pesa na boca de um dos três, que mastiga como se fosse alface a certeza rançosa de que lhe coube o papel de bobo.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

PGR deveria investigar ação de Bolsonaro no MEC

O Globo

Em resposta a questionamento da ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), a vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, alegou falta de elementos que justifiquem a abertura de inquérito contra o presidente Jair Bolsonaro no escândalo dos pastores no Ministério da Educação (MEC).

Ora, o que não falta são indícios do envolvimento de Bolsonaro na ação ilegal dos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura com a finalidade de liberar verbas do MEC para prefeituras, em troca de propina. Se ainda pairar alguma dúvida à vice-procuradora (ou ao procurador-geral, Augusto Aras, abordado durante as férias em Paris por brasileiros com a cobrança de que investigue o caso), eles poderiam começar pelo áudio divulgado pelo jornal Folha de S.Paulo em que o próprio ministro da Educação, Milton Ribeiro (depois afastado do cargo), pede em nome de Bolsonaro que sejam atendidos “todos os que são amigos do pastor Gilmar”.

Os dois deveriam consultar em seguida os registros da portaria do Palácio do Planalto, revelados pelo GLOBO depois que o governo tentou esconder a informação (e se viu obrigado a entregá-la para não desrespeitar a lei). O pastor Arilton esteve 35 vezes no local de trabalho de Bolsonaro, dez na companhia do colega Gilmar. Nely Jardim, apresentada como secretária dos dois, visitou quatro vezes a sede do governo. Há imagens de ambos na companhia do presidente.

Poesia | Cecília Meireles: Romanceiro da Inconfidência (trecho)

Não posso mover meus passos
Por esse atroz labirinto
De esquecimento e cegueira
Em que amores e ódios vão:
– pois sinto bater os sinos,
percebo o roçar das rezas,
vejo o arrepio da morte,
à voz da condenação;
– avisto a negra masmorra
e a sombra do carcereiro
que transita sobre angústias,
com chaves no coração;
– descubro as altas madeiras
do excessivo cadafalso
e, por muros e janelas,
o pasmo da multidão.

Batem patas de cavalos.
Suam soldados imóveis.
Na frente dos oratórios,
que vale mais a oração?
Vale a voz do Brigadeiro
sobre o povo e sobre a tropa,
louvando a augusta Rainha,
– já louca e fora do trono –
na sua Proclamação.

Ó meio-dia confuso,
ó vinte-e-um de abril sinistro,
que intrigas de ouro e de sonho
houve em tua formação?
Quem condena, julga e pune?
Quem é culpado e inocente?
Na mesma cova do tempo
Cai o castigo e o perdão.
Morre a tinta das sentenças
e o sangue dos enforcados …
– liras, espadas e cruzes
pura cinza agora são.
Na mesma cova, as palavras,
e o secreto pensamento,
as coroas e os machados,
mentiras e verdade estão.

Aqui, além, pelo mundo,
ossos, nomes, letras, poeira…
Onde, os rostos? onde, as almas?
Nem os herdeiros recordam
rastro nenhum pelo chão.

Ó grandes muros sem eco,
presídios de sal e treva
onde os homens padeceram
sua vasta solidão…

Não choraremos o que houve,
nem os que chorar queremos:
contra rocas de ignorância
rebenta nossa aflição.

Choraremos esse mistério,
esse esquema sobre-humano,
a força, o jogo, o acidente
da indizível conjunção
que ordena vidas e mundos
em pólos inexoráveis
de ruína e de exaltação.

Ó silenciosas vertentes
por onde se precipitam
inexplicáveis torrentes,
por eterna escuridão.