sábado, 23 de abril de 2022

Marco Aurélio Nogueira*: Tensão demais, ideias de menos

O Estado de S. Paulo

O momento exige que os democratas entrem claramente na disputa política. Unidos, se possível for, ou ao menos pacificados entre si.

O processo eleitoral de 2022 ainda não foi formalmente aberto, mas não se fala em outra coisa nas ruas e na opinião pública. Conversa-se, claro, sobre custo de vida, inflação, desemprego e perda do poder de compra dos salários, mas tudo isso fica suspenso no ar, à espera das urnas do final do ano. Ou, pelo menos, do surgimento de uma candidatura democrática que nos tire do marasmo.

Há uma disputa encarniçada entre os candidatos a presidente, tanto entre os já definidos (Lula, Bolsonaro) quanto entre os que estão em fase de postulação. É o caso, antes de tudo, dos articuladores do chamado centro democrático, que ora ensaiam um passo adiante, ora giram em círculos. Temos um mês pela frente antes que saibamos se haverá, mesmo, um nome unitário desse campo e quem será ele, ou ela. É um tempo apertado, pois as demais campanhas estão a todo vapor, ainda que por debaixo dos panos.

Tudo está a indicar que esta será uma eleição entre pessoas, não entre ideias. Faltam sinalizações claras do que pretendem fazer os candidatos se acaso chegarem à vitória. Não há programas nem propostas estruturantes. Pode-se dar um desconto e reconhecer que ainda há longos meses pela frente, suficientes para que planos venham à luz, saiam dos bastidores em que trabalham colaboradores técnicos e políticos, sejam traduzidos em linguagem popular e mobilizem os cidadãos. Não há como ficar à espera disso passivamente.

Bolívar Lamounier*: Três reformas de meter medo

O Estado de S. Paulo

Eu, que sempre fui um veemente defensor de uma ‘reforma política’, hoje tremi nas bases ao me deparar com essa expressão

Para vocês verem como são as coisas: eu, que sempre fui um veemente defensor de uma reforma política, hoje tremi nas bases ao me deparar com essa expressão.

Explico-me. Revirando minha tralha no computador, encontrei relatos sobre três reformas feitas no Brasil: uma, no início do século; outra, no meio; e uma mais recente. A primeira começou batizada como “política dos Estados”, título depois vulgarizado como “política dos governadores”, mas, se dependesse de mim, seria “ditadura dos governadores”. Seu autor foi o presidente Campos Salles, natural de Campinas, que governou de 1898 a 1902, e me disponho a conceder-lhe um bom desconto, porque a situação econômica do Brasil estava realmente sinistra. Devíamos os tubos à Inglaterra e precisávamos desesperadamente de uma moratória. Ocorre que os britânicos podem ser fleugmáticos, mas bobos não são. Queriam gordas garantias.

Na parte econômica, nós até que demos um jeito, mas na política nossa tenra República não estava em condições de garantir nada a ninguém.

João Gabriel de Lima*: O clube dos moinhos de vento

O Estado de S. Paulo

A democracia perde quando o debate foge dos fatos e abraça o universo ficcional dos moinhos de vento

A imigração certamente não é o problema mais sério da França. Todos os dias chegam à União Europeia trabalhadores de várias nacionalidades e qualificações. Segundo estudos da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a OCDE – o clube dos países ricos –, os imigrantes movimentam a economia em países onde a população está envelhecendo. A seleção de futebol que ganhou a Copa do Mundo é o emblema da nova França multicultural.

O segundo turno entre Emmanuel Macron e Marine Le Pen será amanhã – e a imigração foi tema no debate eleitoral francês. “Le Pen suavizou seu discurso, mas sua posição histórica – fechar as fronteiras francesas – atentaria contra um dos princípios básicos da União Europeia, que é a livre circulação de pessoas”, diz o cientista político Andrei Roman, entrevistado no minipodcast da semana. Ele é CEO do Atlas, empresa de análise de dados que atua em eleições em vários países.

O Brasil tem problemas seriíssimos – inflação, corrupção, pobreza – e a falta de liberdade de expressão não está entre eles. O tema, no entanto, ganhou relevância ao longo desta semana. Em decisão “pedagógica”, como observou o Estadão em editorial, o Supremo Tribunal Federal condenou o deputado federal Daniel Silveira a oito anos e nove meses de cadeia, “por usar de violência ou grave ameaça para impedir o exercício dos Poderes”.

Ascânio Seleme: Bolsonaro é Sylvio Frota

O Globo

O golpista empoderado fecharia o Congresso e o STF, rasgaria a Constituição e governaria como um monarca totalitário

À primeira vista, o desgraçado indulto que Jair Bolsonaro concedeu ao deputado Daniel Silveira foi visto pelo presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco, como um ato normal que não pode ser contestado. Depois, em entrevista ao GLOBO, disse que ele fragiliza a justiça penal, mas é legítimo. Antes do decreto ser assinado, o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, já havia enviado ofício ao Supremo Tribunal Federal em favor de Silveira, pedindo que a Corte defina que apenas o Congresso pode cassar o seu mandato. Os chefes da Câmara e do Senado, que deveriam defender as instituições e a democracia que as duas Casas sustentam, condenando com veemência a afronta de Bolsonaro, se posicionaram de maneira dúbia, com espinhas dobradas.

Pacheco e Lira foram condescendentes e são cegos. Não conseguem enxergar que mantida esta escalada, mais adiante os alvos da ira antidemocrática do presidente serão eles e seus pares. Bolsonaro se coloca acima da Constituição ao decretar que o Supremo Tribunal errou e indultar Silveira. E o que os presidentes das casas legislativas fazem? Nada. Apenas Pacheco fez uma breve ponderação, passando o pano sobre o ato que chamou de constitucional e que, segundo ele, tem de ser acatado pelo STF. O que houve, além da afronta ao Supremo, foi um insulto ao Congresso, mas seus líderes abaixaram a cabeça. Um dia podem ser obrigados a baixá-las para serem cortadas pelo presidente golpista.

Bolsonaro, todos sabem, é um candidato a autocrata que defende a ditadura de 1964 e faz reverência a torturadores, como o seu herói Brilhante Ustra. Se fosse mais velho e não tivesse sido expulso do Exército por baderna, certamente estaria entre a tigrada que desceu o pau nos porões do regime. Provavelmente teria se conflagrado contra o presidente Ernesto Geisel e apoiado o general Sylvio Frota na tentativa de golpe que o ministro do Exército quis aplicar contra a abertura do regime, em 1977. Bolsonaro, não tenham dúvida, seria da linha dura da ditadura.

Malu Gaspar: O que falta para PT e PSD selarem a aliança Lula-Kalil em Minas Gerais

O Globo

Segundo maior colégio eleitoral do país, Minas Gerais é uma peça crucial para o xadrez de Luiz Inácio Lula da Silva visando as eleições de outubro. Desde a redemocratização, nenhum presidente da República foi eleito sem vencer no estado. 

Por isso as negociações para uma aliança com o ex-prefeito de Belo Horizonte Alexandre Kalil (PSD), que vai se candidatar ao governo do Estado, são prioridade para o petista. 

As conversas estão avançadas e um acordo até já poderia ter sido feito, não fosse por um "detalhe": decidir com quem fica a vaga de candidato ao Senado na chapa com Kalil. 

O PSD defende que o candidato seja o senador Alexandre Silveira, que coordenou a campanha de Rodrigo Pacheco em 2018 e foi seu chefe de gabinete.

Silveira era suplente de Antonio Anastasia e assumiu o cargo de senador em fevereiro, após a ida dele para o Tribunal de Contas da União (TCU). Confirmar a candidatura de Silveira é uma das condições de Pacheco para avalizar o acordo entre Kalil e Lula. 

Eduardo Affonso: Não existe reeleição

O Globo

Quem cantou a pedra foi Heráclito de Éfeso, há mais de 2.500 anos: ninguém se banha duas vezes no mesmo rio. As águas já são outras, e as pessoas não são menos líquidas. Nelson Motta traduziu isso em versos: “Tudo o que se vê não é/Igual ao que a gente viu há um segundo”.

Quem preferiu Bolsonaro em 2018 deu seu voto a alguém que prometia acabar com a reeleição, adotar critérios técnicos na escolha de ministros, reduzir o número de ministérios e parlamentares, privatizar estatais, combater a corrupção.

O eleitor que apertou o 17 em 2018 e vier a apertar o 22 em outubro deste ano não estará escolhendo apenas outro número, mas outra pessoa. Que talvez se valha da concepção de Heráclito (e de Nelson Motta) para justificar o desejo de permanecer no cargo: o Jair de antes não é, definitivamente, o de agora.

Aquele se dizia antiestablishment; este chafurda nas velhas práticas clientelistas que parecem alicerçar nossa vida política desde antes do bigue-bangue. Aquele nomeou Sergio Moro para o Ministério da Justiça; este enterrou a Lava-Jato. E, por critérios eminentemente técnicos, entregou a gestão da Saúde ao general Eduardo Pazuello, a da Educação a Abraham Weintraub e ao pastor Milton Ribeiro, a do Meio Ambiente a Ricardo Salles. Não enxugou a Esplanada nem o Congresso. Quanto à corrupção, o troca-troca na Polícia Federal fala por si.

Pablo Ortellado: Precisamos valorizar os bons militares

O Globo

A oposição faz um movimento equivocado e perigoso ao criticar reiteradamente os militares, e não apenas os maus militares. O Brasil precisa —e muito — de Forças Armadas bem equipadas, bem treinadas e profissionais.

O último episódio desse movimento equivocado de críticas aos militares foi a denúncia sobre a compra de 35 mil unidades de Viagra, o famoso medicamento para disfunção erétil. Essa “denúncia” teria qual propósito? Constranger os militares? O sildenafil, princípio ativo do Viagra, é comprado pelo SUS desde 2012!

Carlos Alberto Sardenberg: Haja desafios

O Globo

O Brasil avança no processo eleitoral num momento particularmente desafiador para o mundo todo. Há mudanças substanciais na política e na economia. Algumas estavam em andamento antes da pandemia e da invasão da Ucrânia, mas esses dois últimos eventos mudaram o curso da História. Não será fácil para ninguém, mas será pior aqui.

O Fundo Monetário Internacional acaba de publicar seu Panorama Econômico, que pode ser assim resumido: mais inflação e menos crescimento, em todos os países.

Só por aí já se poderia ver que o quadro é estranho: se há muita inflação, isso deveria ser resultado de, digamos, um excesso de crescimento. E isso seria corrigido pela ação dos bancos centrais, que, elevando juros, poriam freio no crescimento e, pois, na inflação. Haveria menos crescimento, mas, em compensação, menos inflação. Teremos, entretanto, mais inflação com menos crescimento.

Hélio Schwartsman: Democracia x ditadura

Folha de S. Paulo

O que torna democracias superiores a ditaduras é que, nelas, direitos humanos têm valor intrínseco

Os últimos anos foram de recessão democrática no Ocidente. Vários países, inclusive os EUA, tiveram de lidar com lideranças populistas, que enfraqueceram quando não solaparam as instituições. Paralelamente, nações autocráticas pareciam fazer progressos em várias áreas. O caso mais notável é o da China, que tirou centenas de milhões da pobreza, vai se saindo muito melhor do que democracias no controle da pandemia e avança até no gerenciamento da crise climática. Muitos se perguntavam se era assim tão ruim viver num regime autoritário.

Cristina Serra: Como perder um país

Folha de S. Paulo

A indulgência cúmplice de Arthur Lira e de Rodrigo Pacheco legitima Bolsonaro contra o STF

O perdão de Bolsonaro ao deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), um dia depois da condenação pelo Supremo Tribunal Federal, leva o país ao limiar da anarquia institucional, seja qual for o desfecho de mais essa crise, calculada com o propósito de elevar a tensão entre os poderes, às vésperas da campanha eleitoral.

O ato de Bolsonaro, antes mesmo do trânsito em julgado da sentença, afronta os magistrados, o STF, a democracia, a Constituição e o Estado de Direito. Bolsonaro está mostrando a seus comparsas que o crime compensa e que podem contar com a proteção da maior autoridade do Executivo, disposta a esticar a corda e deixar que ela arrebente.

Bolsonaro age com método e estratégia para desmoralizar as instituições e incendiar o país. Engana-se quem acha que tudo vai se resolver, como num passe de mágica, com as eleições de outubro. Chegaremos até lá? Já não está claro que a extrema direita tentará um golpe?

Alvaro Costa e Silva: As duas faces do general

Folha de S. Paulo

Com a ajuda de Mourão, Bolsonaro governa o país no modo esculacho

Você lembra que Hamilton Mourão era o Mozão? Foi no início do governo, quando ele, em público e sobretudo no trato com a imprensa, assumiu ares de homem cordial e ganhou o apelido que desfazia a imagem de general linha-dura. O candidato a vice-presidente —que antes falava em "autogolpe" para evitar a "anarquia generalizada"— passou a representar o poder moderador, a sombra de um estadista preocupado com os destinos do país, garantia de que a presença do Exército no Palácio do Planalto iria conter a natureza autoritária de Bolsonaro. Era uma farsa. Quem acreditou nela dorme todos os dias com a ameaça do golpe batendo à porta.

Demétrio Magnoli: Culpa coletiva', parte 2

Folha de S. Paulo

Noção de culpa coletiva renasce dirigida aos russos, por cancelamento de indivíduos

Diese Schandtaten: Eure Schuld! ("Essas atrocidades: culpa sua!"). A frase acusadora, estampada sobre imagens dos campos da morte nazistas, surgiu nos cartazes de uma campanha publicitária patrocinada pelas autoridades americanas de ocupação na Alemanha do imediato pós-guerra. A noção de culpa coletiva renasce agora, mas dirigida aos russos, por atos de cancelamento de indivíduos: o tradicional torneio de Wimbledon acaba de anunciar que os tenistas russos serão barrados da competição.

"Eu não represento o Kremlin; represento Dostoiévski e Tchekhov, represento a cultura, o povo", registrou Daniil Dubov, um dos 44 enxadristas de ponta russos signatários de uma carta aberta de protesto contra a guerra de Putin. O tenista russo Andrey Rublev, um dos dez melhores do mundo, escreveu "Guerra não, por favor", na lente da câmera que filmava seu triunfo no torneio de Dubai, no final de fevereiro. As palavras deles importam para os russos e incomodam o Kremlin, que pode reagir com represálias, mas não para os promotores da culpa coletiva.

Dora Kramer: Menor esforço

Revista Veja

O centro teve tempo, mas não teve vontade real de investir na luta pela Presidência

Falta menos de um mês para o anúncio, em 18 de maio, do nome que concorrerá à Presidência da República como representante dos partidos de centro para tentar furar o bloqueio do antagonismo entre Jair Bolsonaro e Luiz Inácio da Silva. Até agora nada se viu que indique o sucesso da empreitada.

Se a tentativa de fato fracassar, terá sido por morte matada. E não por ação dos adversários líderes nas pesquisas, mas por inação dos próprios arquitetos, que hoje já parecem mais demolidores incidentais que construtores com empenho real de pôr em pé a obra.

Lula e Bolsonaro mal tomaram conhecimento das movimentações da chamada terceira via, a não ser para de vez em quando desdenhar. Portanto, se o malogro vier, não terá sido por responsabilidade deles. Não fizeram um gesto que possa ser visto como destruidor, até por falta de algo a ser demolido, pois nada de consistente foi construído.

Não por falta de tempo nem de condições objetivas. O tema terceira via está na pauta da política há pelo menos uns dois anos, se não mais. As conversações em torno dele chegaram a indicar uma possibilidade de êxito, por dois motivos principais.

Primeiro, diferentemente de 2018, quando Lula estava fora do jogo e ninguém fazia fé na vitória de Bolsonaro, o centro começou a se mexer, conversar e se articular para competir. Em segundo lugar, a certa altura, as rejeições do presidente e do petista em tese criavam uma avenida alternativa de bom tamanho. O atrativo do caminho fez surgir uma grande quantidade de pretendentes. De Luciano Huck a Henrique Mandetta, passando por Cabo Daciolo, João Amoêdo, Rodrigo Pacheco e mais uma série na qual o mais vistoso era o onipresente e onisciente João Doria. Foram caindo por desistência um a um até que Sergio Moro, depois de ir e vir, acabou indo. Ou tentando ir. Ciro Gomes foi desde o começo e parece disposto a ficar até o fim.

Marcus Pestana*: Mais ideias, menos personalismo

É impressionante como a atual sucessão presidencial é vazia de ideias e rica em culto a personalidades. É uma confirmação de nossa tradição política histórica. Os holofotes se concentram na trajetória pessoal e características dos personagens que protagonizam a disputa, restando aos partidos e programas um papel secundário e acessório. Isto resulta de uma eterna espera de um salvador da Pátria, um super-herói, uma figura mitológica, um “deus” onipotente e onipresente que irá nos redimir de todos os males.  Foi assim com Vargas, Jânio e Collor. E hoje, é revivido em torno das lideranças carismáticas de Lula e Bolsonaro. A alternativa ao populismo seria certamente muito mais trabalhosa.

O Brasil se encontra mergulhado em profunda crise. O crescimento da economia em 2022 será pífio. A inflação inferniza o cotidiano da população. O desemprego é superior a 11%. Os juros estão nas alturas e garroteiam o consumo e a produção. A tão necessária reforma tributária continua em banho-maria. O presidencialismo brasileiro encontra-se cada vez mais atrofiado. As desigualdades sociais e regionais são escandalosas. A agenda ambiental foi praticamente abandonada. A democracia volta e meia é ameaçada. A qualidade da educação continua claudicando em patamares insatisfatórios. A eficiência estatal é cada vez menor. A crise fiscal é empurrada com a barriga. É sobre isto que os candidatos à presidência da República deveriam se posicionar. No entanto, ficamos a discutir qualidades e defeitos pessoais que envolvem Lula e Bolsonaro.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Graça concedida a Daniel Silveira foi afronta ao Judiciário

O Globo

Foi uma afronta ao Judiciário o decreto do presidente Jair Bolsonaro perdoando o deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) dos crimes que resultaram em sua condenação, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a oito anos e nove meses de prisão. É inaceitável que o presidente da República use o poder da graça, que lhe é concedido pela Constituição, apenas para favorecer um aliado político condenado — com toda a justiça e dentro do devido processo legal — por ter agredido as instituições e a democracia de forma flagrante.

Pela primeira vez desde a Constituição de 1988, um presidente usou o poder de conceder indulto individual. E sem nexo com o calendário nem critério jurídico. Só isso não deixa dúvida de que, embora tenha alegado agir em nome da liberdade de expressão e dos direitos de parlamentares, a motivação de Bolsonaro foi puramente pessoal. Não é de hoje que seus aliados promovem campanha contra ministros do Supremo e tentam minar a confiança nas instituições democráticas. A tentativa inusitada de derrubar uma decisão da Corte, atribuindo-lhe conteúdo político, é uma forma de atiçar sua claque.

Dentro do regramento democrático brasileiro, o STF é a instituição adequada para tomar a decisão sobre os crimes atribuídos a Silveira. Numa votação quase unânime — por 10 votos a 1, com apoio até do ministro André Mendonça, recém-indicado por Bolsonaro —, a Corte concluiu que os atos do deputado não estão protegidos nem pela liberdade de expressão nem pela imunidade parlamentar. A decisão ainda está sujeita a recurso, a pena não é definitiva, e o decreto presidencial baixado no dia seguinte à condenação, antes do trânsito em julgado da sentença, só contribui para trazer mais turbulência a um processo já em si delicado.